Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou dois Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), guias de cuidado, e incorporou uma nova tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento de pacientes adultos com anemia por deficiência de ferro,[1] doença que causa a redução da concentração de hemoglobina - proteína responsável por transportar o oxigênio pelo sangue. No entanto, o acesso ao tratamento ainda não é uma realidade para quem precisa.
De acordo com a portaria GM/MS Nº4.228, que dispõe sobre o processo administrativo de incorporação de tecnologias em saúde no SUS, a dispensação deveria acontecer em um prazo não superior a 180 dias, contados da data em que foi protocolado o requerimento, com prorrogação por 90 dias, caso as circunstâncias exigissem. Contudo, dois anos se passaram e o medicamento ainda não é fornecido.
“Em fevereiro deste ano, o órgão técnico do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), aprovou, depois de uma consulta pública, uma atualização dos PCDTs, no entanto, mesmo depois disso, o acesso via SUS ainda não é uma realidade. O prazo do processo já foi ultrapassado há muito tempo e os pacientes continuam sem acesso a três novas opções de tratamento da anemia por deficiência de ferro (uma por via oral e duas por via intravenosa), alerta Rodolfo Delfini Cançado, médico hematologista do Hospital Samaritano e membro do Comitê de Glóbulos Vermelhos e do Ferro da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
O
hematologista e hemoterapeuta, Cesar de Almeida Neto, explica que existem
diversos tipos de anemia, mas pontua que a anemia ferropriva, causada pela
deficiência de ferro no organismo é a mais comum. “Trata-se de uma doença
bastante prevalente, que acomete mais de 3 bilhões de pessoas no mundo. As
mulheres em idade fértil (a partir da primeira menstruação até 45/50 anos) são
uma população de risco. Outros grupos que precisam de um olhar atento, por
exemplo, são os idosos e crianças”, ressalta o especialista.
Impacto da falta de cuidado adequado
De acordo com Neto, a falta de tratamento (reposição de ferro intravenoso) pode impactar, de maneira significativa, a vida do paciente. “O indivíduo, quando não é tratado adequadamente, pode ter a sua qualidade de vida bastante afetada. No caso de uma gestante, o bebê pode ter comprometimento na formação e nascer com deficiência de ferro. Já em um paciente cirúrgico, a falta de cuidado adequado pode levar para um maior tempo de internação, gerar mais infecções, maior chance de transfusão de sangue e problema renal. Sem contar o impacto social e na qualidade de vida dos pacientes crônicos - uma vez que a pessoa com a doença (e sem o tratamento) é menos produtiva e pode ter déficit cognitivo”, explica o médico que reforça “por isso, o acesso às novas tecnologias é essencial no enfretamento da anemia por deficiência de ferro”, complementa.
Devido
à falta de acesso ao cuidado adequado, não é incomum médicos recorrerem à
transfusão de sangue para o tratamento da anemia por deficiência de ferro. No
entanto, o especialista reforça que a transfusão de sangue nestes casos é o
último recurso - tendo em vista as diretrizes do programa de gerenciamento
do sangue do paciente do Ministério da Saúde[2],
da sigla, em inglês, Patient Blood Management (PBM) - que preconiza que
a decisão de transfusão seja individualizada, considerando o equilíbrio entre
riscos e benefícios, o curso clínico do paciente e a viabilidade de
alternativas terapêuticas. “No caso da anemia por deficiência de ferro,
precisamos evitar as transfusões porque além do sangue ser um recurso finito,
já existe tecnologia eficaz para o tratamento da doença”, finaliza o
hemoterapeuta.
Sobre a anemia: é um quadro
clínico caracterizado pela redução da quantidade de hemoglobina (proteína
responsável por transportar o oxigênio dos pulmões para o restante do corpo) no
sangue ou pela diminuição do número de glóbulos vermelhos (hemácias). De acordo
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a condição clínica é diagnosticada
quando os níveis de hemoglobina estão abaixo de 13 g/dL em homens, 12 g/dL em
mulheres e 11 g/dL em gestantes. As principais causas da anemia por deficiência
de ferro i) são alimentação pobre em ferro – comum em dietas
restritivas ou desequilibradas, ii) perdas sanguíneas, como
menstruação intensa, sangramentos digestivos (úlcera, gastrite, verminoses), iii)
gravidez e lactação – aumentam a necessidade de ferro, iv)
crescimento na infância e adolescência – fases de alta demanda nutricional,v)
má absorção intestinal – por enfermidades como doença celíaca ou uso crônico de
certos medicamentos e vi) bloqueio no metabolismo do
ferro, causado pela anemia da inflamação, em pacientes com neoplasias e/ou
doenças inflamatórias crônicas. Os principais sintomas da doença são fadiga,
fraqueza, falta de ar, tontura, mal-estar, unhas fracas, cabelos quebradiços,
palidez (na pele e nas mucosas), fissuras na boca, pernas inquietas, picacismo
(transtorno alimentar que leva pessoas a comerem objetos sem qualquer valor
nutricional, como giz, sabonete, parede – comum em mulheres grávidas),
disfunção cognitiva e taquicardia. O diagnóstico baseia-se em avaliação clínica
e exames laboratoriais.
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