Em artigo, Dra. Gisele Basso Esteves Pires, dermatologista da Unimed Araxá, explica essa relação complexa e bidirecional
Nossa pele não é
apenas um revestimento; é o maior órgão do corpo humano e reflete o que
acontece internamente, comunicando-se ativamente com o organismo. Ela envia e
recebe informações importantes, demonstrando externamente os processos
internos.
“O mais profundo
no homem é a pele”, afirma o poeta e escritor francês Paul Valéry. É um órgão
que pode refletir sensações negativas, mas também reage fisicamente a estímulos
emocionais, como uma música ou um carinho.
As estimativas
indicam que cerca de 30% a 60% dos atendimentos dermatológicos ocorrem devido a
doenças de pele ligadas direta ou indiretamente a fatores emocionais.
Para entender
essa conexão, é preciso lembrar da relação entre a pele e o sistema nervoso,
cujo órgão central é o cérebro. Essa relação se forma ainda na fase
embrionária. Esses dois sistemas, o cutâneo e o nervoso, derivam do ectoderma,
o folheto externo do embrião, que, na sua evolução dobra-se sobre si mesmo,
formando um tubo chamado tubo neural. A parte que fica por fora vai formar a pele
e a parte interna vai desenvolver o sistema nervoso.
Quando toda a
estrutura já está pronta, do cérebro e da medula espinhal partem nervos, que se
ramificam como os galhos de uma árvore e se dirigem a todos os pontos do
organismo, incluindo a pele. Na pele, filetes nervosos chegam à derme (segunda
camada da pele), aos vasos e à camada mais superficial, a epiderme.
As mensagens
entre o sistema nervoso e a pele se dão por meio de substâncias químicas,
chamadas neuropeptídeos, que levam o código dos pensamentos ocorridos na mente
para a pele.
Em sentido
inverso, a pele envia ao cérebro suas mensagens por meio de mediadores químicos
produzidos por suas células, que viajam até o sistema nervoso central pelo
sangue ou pelos nervos, lá gerando pensamentos.
A comunicação
entre mente, sistema nervoso e pele é constante e imediata, provocando
alterações sutis, muitas vezes invisíveis e imperceptíveis. Não é raro ouvir
expressões como ‘estou com os nervos à flor da pele’, ‘fiquei vermelho de
vergonha’, ‘roxo de raiva’, ou suar mais que o normal na hora de uma reunião
importante, ficar cheio de espinhas um dia antes de um encontro especial.
Há ainda a
possibilidade de apresentar sintomas mais sérios de doenças como psoríase,
vitiligo, alergias, infecções, como o herpes, e queda de cabelos em períodos de
estresse. Esses problemas podem ocorrer num período de desafios ou dificuldades
de relacionamento interpessoal, tais como nos relacionamentos profissionais,
sociais, na perda de alguém que se ama ou na relação amorosa.
Com o avanço da
ciência no campo da psiconeuroimunologia, sabemos que ansiedade, euforia,
tristeza, angústia, estresse e depressão podem causar reações no organismo,
incluindo na pele, nos cabelos e nas unhas.
Diversas
pesquisas têm mostrado que os sistemas endócrino, nervoso e imunitário formam
um único sistema que recebe a influência direta da mente. Estima-se que mais de
40% das manifestações cutâneas estejam associadas a influências psíquicas.
Saúde mental e
doenças de pele estão intimamente ligadas e podem se influenciar mutuamente.
Problemas emocionais podem causar ou agravar condições dermatológicas e
vice-versa, em uma relação complexa e bidirecional que envolve mecanismos
imunológicos e neuroendócrinos. Não há uma sequência fixa de qual condição
surge primeiro.
Transtornos
mentais podem se manifestar por sintomas cutâneos. A pele pode refletir
problemas emocionais, com fatores psicológicos atuando como causas ou
consequências de condições dermatológicas. Transtornos psicocutâneos podem
incluir doenças psiquiátricas com manifestações cutâneas, sendo frequentes na
dermatologia, com fatores psicológicos desempenhando um papel importante no
agravamento de dermatoses existentes.
Por outro lado,
doenças de pele como psoríase, eczema, acne e vitiligo podem ter um impacto
emocional significativo nos pacientes. A visibilidade das lesões pode levar a
sentimentos de baixa autoestima, isolamento social e até mesmo pensamentos
suicidas.
Pacientes com
doenças de pele inflamatórias, como psoríase e eczema, frequentemente
apresentam depressão e ansiedade. Em especial, a psoríase e o vitiligo, por
serem doenças autoimunes, possuem altas taxas de associação com esses
transtornos, atingindo até 33% dos casos. Por outro lado, essas condições podem
piorar a qualidade do sono, o que, por sua vez, agrava os sintomas de ansiedade
e depressão. A presença de lesões visíveis pode intensificar o sofrimento
emocional, criando um ciclo vicioso onde o estresse psicológico piora a
condição da pele, o que, por sua vez, aumenta o estresse. Este ciclo pode ser
particularmente prejudicial em condições como a psoríase, onde a comorbidade
com transtornos psiquiátricos é comum, e a interação entre o sistema
imunológico e o sistema nervoso central é mediada por células T e citocinas.
O mecanismo pelo
qual o estresse psicológico e os transtornos mentais, como depressão e
ansiedade, podem exacerbar essas condições dermatológicas, é explicado pela
desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), que, por sua vez,
influencia a resposta imune e a inflamação cutânea. A ativação desse eixo e do
sistema nervoso simpático pode aumentar a produção de mediadores inflamatórios,
como citocinas, que agravam as lesões cutâneas. Além disso, a pele possui seu
próprio sistema neuroendócrino, que responde ao estresse através da secreção de
hormônios e neuropeptídeos, contribuindo para a inflamação e a disfunção da
barreira cutânea.
E o quanto isso
pode ser importante para a vida das pessoas que têm essas doenças?
Um estudo
realizado pela Universidade da Califórnia, em 2016, analisou o impacto da
psoríase em diversas áreas da vida, incluindo trabalho, relacionamentos e
atividades sociais. Os pacientes apresentaram ansiedade e depressão que não
afetaram apenas a eles, mas também as pessoas que moravam com eles, com até 88%
desses familiares apresentando qualidade de vida prejudicada.
O vitiligo afeta
emocionalmente tanto crianças quanto adultos jovens. Crianças com lesões
visíveis e pele mais escura sofrem mais emocionalmente e têm uma qualidade de
vida reduzida. Em adultos, o impacto é maior em jovens, especialmente mulheres
e jovens com menos de 30 anos. A mesma revisão da Universidade da Califórnia
mostrou que o vitiligo impacta negativamente o potencial de casamento e causa
problemas relacionais em mais de 50% dos casos. Depressão e ansiedade podem
acelerar a progressão do vitiligo e diminuir a eficácia do tratamento.
A acne é
altamente prevalente entre adolescentes e jovens adultos, afetando cerca de 85%
dos adolescentes e está associada a um risco aumentado de estigmatização,
bullying, depressão, ansiedade, baixa autoestima e ideação suicida. Uma
revisão de estudos indicou que 19,2% dos adolescentes com acne sofreram
alterações em suas vidas pessoais e sociais. Além disso, 45% desses pacientes
apresentaram fobia social, em comparação com 18% do grupo controle.
A dermatite
atópica também tem um mecanismo emocional que atua frequentemente como
desencadeante ou é exacerbado por ela: a distorção cognitiva relacionada ao
prurido. Isso cria um ciclo vicioso de coceira habitual e lesões cutâneas. Essa
doença também está associada a ansiedade e depressão, que são exacerbados por
alterações nos circuitos de recompensa do cérebro. Além disso, o estresse
psicológico e a disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal podem agravar a
resposta imune tipo 2 na pele, contribuindo para a progressão das lesões
cutâneas. A dermatite atópica também impacta negativamente a qualidade de vida,
levando a distúrbios do sono, baixa autoestima e isolamento social, o que pode
intensificar o fardo psicológico.
Uma forma de
queda de cabelos, chamada alopecia areata, tem essa correlação muito bem
estudada. Uma pesquisa publicada no British Journal of Dermatology revelou que
adultos recém-diagnosticados com esse problema, apresentaram taxas mais
elevadas de depressão e ansiedade em comparação com a população geral. Além
disso, esses indivíduos mostraram um risco 30% a 38% maior de desenvolver novos
episódios de depressão e ansiedade após o diagnóstico, e uma probabilidade 56%
maior de necessitar de licenças médicas do trabalho. Outro estudo
observacional indicou que 38% dos pacientes apresentaram sintomas de depressão,
enquanto 62% exibiram sintomas de ansiedade, com diferenças estatisticamente
significativas em relação ao grupo controle. Um artigo publicado pela
Universidade de São Paulo sugere que traumas emocionais podem preceder essa
condição, indicando uma possível influência do estresse no desenvolvimento da
doença.
Em termos de
tratamentos dermatológicos, temos avançado significativamente nos últimos anos,
oferecendo opções mais eficazes e personalizadas para os pacientes.
Com todo
conhecimento atual sobre o eixo pele, sistema nervoso e sistema imunológico,
sabemos que é crucial que o manejo de todas essas condições inclua uma
abordagem integrada, tanto dos aspectos dermatológicos quanto os psicológicos,
para melhorar os resultados clínicos e a qualidade de vida.
Aos pacientes,
fica minha dica. Tenha um dermatologista em que você confie. Tenha tempo para
observar seus sentimentos e discuti-los com seu médico. Acredite nos sinais que
sua pele lhe dá. Ela é o maior meio de comunicação que seu corpo tem com você.
Os novos e melhores tratamentos farmacológicos não são suficientes se os
fatores que causam e pioram sua doença, não forem também tratados. Por fim,
lembre-se de que a melhora da sua condição também depende da mudança no estilo
de vida e da saúde mental.
Dra. Gisele Basso Esteves Pires - dermatologista
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