A fumaça do tabaco libera milhares de
substâncias, das quais 250 são prejudiciais à saúde e pelo menos 70 são
cancerígenas. Fumar causa, agrava ou reduz a resposta do tratamento de dezenas
de doenças, notadamente as cardiovasculares, respiratórias e diversos tipos de
câncer.
O tabagismo é maior causa de mortes evitáveis e pode reduzir a expectativa de
vida em mais de dez anos. A chance de um fumante desde a adolescência viver até
os 80 anos de idade é 50% menor do que a de um não fumante. O fumo passivo
também causa doenças, especialmente nos extremos de vida e prejudica o feto de
mães que continuam fumando na gravidez.
As políticas públicas de controle do tabagismo, incluindo o programa de
tratamento gratuito, coordenadas pelo Ministério da Saúde e o Instituto
Nacional do Câncer (INCA), fizeram do Brasil um exemplo mundial de redução do
consumo de cigarros, que passou de quase 35% na década de oitenta, para pouco
mais de 11% em 2024.
Nas últimas décadas a indústria do tabaco investiu em novas formas de consumo
de nicotina sem fumaça, como os saches úmidos (snus) e
principalmente os dispositivos eletrônicos para inalar nicotina, mais
conhecidos como cigarros eletrônicos ou vapes.
Os vapes consistem basicamente de um reservatório para o líquido com
nicotina e outras substâncias, uma bateria de lítio e um atomizador (bonina)
para aquecer o liquido e gerar aerossóis. Os cigarros eletrônicos não liberam
fumaça, porque não há combustão de tabaco como no cigarro comum. Eles não
liberam apenas um vapor branco e inofensivo, mas uma nuvem de aerossóis
contendo substâncias com riscos para saúde como: propilenoglicol, glicerol,
material particulado, metais pesados e cancerígenos.
Os vapes atuais são bonitinhos (centenas de tipos e marcas), discretos
(pequenos e sem odor), tecnológicos (recarregáveis ou descartáveis), podem ser
usados com flavorantes com gosto agradável e são muito fáceis de adquirir,
especialmente em compras on-line, quadro 1 e 2.
Por estes motivos, em paralelo a lenta e progressiva redução do tabagismo em
diversas regiões do mundo, o uso dos vapes aumenta de forma alarmante, em parte
devido a curiosidade, a divulgação massiva nas redes sociais e por ser uma nova
forma de socialização, afirmação e pertencimento dos jovens aos seus núcleos de
relacionamentos. Em alguns países mais de 25% dos jovens fizeram uso de vapes
nos últimos 30 dias. No Brasil houve aumento de 600% no consumo de vapes,
especialmente entres jovens, e estima-se que tenhamos mais 3 milhões de
usuários. Em um estudo que avaliou brasileiros com 14 ou mais
anos de idade a taxa de usuários de vapes foi de 5,6% (3,7% consumo exclusivo).
Os estudos validados e com grande força de evidência cientifica, assim como as
recomendações nacionais e internacionais, incluindo as da Organização Mundial
de Saúde, concluem que os vapes de última geração:
- São mais fáceis
de inalar, irritam menos a garganta, liberam maior quantidade de
partículas finas, nicotina e metais pesados do que os cigarros comuns.
- Podem ser
acrescidos com mais de 16.000 tipos de flavorantes com riscos potenciais
para a saúde.
- Causam
dependência, facilitada pela alta quantidade de nicotina liberada nos
diversos tipos de dispositivos, muitas vezes maior do que a de um maço de
20 cigarros comuns.
- Podem aumentar
os riscos, causar e/ou agravar tosse, chiado e falta de ar, lesões orais e
dentais, doenças cardiovasculares, neurovasculares, respiratórias (asma e
bronquite+enfisema) e câncer.
- Podem causar
ferimentos e queimaduras graves devido à explosão das baterias.
- Podem causar
intoxicações acidentais em crianças por ingestão acidental do liquido com
alta concentração de nicotina.
- Causam sintomas
de abstinência, como fissura, irritação, ansiedade, insônia, tontura e
dificuldade de concentração, após redução do consumo e principalmente a
falta de uso por muitas horas.
- Podem causar, em
geral quando acrescidos de derivados de maconha e/ou de vitamina-E, uma
doença pulmonar difusa, febril, associada com manifestações
gastrointestinais, com alto risco de gravidade denominada Desde 2019
a EVALI já
causou milhares de internações e mais de uma centena de mortes nos Estados
Unidos da América, e muitos casos já foram descritos no Brasil.
- Podem causar
poluição ambiental e especialmente de locais fechados, e podem contaminar
o solo e a água com os milhões de vapes que são descartados
inadequadamente. Além disso, podem causar incêndios após explosão de
baterias.
Em 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em sua Resolução
de Diretoria Colegiada (RDC 855- 23/4/24), e após ampla revisão e discussão,
ratificou a proibição da fabricação, importação, armazenamento, distribuição,
comercialização, propaganda e uso dos vapes em locais coletivos fechados no
Brasil.
A indústria do tabaco defende a padronização e a regularização dos vapes
no Brasil, baseado nas premissas que isso traria ganhos com a arrecadação de
impostos e reduziria o consumo de vapes com altas concentrações de nicotina.
São apenas falácias, pois mesmo nos países onde a comercialização é regularizada
a venda de vapes ilegais persiste alta, devido ao menor custo e a opção dos
usuários por dispositivos com muita nicotina.
No Brasil, um terço dos cigarros consumidos são provenientes do contrabando e a
soma de impostos arrecadados com a fabricação e comercialização do tabaco gera
menos de um décimo do valor que o país gasta para tratar as doenças, pagar
aposentadorias precoces e as perdas com as mortes devido ao tabagismo.
Apesar da venda ilegal de cigarros comuns e de vapes ser muito grande, o
trabalho da vigilância sanitária, PROCON e da Receita Federal, com
fiscalizações, ações educativas, multas e apreensões é crescente e intenso.
Um jovem que inicia o uso dos vapes triplica o risco de iniciar o consumo de
cigarros comuns e aumenta o risco de iniciar outras drogas, inclusive ilícitas.
O tratamento dos fumantes de cigarros comuns é eficaz e baseado no apoio
comportamental combinado com a reposição de nicotina (adesivos e/ou gomas e
pastilhas), vareniclina (temporariamente indisponível no Brasil) e/ou
bupropiona. O tratamento é gratuito no Sistema Único de Saúde.
Embora
os vapes possam ter pequeno benefício na cessação do consumo de cigarros, esse
pequeno ganho se perde diante do fato que mais da metade dos indivíduos que
cessam o tabagismo não cessam o uso dos vapes, devido a manutenção da sua
alta dependência da nicotina, e muitos retornam para o uso isolado de
cigarros comuns. E para piorar, muitos pacientes que não cessam
o uso dos cigarros continuam usando os vapes, uso dual, com aumento dos riscos
para a sua saúde.
A maior preocupação histórica da indústria do tabaco nunca foi a saúde
dos seus usuários, muito pelo contrário, o seu principal objetivo sempre foi
ganhar cada dia mais novos dependentes da nicotina, que sabidamente usarão seus
produtos por décadas.
Por estes motivos
tanto a ANVISA, quanto as associações e sociedades médicas, tanto as nacionais,
quanto as internacionais, mantém sua posição contra a liberação da fabricação,
comercialização, divulgação e uso dos vapes em ambientes fechados.
É urgente a necessidade de campanhas educacionais massivas, voltadas
principalmente para os jovens, visando reverter o consumo crescente dos vapes
no Brasil.
Vapes não são
avanço, são um retrocesso na busca contínua por mundo livre de tabaco e de
nicotina. Nós não podemos deixar nossos jovens se tornarem dependentes de
nicotina e adoecerem devido ao uso dos vapes.
Luiz Fernando Ferreira Pereira
- Pneumologista do Hospital Biocor Rede D’Or e do H. das Clínicas da UFMG
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Acesso em 5/3/25
- Ministério da Saúde.
Instituto Nacional do Câncer (INCA)- 2024. Dispositivos eletrônicos para
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