O recente surto de
botulismo alimentar na região da Calábria, sul da Itália, que matou duas
pessoas e hospitalizou outras 14, reacendeu o debate sobre a segurança dos
alimentos em escala global.
O caso, associado
ao consumo de sanduíches de brócolis vendidos em food trucks, levou as
autoridades italianas a recolher insumos, interditar o ponto de venda e iniciar
uma investigação para rastrear a origem da contaminação.
Embora pareça um
episódio isolado, eventos semelhantes têm se repetido em diferentes países. Em
setembro de 2023, durante a Copa do Mundo de Rúgbi, um surto em Bordeaux, na
França, afetou 15 pessoas de nacionalidades distintas após o consumo de
sardinhas enlatadas artesanalmente.
Oito pacientes
precisaram ser internados em unidades de terapia intensiva e seis foram submetidos
à ventilação mecânica invasiva. O caso mostrou que, em um mundo cada vez mais
interligado, um alimento contaminado pode provocar emergências sanitárias
internacionais em poucas horas, especialmente durante eventos que atraem
grandes fluxos de turistas.
O Brasil também
registrou casos graves em 2024. Na Bahia, seis ocorrências confirmadas
resultaram em duas mortes. Em Belo Horizonte, a suspeita de contaminação em uma
torta de frango levou à interdição de uma padaria pela Vigilância
Sanitária.
Dados do
Ministério da Saúde indicam que mais de 90% das ocorrências registradas no país
são de origem alimentar, com maior concentração na região Sudeste. Apesar
disso, as mortes são mais comuns em regiões com menor acesso a tratamento
especializado. Especialistas alertam ainda para a subnotificação e a demora no
diagnóstico laboratorial, fatores que dificultam a resposta rápida e aumentam o
risco de novos casos.
A médica
veterinária e especialista em segurança dos alimentos, Paula
Eloize, atua há mais de dez anos no Brasil alertando sobre os
riscos e reforçando a importância da prevenção. Atualmente, está em Portugal
ampliando a atuação do seu grupo, Food Smart, para a Europa. O
objetivo é levar o debate sobre segurança dos alimentos a um nível
internacional e trazer subsídios para aprimorar práticas e políticas no Brasil.
“O botulismo é
raro, mas extremamente grave. Ele é silencioso até ser tarde demais. Não causa
febre e não apresenta sinais clássicos de infecção, por isso engana até profissionais
experientes. Quando os sintomas surgem, como visão dupla, fraqueza muscular e
dificuldade para engolir, a toxina já está em ação”, explica Paula Eloize.
Para ela, a
segurança dos alimentos precisa ser tratada como um compromisso inegociável que
abrange todas as etapas da cadeia, desde a produção primária até o prato do
consumidor. “Não existe produto seguro sem processo seguro. Um alimento pode
ter um excelente ingrediente, mas se for manipulado ou armazenado de forma
inadequada, perde a segurança e pode se tornar fatal”, acrescenta.
Paula Eloize
ressalta que prevenir o botulismo exige mais do que seguir normas de forma
mecânica. É necessário que empresas e manipuladores compreendam a lógica por
trás de cada medida.
“Não basta dizer
que uma conserva precisa ser fervida por tantos minutos ou armazenada a
determinada temperatura. É preciso entender que a Clostridium botulinum
sobrevive em ambientes sem oxigênio e que a toxina que ela produz é uma das
substâncias mais potentes conhecidas. Quando o profissional entende isso, ele
respeita o processo não por obrigação, mas por consciência”, diz.
Essa mentalidade
deve se refletir em inspeções frequentes, análise rigorosa de fornecedores,
rastreabilidade completa dos insumos e treinamento contínuo das equipes. Para o
consumidor, significa estar atento a qualquer sinal de alteração nos alimentos,
como embalagens estufadas, odor ou textura anormais, e compreender que
descartar um produto suspeito é sempre mais seguro do que arriscar o consumo.
Ela reforça que a
prevenção é uma responsabilidade compartilhada. “O poder público fiscaliza, mas
não está dentro de cada cozinha ou indústria todos os dias. A responsabilidade
pela segurança do alimento é de quem o produz, processa, transporta, vende e também
de quem consome. Cada elo tem que fazer a sua parte”, alerta.
Ainda para Paula
Eloize, os casos recentes demonstram que a segurança dos alimentos precisa ser
tratada como prioridade estratégica de saúde pública. “A prevenção não é
opcional. Ampliar a fiscalização, descentralizar o atendimento especializado e
investir em educação sanitária são medidas tão importantes quanto o próprio
tratamento médico. E elas custam muito menos do que o impacto de um surto”,
completa.
Ela finaliza com
um alerta claro. “Cada caso de botulismo que chega às manchetes carrega uma
história de falhas que poderiam ter sido evitadas. Se a cultura de segurança
estivesse presente do campo ao prato, estaríamos falando de prevenção e não de
mortes”, conclui a especialista.

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