Facções
criminosas usam fintechs para mascarar dinheiro; especialista alerta sobre
golpes e mostra o que diferencia o investimento legítimo do ilegal
Para não cair em golpes de lavagem de dinheiro, startups
devem criar programas de compliance e governança
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O Brasil tem cerca de 12 mil startups em funcionamento. Um estudo mostrou que somente em 2024 elas captaram R$ 13,9 bilhões em investimentos para financiar o crescimento e desenvolvimento de seus negócios, em diferentes ramos de atividades.
Mas a expansão
acelerada dessas empresas jovens e inovadoras chamou a atenção das autoridades.
O Ministério Público identificou que algumas startups estão sendo usadas como
instrumento de lavagem de dinheiro; um processo criminoso que busca ocultar a
origem ilícita de recursos financeiros, inserindo-os no sistema econômico como
se fossem legítimos.
Exemplos
recentes
Em abril de 2024, a Operação Contenção 27, realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, apontou a fintech 4TBank como mecanismo de lavagem de cerca de R$ 6 bilhões em apenas um ano para o Comando Vermelho e o PCC.
Em fevereiro de
2025 a Operação Hydra, do Ministério Público de São Paulo com a Polícia
Federal, mostrou que duas fintechs – 2GO Bank e Invbank - receberam cerca de R$
6 milhões de integrantes do PCC e movimentaram quantias no Brasil, EUA,
Paraguai, Argentina, Holanda, Itália, Hong Kong, China, dentre outros países.
Dificuldade
de investigação
“Parte dos modelos
de negócios das startups são baseados em serviços digitais ou bens intangíveis,
o que permite uma mobilização significativa de recursos sem a necessidade de
uma infraestrutura física robusta. Assim, é mais fácil ocultar a origem de fundos
ilícitos, tornando a detecção extremamente difícil para investigadores e
agências reguladoras”, explica o advogado criminalista, Leonardo
Fleischfresser.
Como
age o crime organizado?
Segundo o relatório “Lavagem de Dinheiro e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil” - feito pelo Instituto Esfera de Estudos e Inovação, existem duas principais estratégias usadas pelas organizações criminosas por meio das fintechs: as “contas gráficas” e as “contas bolsões”.
As “contas
gráficas” são contas correntes usadas como se fossem pessoais, mas que estão
vinculadas ao CNPJ da fintech e hospedadas em bancos tradicionais, o que blinda
a conta de bloqueios judiciais e investigações.
Já as “contas bolsões” são quando a fintech deposita valores de vários clientes em uma única conta bancária, sem separação de titularidade no sistema. Assim, só a fintech sabe quanto é propriedade de cada usuário, tornando mais difícil o rastreio por órgãos estatais.
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Tudo bem planejado
Fleischfresser
destaca que a lavagem de dinheiro não ocorre de maneira aleatória e cita mais
quatro práticas ilegais; entre elas estão as chamadas “pre-seeds” (sementes prévias: investimentos) ou de “seeds
capital” definitivas, ou seja, injeção de
capital em empresas em estágio inicial. Outro método comum envolve a injeção de
dinheiro ilícito apresentado como investimento legítimo, geralmente,
proveniente de investidores-anjo.
Também existe a
metodologia do faturamento falso ou inflado, em que startups simulam vendas de
produtos ou serviços inexistentes. As que atuam com serviços digitais são
especialmente suscetíveis a esse tipo de manipulação, pois a dificuldade de
rastrear as transações não-físicas facilita a lavagem.
“Além disso,
utiliza-se frequentemente a complexidade das estruturas societárias e a
opacidade das operações, que podem incluir o uso de empresas de fachada em
paraísos fiscais. Isso camufla a identidade dos beneficiários finais e
dificulta a identificação de práticas ilícitas”, complementa o advogado.
Como
se proteger de investimentos criminosos?
Na pressa por
crescer e atrair investidores, algumas startups não verificam com atenção de
onde vem o dinheiro recebido ou quem são seus clientes.
“Enquanto o
investimento legítimo busca retorno financeiro no sucesso do negócio, a lavagem
de dinheiro utiliza a startup apenas como um meio para dissimular a origem
ilícita de recursos”, conta Fleischfresser, que é mestre em Ciências Jurídico
Criminais pela Universidade de Lisboa (Portugal).
O que
pode levantar suspeita?
Indicadores como
investimentos desproporcionais, fontes de financiamento obscuras, estruturas
societárias complexas, uso de intermediários suspeitos, transações financeiras
sem propósito econômico claro são alguns indícios que devem levantar suspeitas.
Nesse contexto,
“uma análise de due diligence [processo de investigação e verificação de uma empresa
ou negócio antes de uma transação] aprofundada e feita por especialista é
essencial para discernir a verdadeira natureza da operação”, complementa o
advogado criminalista.
Como
se proteger de golpes?
Para empresas já
estabelecidas, a cautela na contratação ou parceria com startups é crucial para
evitar o envolvimento involuntário em atividades criminosas. Já as startups
devem ser proativas na implementação de uma cultura em conformidade com as
leis, na criação de programas de compliance e governança, na adoção de práticas de monitoramento e
análise que possam identificar quaisquer atividades suspeitas.
“Implementar
medidas como a verificação reputacional, análise da estrutura societária,
avaliação do programa de compliance, checagem financeira das transações, inclusão de cláusulas
contratuais de conformidade e monitoramento contínuo da relação comercial
ajudam a eliminar os riscos de se envolver em situações ilegais”, conclui o
advogado Leonardo Fleischfresser.
Punições
Quem comete crime
de lavagem de dinheiro fica sujeito a punições. A Lei nº 9.613/98 prevê pena de
reclusão de três a dez anos e multa, com possibilidade de aumento em casos de
reiteração ou envolvimento de organização criminosa.
Para pessoas
jurídicas, as sanções administrativas podem incluir multas milionárias e
possíveis inabilitações temporárias de seus administradores.
Leonardo Fleischfresser - advogado criminalista, professor universitário e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal). Também é Membro Pesquisador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Membro Relator da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR.

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