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Estudo também indica que diabéticos não
diagnosticados precisam de atenção precoce para evitar o problema
Uma pesquisa realizada na
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) comprovou que há relação entre o
diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e o aumento da chance de declínio cognitivo nos
portadores da doença. Já havia evidências científicas sobre essa associação,
mas o estudo desenvolvido na Universidade indicou que é preciso identificar e
agrupar corretamente os indivíduos diabéticos, não diabéticos e diabéticos não
diagnosticados. De acordo com o trabalho, se essa classificação não for feita
adequadamente, os resultados da associação entre diabetes e declínio cognitivo
podem ser prejudicados.
O estudo é fruto de projeto de iniciação científica da gerontóloga Natália
Cochar Soares, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) - Processos 2020/02040-3 e 2018/13917-3 -, sob orientação de
Tiago da Silva Alexandre, docente do Departamento de Gerontologia (DGero) da
UFSCar e coordenador do International
Collaboration of Longitudinal Studies of Aging (InterCoLAging),
consórcio de estudos longitudinais que, além do Elsi (Estudo Longitudinal de
Saúde dos Idosos Brasileiros), envolve o Elsa Study (English Longitudinal Study of Ageing),
da Inglaterra, e o MHAS Study (Mexican
Health and Aging Study). O trabalho teve a participação de
pesquisadores do DGero e do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia (PPGGero)
da UFSCar, e foi publicado recentemente no Journal of Diabetes (https://bit.ly/2FECjvC). "O
estudo analisou se o DM2 aumenta a chance de prejuízo da memória, da linguagem
e da função executiva, além de ter verificado se classificar indivíduos com
diabetes não diagnosticado como não diabéticos ou como diabéticos modificaria
tais associações", explica Alexandre.
Segundo o docente, normalmente, as pesquisas desenvolvidas sobre a temática
utilizam o autorrelato para identificar o diabetes e classificam indivíduos com
diabetes não diagnosticado como não diabéticos, o que pode prejudicar os
resultados encontrados. O estudo feito na UFSCar utilizou amostra de 1.944
participantes, com idade igual ou superior a 50 anos, da base de dados do
Elsi-Brasil, coordenado pela professora Maria Fernanda Furtado Lima-Costa, do
Instituto René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, de Minas Gerais. Foi realizada
coleta de dados sociodemográficos, condições pregressas de saúde, avaliações do
estado cognitivo, a partir de visitas em domicílio dos participantes do
Elsi-Brasil, assim como medidas antropométricas, por meio de testes físicos
administrados em visita aos entrevistados. Para obtenção de parâmetros
bioquímicos, um técnico de laboratório treinado obteve amostras de sangue
venoso durante a visita, para exames como hemoglobina glicada (HbA1c),
colesterol, dentre outros.
Classificação dos
participantes
Como trata-se de um estudo de cunho epidemiológico, o diabetes foi verificado
de duas maneiras: pelo autorrelato dos participantes sobre o diagnóstico médico
e pelos níveis de HbA1c. Foram considerados diabéticos os participantes que
relataram diagnóstico médico de diabetes independente dos valores da HbA1c.
Foram considerados diabéticos não diagnosticados aqueles que não relataram
diagnóstico médico de diabetes, mas tinham HbA1c alterada, ou seja, ≥6,5%, e
foram considerados não diabéticos aqueles que não relataram diagnóstico médico
de diabetes e apresentaram HbA1c em normalidade, ou seja, <6,5%.
O objetivo foi verificar, justamente, como fica a associação da memória, função
executiva e linguagem com o diabetes quando esse o grupo de diabéticos não
diagnosticados é separado ou incluído no grupo de não diabéticos ou de
diabéticos. Para isso, foram feitas três formas de agrupamento. O modelo 1
incluiu as três categorias de diabetes separadamente: não diabéticos,
diabéticos não diagnosticados e diabéticos. O modelo 2 uniu diabéticos não
diagnosticados e não diabéticos em um mesmo grupo. E o modelo 3 uniu os
diabéticos não diagnosticados e os diabéticos.
Resultados
De acordo com o orientador, os diferentes tipos de agrupamento foram
importantes para levantar um dos resultados do estudo. "Isso permitiu
identificar que a associação entre diabetes e declínio da memória é atenuada
quando o grupo de diabéticos não diagnosticados é incluído no mesmo grupo dos
não diabéticos ou dos diabéticos. Portanto, a melhor maneira de classificar o
diabetes para avaliar tal associação é separando o grupo de diabéticos não
diagnosticados como feito no modelo 1", detalha Alexandre, destacando que
o impacto do diabetes não diagnosticado nessa associação era desconhecido antes
da pesquisa.
O trabalho comprovou que, realmente, os diabéticos são mais propensos a
apresentar comprometimento da memória. "O mecanismo que relaciona a DM2 à
maior chance de prejuízo da memória pode ser explicado pela hiperglicemia
crônica que acarreta a perda de neurônios corticais e diminuição da transmissão
colinérgica, além de danos e redução do volume do hipocampo, estrutura
fundamental do cérebro para o bom funcionamento da memória", explica o
docente. Durante a pesquisa, não foi encontrada associação entre diabetes e
habilidades de fluência verbal prejudicadas, "fato que pode ser explicado
pela possibilidade de a deterioração da memória ocorrer antes de alterações na linguagem
e na função executiva", completa ele.
Além disso, o estudo também permitiu perceber que diabéticos não diagnosticados
se diferem clinicamente dos diabéticos já diagnosticados e dos indivíduos sem
diabetes, o que é essencial para o planejamento de estratégias de prevenção,
diagnóstico e tratamento da doença. "Ademais, a associação entre diabetes
e o comprometimento da memória é clinicamente relevante, pois como a memória é
um indicador precoce de comprometimento cognitivo, faz-se necessário que os
clínicos diagnostiquem o diabetes e reconheçam seu impacto negativo na função
cognitiva o mais cedo possível", afirma Alexandre. Dessa forma, o docente
destaca a necessidade de atenção precoce aos casos de diabetes não
diagnosticados. "Em um estágio inicial, o diagnóstico precoce permite um
tratamento mais eficaz na prevenção das complicações da doença, bem como do
prejuízo da memória", conclui.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Pesquisas
René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Processo: 886.754), e o Estudo
Elsi-Brasil cumpre as resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS).