A legalização da cannabis tem sido alvo de intensos debates em diversos países que liberaram o uso e daqueles que estão pensando em liberar, inclusive para os chamados "fins medicinais". Recentemente, o Senado Federal brasileiro deu um passo significativo nesse sentido ao aprovar, na última terça-feira, a PEC 45/2023 - PEC DAS DROGAS, proposta pelo senador Rodrigo Pacheco, que prevê criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente.
A votação no primeiro turno teve 53 votos a favor e 9 votos contra. No segundo
turno, foram 52 votos favoráveis e 9 contrários. A PEC agora seguirá para a
Câmara dos Deputados.
O termo “medicinal” é usado para diminuir o entendimento
do risco e gravidade do uso dessas substâncias. Não existe cannabis medicinal.
Existe canabidiol, que é útil para pouquíssimas doenças neurológicas. A
indústria da cannabis utiliza o termo medicinal para abaixar a percepção de
risco desta substância. Quanto maior for a percepção de risco, menor será o
uso. Quanto menor a percepção
de risco, maior será o consumo. A indústria das drogas quer que as pessoas
acreditem que o "uso medicinal" da cannabis não traz riscos à saúde
pois é um produto "medicinal" porém, não existe quantidade segura
para o uso de cannabis. A segurança é zero. O tratamento médico, como já enfatizado, segue padrões de diretrizes internacionais e deve ser
fundamentado em evidências científicas sólidas. Qualquer mínima quantidade
dessa droga terá alguma consequência para a saúde. A maconha é a porta de
entrada para outras drogas mais pesadas e um caminho preocupante para o vício e a dependência química.
Nos Estados Unidos há uma crescente variabilidade na
forma, dose e potência da cannabis. Em alguns lugares como no Colorado, a
potência do THC chega a 70%. Além disso, existem numerosos outros compostos em
produtos comercializados como canabidiol ou cannabis com efeitos desconhecidos
para a saúde. Como resultado do amplo acesso a essas substâncias, houve um
aumento de 9% para 30% do consumo da droga entre os jovens.
Diversas instituições e profissionais especialistas no
tema da dependência de drogas já mostraram com embasamento científico que o consumo de drogas como a cannabis e seus
derivados é prejudicial à saúde. A Associação Americana de Psiquiatria (APA) se
posicionou contrária ao uso de cannabis como medicamento, destacando a ausência
de evidências científicas que comprovem sua eficácia
no tratamento médico. Pelo contrário, estudos atuais apontam uma forte
associação entre o consumo de cannabis e o surgimento ou agravamento de doenças
mentais, com os adolescentes sendo particularmente vulneráveis devido aos
efeitos da substância no neurodesenvolvimento.
É importante que se faça uma reflexão sobre os potenciais
impactos negativos e irreversíveis que a descriminalização das drogas pode gerar. Quais serão as consequências para o
sistema público de saúde que já funciona de forma precária para tratar pessoas com transtornos
mentais e outras doenças? Quais serão os impactos para a segurança pública?
No mês passado, a conceituada revista The Lancet,
referência em divulgar produções científicas mundiais, publicou um artigo que
analisou uma série de estudos sobre os efeitos e riscos que a disponibilidade de pontos de venda física de cannabis em quatro países onde a
substância é legalizada para o consumo: Estados Unidos, Canadá, Holanda e Uruguai. O
resultado revelou um aumento do uso de serviços de saúde, hospitalizações relacionadas à cannabis
e uso frequente
da substância em adultos e jovens adultos. Dados também apontaram aumento do
uso dessas substâncias em mulheres grávidas. Os riscos para o desenvolvimento
do feto são irreparáveis.
Esses dados evidenciam que quanto maior a oferta de pontos de vendas de drogas,
maior é o número de usuários e mais prejuízos são causados aos sistemas de saúde que não
conseguem atender tamanha demanda.
Alguns estados nos EUA onde foi legalizado o uso das
drogas no passado, estão revendo esta medida. O exemplo mais recente é do
Estado de Oregon, que em 2020 descriminalizou o porte de pequenas quantidades
de substâncias ilícitas ainda mais pesadas e hoje enfrenta as consequências. O
estado americano viu após a aprovação da Medida 110, as overdoses de opioides
dispararem. Em 2019,
280 pessoas morreram de overdose no Oregon. Em 2022, esse número subiu para 956
mortes, um aumento de 241%. Para especialistas em saúde, policiais e membros da
sociedade civil ficou evidente que a eliminação das penas criminais para o
consumo de drogas não foi eficaz e até mesmo aumentou os riscos à saúde e à
segurança.
Diante dessas evidências e experiências, é fundamental um
debate amplo e embasado sobre os caminhos a serem seguidos em relação à cannabis e a outras drogas. A saúde e
o bem-estar de todos os indivíduos devem ser priorizados, buscando abordagens que considerem
os riscos associados ao consumo dessas substâncias.
Por muito anos no Brasil, travamos uma luta contra o uso
de cigarros e fomos bem-sucedidos nessa questão. Baixamos de 48,5% da população
fumante para 10%, dificultando o acesso e lugares onde usar o cigarro. É um dos
maiores cases de sucesso no mundo em relação a diminuição do uso de cigarro. Não podemos facilitar o acesso às drogas. Quanto maior a
disponibilidade, maior o número de usuários. Se prezamos pela saúde da nossa
população, não podemos disponibilizar mais pontos de vendas de drogas. É preciso dificultar que as pessoas consigam comprar
drogas.
Deixamos claro que somos favoráveis a políticas públicas para o tratamento das doenças ligadas ao uso de álcool e outras drogas. Sabemos que a dependência só existe porque o acesso a essas drogas é permitido. Uma vez permitido o acesso, as pessoas se tornaram dependentes e precisam de políticas públicas. O tratamento adequado para essas pessoas é que deveria estar sendo discutido pelo Estado. Há uma sobrecarga cada vez maior no SUS quando se glamouriza o uso de drogas.
Ao mesmo tempo em que não há nenhuma medida para melhorar a assistência
psiquiátrica no sistema público do país.
Neste momento, devemos aproveitar para cobrar políticas públicas de cuidado com usuários de drogas, sobretudo em situação de vulnerabilidade social que estão desprovidos de cuidados dignos de saúde pelo SUS. Precisamos separar os nossos doentes, aqueles que adoeceram pelo uso de drogas, aqueles que estão dependentes das drogas, pois somos psiquiatras, nosso dever é cuidar.
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