Dispositivo de baixo custo
detecta de forma rápida as concentrações de BDNF; cientista da USP diz que
próxima etapa é obter patente
Dispositivo custa US$ 2,19 a unidade
ilustração: Amanda H. Imamura
Sci Illustrations
Pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP) em parceria com a Embrapa Instrumentação desenvolveram um
biossensor portátil e de baixo custo capaz de identificar de forma rápida uma
proteína cujos níveis alterados estão associados a transtornos psiquiátricos,
como depressão, esquizofrenia e bipolaridade. No futuro, quando estiver
disponível no mercado, pode contribuir para a detecção precoce, essencial no
tratamento e monitoramento do quadro clínico de pacientes.
O biossensor consiste em uma
tira flexível com eletrodos que, integrada a um analisador portátil, avalia
gotas de saliva humana. Fornece em menos de três minutos a concentração de BDNF
(sigla em inglês para Brain-Derived Neurotrophic Factor), proteína
que atua no crescimento e na manutenção dos neurônios, sendo crucial no
desenvolvimento de funções cerebrais, entre elas aprendizagem e memória.
Recém-publicada na ACS
Polymers Au, a pesquisa mostra que o dispositivo conseguiu medir de forma
confiável concentrações extremamente baixas da proteína em um grande intervalo
de saliva (de 10⁻²⁰ a 10⁻¹⁰ gramas por mililitro) até quantidades mínimas, mas ainda
detectáveis (1,0 × 10⁻²⁰ grama por mililitro).
Com capacidade de armazenamento
de longo prazo, o biossensor tem custo estimado de US$ 2,19 a unidade – menos
de R$ 12,00 pelo câmbio atual. A próxima etapa, segundo os cientistas, é obter
a patente.
“Existem poucos sensores que
fazem esse tipo de análise e o nosso foi o que apresentou melhor desempenho.
Detectou uma ampla faixa de concentração, resultado que é muito bom do ponto de
vista clínico. Quando o nível da proteína está muito baixo, pode servir de
alerta para doenças e transtornos psiquiátricos. Por outro lado, ao ser capaz
de sinalizar aumento de BDNF, contribui como uma ferramenta para monitorar a
evolução do paciente de acordo com o tratamento”, explica à Agência
FAPESP o pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e
autor correspondente do artigo Paulo Augusto Raymundo Pereira.
Com experiência nas áreas de
química e biotecnologia, Pereira vem trabalhando com sensores flexíveis e
biossensores eletroquímicos. No ano passado, foi um dos autores de um artigo
no Chemical Engineering Journal que trouxe os resultados de um
sensor portátil para autoteste de urina visando detectar marcadores de doenças
como gota e Parkinson (leia mais em: agencia.fapesp.br/51163).
Ligação
com transtornos
A literatura científica
registra que níveis baixos de BDNF são um dos fatores envolvidos em alguns
distúrbios neurológicos e psiquiátricos, associados a declínio cognitivo. É o
caso, por exemplo, da depressão. Já a restauração do efeito da proteína está
ligada a antidepressivos. Indivíduos saudáveis registram níveis de BDNF acima
de 20 nanogramas por mililitro (ng/mL), enquanto pessoas com transtorno
depressivo maior (TDM) chegam a ter menos de 10 ou 12 ng/mL.
Dados da Organização Mundial da
Saúde (OMS) apontam que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos
mentais – ansiedade e depressão são as condições mais prevalentes. De acordo
com relatórios da organização, incluindo o Atlas da Saúde Mental 2024, houve um
aumento da prevalência desses transtornos em todos os países, afetando pessoas
de todas as faixas etárias e rendimentos.
No Brasil, os afastamentos de
trabalhadores por problemas de saúde mental cresceram 134% entre 2022 e 2024.
Passaram de 201 mil para 472 mil, sendo provocados por episódios depressivos,
ansiedade e depressão recorrente, segundo o Observatório de Segurança e Saúde no
Trabalho.
“O aumento de casos de
transtornos mentais e a consequente elevação do uso de medicamentos,
especialmente após a pandemia de COVID-19, nos motivaram a trabalhar com o tema
e buscar alternativas”, complementa Pereira, que tem apoio da FAPESP por meio
de bolsas (16/01919-6, 23/09685-8 e 22/02164-0).
O
dispositivo
Os pesquisadores desenvolveram
uma tira flexível serigrafada em um suporte de filme de poliéster com eletrodos
– um de trabalho funcionalizado, um auxiliar de carbono puro e um de referência
de prata.
O eletrodo de trabalho foi
modificado com nanoesferas de carbono. Recebeu uma camada de dois compostos
químicos – polietilenoimina e glutaraldeído – para aumentar a sensibilidade e
atuar como uma matriz para imobilizar o anticorpo de captura específico de BDNF
(anti-BDNF). Para evitar outros tipos de interação, foi colocada uma camada
reagente de etanolamina.
A detecção de BDNF é feita a
partir da formação de imunocomplexos anticorpo-antígeno, o que aumenta a
resistência à transferência eletrônica na superfície sensora. Esse crescimento
é capturado por uma técnica chamada espectroscopia de impedância eletroquímica,
usada para estudar processos que acontecem na interface entre um eletrodo e uma
solução.
Os resultados podem ser
exibidos em tempo real em um dispositivo móvel (smartphone) por meio de
comunicação sem fio (bluetooth).
Atualmente, as técnicas
utilizadas para análise dos níveis de BDNF incluem ensaio imunoenzimático
(ELISA), eletroquimioluminescência, fluorescência e cromatografia líquida de
alta eficiência (HPLC), que demandam tempo, grandes volumes de amostra e
laboratórios especializados.
“Estamos caminhando para uma
personalização da medicina em que os tratamentos serão cada vez mais
direcionados a cada indivíduo. No caso do biossensor, ele pode ser otimizado
para atender a diferentes perfis”, afirma o pesquisador.
A FAPESP também apoiou o estudo
por meio do Projeto Temático “Rumo à convergência de tecnologias: de sensores e biossensores à
visualização de informação e aprendizado de máquina para análise de dados em
diagnóstico clínico” e de outros dois projetos (23/07686-7 e 20/09587-8).
Fazem parte da equipe os
pesquisadores Nathalia Gomes, Marcelo Luiz Calegaro, Luiz Henrique Capparelli Mattoso, Sergio Antonio Spinola Machado e Osvaldo de Oliveira Junior.
O artigo Low-cost,
disposable biosensor for detection of the brain-derived neurotrophic factor
biomarker in noninvasively collected saliva toward diagnosis of mental
disorders pode ser lido em https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acspolymersau.5c00038.
Agência FAPESP
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