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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Os perigos da banalização do uso medicinal das drogas e o debate sobre a descriminalização da maconha

 A legalização da cannabis tem sido alvo de intensos debates em diversos países que liberaram o uso e daqueles que estão pensando em liberar, inclusive para os chamados "fins medicinais". Recentemente, o Senado Federal brasileiro deu um passo significativo nesse sentido ao aprovar, na última terça-feira, a PEC 45/2023 - PEC DAS DROGAS, proposta pelo senador Rodrigo Pacheco, que prevê criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente.

A votação no primeiro turno teve 53 votos a favor e 9 votos contra. No segundo turno, foram 52 votos favoráveis e 9 contrários. A PEC agora seguirá para a Câmara dos Deputados.

O termo “medicinal” é usado para diminuir o entendimento do risco e gravidade do uso dessas substâncias. Não existe cannabis medicinal. Existe canabidiol, que é útil para pouquíssimas doenças neurológicas. A indústria da cannabis utiliza o termo medicinal para abaixar a percepção de risco desta substância. Quanto maior for a percepção de risco, menor será o uso. Quanto menor a percepção
de risco, maior será o consumo. A indústria das drogas quer que as pessoas acreditem que o "uso medicinal" da cannabis não traz riscos à saúde pois é um produto "medicinal" porém, não existe quantidade segura para o uso de cannabis. A segurança é zero. O tratamento médico, como já enfatizado, segue padrões de diretrizes internacionais e deve ser fundamentado em evidências científicas sólidas. Qualquer mínima quantidade dessa droga terá alguma consequência para a saúde. A maconha é a porta de entrada para outras drogas mais pesadas e um caminho preocupante para o vício e a dependência química.

Nos Estados Unidos há uma crescente variabilidade na forma, dose e potência da cannabis. Em alguns lugares como no Colorado, a potência do THC chega a 70%. Além disso, existem numerosos outros compostos em produtos comercializados como canabidiol ou cannabis com efeitos desconhecidos para a saúde. Como resultado do amplo acesso a essas substâncias, houve um aumento de 9% para 30% do consumo da droga entre os jovens.

Diversas instituições e profissionais especialistas no tema da dependência de drogas já mostraram com embasamento científico que o consumo de drogas como a cannabis e seus derivados é prejudicial à saúde. A Associação Americana de Psiquiatria (APA) se posicionou contrária ao uso de cannabis como medicamento, destacando a ausência de evidências científicas que comprovem sua eficácia
no tratamento médico. Pelo contrário, estudos atuais apontam uma forte associação entre o consumo de cannabis e o surgimento ou agravamento de doenças mentais, com os adolescentes sendo particularmente vulneráveis devido aos efeitos da substância no neurodesenvolvimento.

É importante que se faça uma reflexão sobre os potenciais impactos negativos e irreversíveis que a descriminalização das drogas pode gerar. Quais serão as consequências para o sistema público de saúde que já funciona de forma precária para tratar pessoas com transtornos mentais e outras doenças? Quais serão os impactos para a segurança pública?

No mês passado, a conceituada revista The Lancet, referência em divulgar produções científicas mundiais, publicou um artigo que analisou uma série de estudos sobre os efeitos e riscos que a disponibilidade de pontos de venda física de cannabis em quatro países onde a substância é legalizada para o consumo: Estados Unidos, Canadá, Holanda e Uruguai. O resultado revelou um aumento do uso de serviços de saúde, hospitalizações relacionadas à cannabis e uso frequente
da substância em adultos e jovens adultos. Dados também apontaram aumento do uso dessas substâncias em mulheres grávidas. Os riscos para o desenvolvimento do feto são irreparáveis.

Esses dados evidenciam que quanto maior a oferta de pontos de vendas de drogas, maior é o número de usuários e mais prejuízos são causados aos sistemas de saúde que não conseguem atender tamanha demanda.

Alguns estados nos EUA onde foi legalizado o uso das drogas no passado, estão revendo esta medida. O exemplo mais recente é do Estado de Oregon, que em 2020 descriminalizou o porte de pequenas quantidades de substâncias ilícitas ainda mais pesadas e hoje enfrenta as consequências. O estado americano viu após a aprovação da Medida 110, as overdoses de opioides dispararem. Em 2019,
280 pessoas morreram de overdose no Oregon. Em 2022, esse número subiu para 956 mortes, um aumento de 241%. Para especialistas em saúde, policiais e membros da sociedade civil ficou evidente que a eliminação das penas criminais para o consumo de drogas não foi eficaz e até mesmo aumentou os riscos à saúde e à segurança.

Diante dessas evidências e experiências, é fundamental um debate amplo e embasado sobre os caminhos a serem seguidos em relação à cannabis e a outras drogas. A saúde e o bem-estar de todos os indivíduos devem ser priorizados, buscando abordagens que considerem os riscos associados ao consumo dessas substâncias.

Por muito anos no Brasil, travamos uma luta contra o uso de cigarros e fomos bem-sucedidos nessa questão. Baixamos de 48,5% da população fumante para 10%, dificultando o acesso e lugares onde usar o cigarro. É um dos maiores cases de sucesso no mundo em relação a diminuição do uso de cigarro. Não podemos facilitar o acesso às drogas. Quanto maior a disponibilidade, maior o número de usuários. Se prezamos pela saúde da nossa população, não podemos disponibilizar mais pontos de vendas de drogas. É preciso dificultar que as pessoas consigam comprar drogas.

Deixamos claro que somos favoráveis a políticas públicas para o tratamento das doenças ligadas ao uso de álcool e outras drogas. Sabemos que a dependência só existe porque o acesso a essas drogas é permitido. Uma vez permitido o acesso, as pessoas se tornaram dependentes e precisam de políticas públicas. O tratamento adequado para essas pessoas é que deveria estar sendo discutido pelo Estado. Há uma sobrecarga cada vez maior no SUS quando se glamouriza o uso de drogas.


Ao mesmo tempo em que não há nenhuma medida para melhorar a assistência psiquiátrica no sistema público do país.

Neste momento, devemos aproveitar para cobrar políticas públicas de cuidado com usuários de drogas, sobretudo em situação de vulnerabilidade social que estão desprovidos de cuidados dignos de saúde pelo SUS. Precisamos separar os nossos doentes, aqueles que adoeceram pelo uso de drogas, aqueles que estão dependentes das drogas, pois somos psiquiatras, nosso dever é cuidar. 

 

Antônio Geraldo da Silva - Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP - CRM 5875-DF - Psiquiatra com RQE no: 2275. Psiquiatra Forense com RQE no: 13979

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