O “conhece-te a ti mesmo” tem acompanhado o
desenvolvimento da humanidade, desde sua inscrição no Templo de Delfos, seja
como inspiração, orientação ou alerta. Ao longo da história, diferentes
pensadores se referiram a esta máxima. No mundo do trabalho, também o
autoconhecimento ganha destaque por meio das chamadas soft skills, ou
habilidades socioemocionais e comportamentais. Pode-se ainda correlacionar o
autoconhecimento com o exercício da liderança e o desenvolvimento da carreira.
Desde tempos imemoráveis, o homem vem buscando
conhecimento de si e do seu entorno, visando sobreviver e dominar. Na Grécia
Antiga, o autoconhecimento estava registrado, sob a forma de um alerta, no
pátio do Templo de Delfos, onde aconteciam os processos de consulta ao oráculo
sob a égide do Deus Apolo.
Ao longo da história, outros pensadores se
referiram ao tema citado. Quando Aristóteles falava das virtudes, estava se
referindo às qualidades do homem necessárias para que ele desenvolvesse seu
caráter. Na Grécia antiga, o autoconhecimento era conhecer as suas paixões e as
orientações, o que ditava as suas ações.
O criador da Logoterapia, Viktor Frankl, aponta que
a busca por um sentido é a motivação primária e foi um fundamento essencial
para que os homens sobrevivessem até as crueldades dos campos de concentração.
Para conhecer o sentido da vida, podemos inferir que seria necessário
conhecer-se a si mesmo. “A minha liberdade de ser-assim eu a apreendo na
autorreflexão; a minha liberdade de tornar-me outro, eu a compreendo na
autodeterminação. A autorreflexão resulta do imperativo délfico: ‘conhece-te a
ti mesmo’; a autodeterminação se desenvolve conforme a máxima de Píndaro:
‘Torna-te o que tu és!’”
Thomas Hobbes, referenciando-se no dramaturgo grego
Plautus, introduziu a frase “o homem é o lobo do homem” no livro Leviatã.
Considerando a frase original completa “Lupus est homo homini, não homo, quom qualis sit
non novit”, cuja tradução para o português seria "Um homem
para outro é como um lobo e não um homem, quando ele não sabe de que tipo ele
é"; pode-se abstrair que o autor estava se referindo ao que pode acontecer
na falta de autoconhecimento.
Nietzsche traz a frase do poeta grego Píndaro, que
afirma “torna-te quem tu és”, em conexão com o conhece-te a ti mesmo. O autor
discute se, ao nos conhecermos, nos tornamos cada vez mais o que essencialmente
já somos.
Benjamin Franklin em sua obra “Almanaque do pobre
Richard”, o autor refere-se ao autoconhecimento, no aforismo 521, da seguinte
forma: "Há três coisas extremamente duras, o aço, o diamante e conhecer a
si mesmo".
Rudolf Steiner, pensador, ao escrever o poema
“procura em teu próprio ser, e encontrarás o Universo; procura no domínio
universal, e encontrarás a ti próprio; atenta à oscilação entre o teu ser e o
Universo, e a ti se revelarão seres humano-cósmicos, seres cósmicos-humanos”;
considera que o autoconhecimento pode ser adquirido por meio de um mergulho no
Universo (domínio universal) e por um mergulho em si mesmo.
Outros autores citaram o autoconhecimento
conectando-o à atuação no social, em uma possível contraposição à visão grega,
que poderia ser vista como a ação de cultivo de si mesmo. Com a evolução do
conceito de autoconhecimento e as razões de sua importância para desenvolvê-lo,
houve uma mudança do foco individual para o foco no indivíduo em relação a
outro indivíduo: a ação na sociedade e os impactos causados por ter ou não
autoconhecimento.
Yuval Noah Harari, historiador, nos propõe a
meditação como forma de estarmos conectados à nossa essência; para
desenvolvermos o autoconhecimento nesses tempos de hackeamento em que caminhamos
para sermos tratados como máquinas ou algoritmos de sentimentos. Segundo ele,
há uma desqualificação do impulso interior na direção de saber quem somos nós;
e a possibilidade de perder-se está em nossas mãos.
Em se tratando das chamadas soft skills, ou
habilidades socioemocionais e comportamentais, o World Economic Forum (WEF), em
seu relatório Future of Jobs 2023, identificou dez habilidades que estão
crescendo em importância, para o período de 2023-2027, a saber: pensamento
criativo; pensamento analítico, literacia digital; curiosidade e aprendizagem
ao longo da vida; resiliência, flexibilidade e agilidade; pensamento sistêmico;
inteligência artificial e big data; motivação e autoconsciência; gestão de
talentos; e orientação para servir e atendimento ao cliente.
Como o homem vem buscando autoconhecimento ao longo
dos tempos? Desde a iniciação nos templos gregos (e egípcios), as escolas de
Platão e de Pitágoras, as Sete Artes Liberais na Idade Média até hoje, por meio
dos testes psicológicos (MBTI – Myers Brigg Type Indicator, DISC e outros), nos
anos 1960 nas comunidades ditas esotéricas (Findhorn, na Escócia e Esalen, na
Califórnia, EUA); nas diferentes terapias; na psicanálise; e até no contato com
os movimentos sociais, o homem busca conhecer-se.
O tema autoconhecimento vem sendo tratado ou citado
em muitos artigos acadêmicos. Uma pesquisa no Google Acadêmico com a palavra
“autoconhecimento”, recupera 115.000 resultados sendo, somente em 2023, 10.100
referências.
É possível argumentar que, ao longo do tempo, a
máxima “conhece-te a ti mesmo” foi sendo “absorvida” pela palavra
autoconhecimento, a qual pode ser relacionada à inteligência emocional, sendo
usado o termo autoconsciência significando estar “consciente ao mesmo tempo de
nosso estado de espírito e de nossos pensamentos sobre esse estado de
espírito”. A inteligência emocional, conceito aprofundado e desenvolvido por
Daniel Goleman, com base na teoria proposta por Peter Salovey e John Mayer,
considera cinco domínios, para os quais a autoconsciência é a chave para seu
desenvolvimento, a saber:
- Conhecer
as próprias emoções – reconhecer um sentimento quando ele ocorre;
- Lidar
com emoções – lidar com os sentimentos para que sejam apropriados;
- Motivar-se
–
colocar as emoções a serviço de uma meta, com autocontrole emocional;
- Reconhecer
emoções nos outros – a empatia como “aptidão pessoal” fundamental,
base para o altruísmo;
- Lidar
com relacionamentos – aptidão de lidar com as emoções dos outros.
O autoconhecimento é citado em várias áreas
profissionais como uma “qualidade” necessária aos indivíduos, em diferentes
contextos e ambientes, bem como influenciando o comportamento ou atuação
desses. Consideramos o autoconhecimento como a consciência de si e dos outros,
reconhecendo sua biografia (história de vida), o conhecimento sobre seu modelo
mental (conjunto de lentes baseadas em crenças e valores) e a capacidade de
analisar seus pensamentos e comportamentos.
As escolas de gestão e os futuristas classificam e
expressam as mudanças pelas quais o mundo dos negócios está passando por meio
de acrônimos que as definem. A primeira e mais conhecida foi o conceito VUCA,
criado pelo Exército Americano nos anos 1980 para definir situações e condições
em cenários da Guerra Fria. VUCA é um acrônimo para Volátil (Volatile),
Incerto (Uncertain), Complexo (Complex) e Ambíguo (Ambiguous).
As mudanças são contínuas e de grandes proporções; existe uma incerteza em
relação ao futuro e ao que está acontecendo no presente; múltiplos fatores
estão envolvidos fazendo crescer a complexidade e, ao final, não é possível ter
clareza sobre o significado dos eventos. O outro conceito bastante divulgado é
o BANI - Frágil (Brittle), Ansioso (Anxious), Não linear (Nonlinear)
e Incompreensível (Incomprehensible). O mundo é frágil,
incerto e inconstante (tudo pode mudar a qualquer momento); a ansiedade está
relacionada ao foco e às reações das pessoas, podendo levar a um senso de
urgência exaltado, que precisa ser dosado pela cautela e foco nos resultados; a
não linearidade leva à necessidade de mudanças constantes no planejamento; e a
incompreensão seria causada pelo excesso de informações, alterando a compreensão
da realidade. O autoconhecimento pode contribuir para que possamos navegar
nesse ambiente de complexidade, mantendo-nos mental e fisicamente saudáveis e
produtivos.
No exercício da liderança, diversas atividades são
realizadas e uma das classificações possíveis, as subdivide em gestão de
pessoas, de processos e de negócios. Especificamente na dimensão pessoas, o
momento inicial da gestão acontece com a contratação de um membro para a
equipe. Nesse momento, a ausência de autoconhecimento do líder pode implicar na
seleção de pessoas iguais a si mesmo, colocando em risco a presença da
diversidade. Em se tratando do desenvolvimento de projetos no ambiente VUCA e
BANI, estudos apontam para a importância da presença da diversidade nas equipes
(de pensamentos, sexo, raça, gênero, credo, entre outras) contribuindo para a
identificação de soluções para questões complexas, sendo determinante para a
produtividade e alcance dos resultados esperados.
Outra dimensão da gestão das pessoas compreende o
acompanhamento do desempenho individual dos funcionários e das equipes, com a
definição das metas e o respectivo acompanhamento, incluindo feedbacks (conversas)
sobre o desempenho. A presença do autoconhecimento faz com que o líder perceba
com qual régua está avaliando sua equipe. Segundo a Profa. Sylvia Vergara, nós
somos a régua com a qual avaliamos tudo e todos, e o desconhecimento dessa
medida (da régua) pode levar a equívocos durante a avaliação dos funcionários.
O líder também possui o papel de construtor de sentido
e significado para sua equipe, fazendo os laços entre a empresa e os
empregados, de modo a promover o engajamento e a motivação. Nesse papel, a ação
de comunicar é fundamental e nela interfere o conhecimento de si, desenvolvendo
atenção à sua linguagem e à forma de falar para atingir a totalidade da sua
equipe. Nesse caso, o autoconhecimento e o conhecimento do outro faz com que o
líder possa usar diferentes abordagens para que a mensagem chegue a todas as
pessoas da equipe. O mundo dos negócios contemporâneo pede outras abordagens.
Mesmo frente à automatização e robotização, Gerd Leonhardt (2017), conhecido
futurista, afirma que o futuro ainda estará nas mãos do ser humano porque
determinadas características como a criatividade, a imaginação, a intuição, a
emoção e a ética, continuarão sendo exclusivas e não poderão ser imitadas pelas
máquinas.
Podemos dizer que desde o “conhece-te a ti mesmo”
inscrito no Templo de Delfos até o autoconhecimento citado como importante para
o desempenho da liderança, existe uma conexão que não se perdeu com o tempo: o
desejo e a busca do ser humano por desenvolvimento.
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