Pessoas com fibrodisplasia ossificante
progressiva (FOP), que não tem cura, desenvolvem um extra esqueleto afetando
sua mobilidade e qualidade de vida
Aos quatro anos, Janaína Kuhn, hoje com 40 anos,
sofreu uma queda e, tempos depois, um osso começou a se formar na sua lombar.
Somente por volta dos seus 22 anos, que ela finalmente descobriu a razão do seu
corpo desenvolver um extra esqueleto sempre que se machucava e, posteriormente,
rigidez dos seus movimentos: a fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP),
doença genética ultrarrara que afeta uma a cada um milhão de pessoas no mundo1
e tem o dia 23 de abril, como o Dia Nacional de Conscientização sobre a
FOP.
Janaína Kuhn e médica especialista em FOP, Patrícia Delai
(acervo pessoal)
Por menor que seja, qualquer trauma, como injeções, viroses, machucados, procedimentos odontológicos, cirurgias e até fisioterapia tradicional, pode desencadear a formação de estruturas ósseas entre os tecidos moles e conjuntivos, como músculos, tendões e ligamentos1,2, causando dores e limitações motoras para a pessoa com FOP. Aos 18 anos, foi submetida a uma cirurgia, o que gerou ainda mais complicações para sua qualidade de vida. “Eu era uma menina muito traquina, então, terminei o ensino médio sentada na carteira da escola, pois meu quadril já se encontrava totalmente ossificado”, conta ela. Mesmo internada, ela não perdia bom humor. “Dizia para o médico: ‘me dá uma roupa de espuma e me dá alta’”, brinca ela que, por conta de toda a experiência com a doença, se tornou presidenta da Associação Brasileira de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP Brasil) e membra do Comitê Internacional de Presidentes (IPC) do International Fibrodysplasia Ossificans Progressiva Association (IFOPA).
A médica Patrícia Delai, especialista em FOP, explica que os
traumas e processos inflamatórios sofridos pelos músculos geram a morte da
fibra e em seu lugar um osso na região. “É uma doença muito desafiadora, pois
transforma as pessoas em verdadeiras estátuas”, diz. Somente em 2006, os
pesquisadores descobriram o gene responsável pela FOP. Denominado de ALK2/ACVR1,
o gene estimula a produção de uma proteína que interage com as chamadas
proteínas morfogenéticas ósseas ou BMPs, resultando na formação das estruturas
ósseas.3,4
Por anos, o diagnóstico era clínico por meio da identificação da
malformação dos dedos grandes dos pés virados para dentro e nódulos incomuns na
cabeça, pescoço ou na parte superior das costas.5,6 “Os exames de
imagem como raio x e tomografia também ajudam a confirmar a FOP, mas hoje já
existe exame genético. O diagnóstico precoce é essencial para que seja iniciado
um manejo adequado da pessoa. Em caso de suspeita, é mandatório suspender todos
os procedimentos cirúrgicos, injeções e vacinas intramusculares, pois qualquer
trauma no músculo pode desencadear a formação de um novo osso”, explica a
médica.
São justamente os diversos traumas que definem a qualidade de vida das pessoas. “O diagnóstico não chegou a me assustar. A partir dele, comecei a investigar o que eu tinha e perceber que fazia tudo errado até os meus 22 anos, inclusive fisioterapia. Hoje me cuido. Estou dura, mas estou caminhando”, conta Janaina. Sua principal bandeira à frente da FOP Brasil é aumentar a conscientização sobre a doença, principalmente com profissionais de saúde para buscar reduzir o tempo até o diagnóstico e com isso dar o acompanhamento adequado para os pacientes. “Há um desconhecimento sobre a doença. Os médicos com quem consulto discutem comigo qual medicamento eu devo tomar, mas muitas pessoas ficam quietas diante dos médicos”, argumenta ela, que ainda tem a esperança de chegada de um tratamento específico para a doença.
Referências
1 Baujat G, Choquet R, Boueé S, et al. Prevalence of fibrodysplasia ossificans progressiva (FOP) in France: an estimate based on a record linkage of two national databases. Orphanet J Rare Dis. 2017:12(1):123.
2 Kaplan FS, Shen Q, Lounev V, et al. Skeletal metamorphosis in fibrodysplasia ossificans progressiva (FOP). J Bone Miner Metab. 2008; 26(6):521–30.
3 Shore E, Kaplan FS. A recurrent mutation in the BMP type I receptor ACVR1 causes inherited and sporadic fibrodysplasia ossificans progressiva. Nat Genet. 2006; 38:525–7.
4 Shore EM, Kaplan FS. Inherited human diseases of heterotopic bone formation. Nat Rev Rheumatol. 2010; 6(9):518–27.
5 Pignolo RJ, Shore EM, Kaplan FS. Fibrodysplasia ossificans progressiva: diagnosis, management, and therapeutic horizons. Pediatr Endocrinol Rev. 2013;10(0 2):437–48.
6 Kaplan FS, et al. In: J Bilezikian et al., editors. Primer on the Metabolic Bone Diseases and Disorders of Mineral Metabolism. 9th ed. Washington, DC: American Society for Bone and Mineral Research, 2019:865–70.
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