Durante as
campanhas de conscientização sobre o câncer de mama é preciso ter uma atenção
especial a um grupo que nem sempre se sente convidado a participar: LGBTQIAPN+
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais,
Pansexuais e Não-Binários). A falta de dados e acesso dificulta as estratégias
de prevenção e diagnóstico de câncer de mama em pessoas trans, que sofrem com
déficits de assistência nos serviços de saúde, incluindo o rastreio do câncer
de mama
A recusa de assistência/terapia a estas pessoas
influenciam o acesso aos serviços: cerca de 20 milhões de pessoas nascidas no
Brasil (10% da população do país) se identificam como sendo da comunidade
LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (ABGLT). Entre os métodos discriminatórios mais
frequentemente detectados estão a recusa claramente declarada em “lidar com
transgêneros” e o erro intencional no uso do pronome de tratamento por parte da
equipe médica e de enfermagem - ações que trazem consequências a nível físico e
psicológico.
Outubro Rosa e todas as cores
Para contribuir com a disseminação de informação
tanto para pacientes quanto aos profissionais da saúde, Patrícia Maria Almeida
Silva, ginecologista do Ambulatório Estadual de Atenção à Saúde de Travestis e
Transexuais (CEDAP – Bahia) e das Clínicas EMEG, AMO e IDEM/Vera Harfush e
Ricardo Souza Evangelista Sant´Ana, enfermeiro, especialista em Enfermagem
Oncológica e Sexualidade Humana, coordenador da campanha Nursing Now Brasil,
intitulada como "Ambulatório de sexualidade para as minorias sexuais e de
gênero com câncer”. Ambos comentam as principais necessidades de saúde dessa
população, que costuma estar em desvantagem em termos de cuidados de saúde,
especialmente no que diz respeito à saúde mental e sexual.
1 - Pessoas trans podem ter câncer de mama
Transexuais e transgêneros também podem desenvolver
câncer de mama e, por conta disso, devem se consultar e fazer os exames
preventivos. As principais diretrizes de rastreamento do câncer de mama para
pessoas trans vêm do American College of Radiology (ACR), da United States
Preventive Services Task Force (USPSTF), da World Professional Association for
Transgender Health (WPATH), da Endocrine Society e do UCSF Center of Excellence
for Transgender Health (que oferece recomendações para homens e mulheres
trans). Mas essas diretrizes são, em muitos casos, apenas algumas frases de um
documento muito maior sobre cuidados de saúde para transgêneros. O ACR fornece as
diretrizes mais completas e detalhadas.
As principais variáveis que orientam o rastreamento
pelas diretrizes da ACR são:
Possível indicação de
mamografia digital e tomossíntese - Paciente
transfeminina, com 40 anos ou mais, que seja usuário atual de hormônio ou fez
uso por cinco ou mais anos. É um paciente de médio risco,
Usualmente ocorre a indicação
de mamografia digital e tomossíntese - Paciente
transfeminina, de 25 a 30 anos, que seja usuário atual de hormônio ou fez uso
por cinco ou mais anos. É um paciente com risco acima da média; paciente com
histórico pessoal de câncer de mama ou irradiação torácica entre 10 e 30 anos
de idade; paciente com predisposição genética para câncer de mama, paciente com
histórico familiar de câncer de mama ou câncer de ovário e paciente não testado
com parente de primeiro grau com predisposição genética para câncer de mama).
Possível indicação de
mamografia digital e tomossíntese - Paciente
transmasculino que fez mamoplastia redutora, com 40 anos ou mais. Paciente de
risco médico, com cerca de 15% de risco de câncer de mama ao longo da
vida.
Usualmente ocorre a indicação
de mamografia digital e tomossíntese e pode haver a indicação de ressonância
magnética e ultrassom - Paciente transmasculino com
mamoplastia redutora, com 30 anos ou mais. Risco intermediário (paciente com
história pessoal de câncer de mama, neoplasia lobular, hiperplasia ductal
atípica ou 15% a 20% de risco de câncer de mama ao longo da vida).
Usualmente ocorre a indicação
de mamografia digital, tomossíntese e ressonância magnética e pode haver a indicação
de ultrassom - Paciente transmasculino com mamoplasia redutora,
de 25 a 30 anos ou mais. Alto risco (paciente com predisposição genética para
câncer de mama ou paciente não testada com parente de primeiro grau com
predisposição genética para câncer de mama, paciente com histórico de
irradiação torácica entre 10 até 30 anos de idade, paciente com 20% ou mais de
risco de câncer de mama ao longo da vida).
2 - Idosos LGBTQIAPN+ estão mais vulneráveis
Um estudo de pesquisadores do Hospital Israelita
Albert Einstein, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e
da Universidade de São Caetano do Sul, publicado na revista científica Clinics,
em 2023, mostra que pessoas com idade a partir de 50 anos que pertencem à
comunidade LGBTQIA+ têm atendimento de saúde pior do que a parcela de mesma
faixa etária que não faz parte desse grupo. Os pesquisadores analisaram as
respostas de 6.693 pessoas por meio de um questionário online, que permitiu o
preenchimento anônimo. A pesquisa revelou que 31% dos indivíduos LGBTQIA+
enfrentam a pior faixa de acesso à saúde no país.
Outra pesquisa publicada na revista científica Current Psychiatry Reports
apontou que idosos LGBTQIAPN+ estão mais propensos a problemas de saúde, como
obesidade, câncer de mama e HIV. Na prática, a falta de exames preventivos, o
acolhimento e conversa com uma equipe multidisciplinar e o encaminhamento para
os grupos de apoio, são alguns dos gargalos enfrentados por essa população.
3 - Desconhecimento e falta de conscientização
Muitas pessoas LGBTQIAPN+ podem não estar cientes
dos riscos específicos ao câncer de mama e ginecológico ou podem acreditar
erroneamente que não são vulneráveis a esses tipos de câncer devido à sua
orientação sexual ou identidade de gênero. A falta de conscientização pode
atrasar a busca por cuidados médicos e diagnóstico precoce. Evidências apontam
que a população LGBT tem maior prevalência de diagnóstico de doença mais
avançada, menores taxas de cura e maior probabilidade de recidiva.
O estigma em relação à sexualidade e identidade de
gênero pode criar barreiras psicológicas para a busca de cuidados de saúde
ginecológica. O medo de discriminação ou tratamento insensível por parte dos
profissionais de saúde desencorajam as pessoas LGBTQIAPN+ a procurar
atendimento médico. A pesquisa I LesboCenso Nacional, da Liga Brasileira de
Lésbicas e Associação Lésbica Feminista de Brasília – Coturno de Vênus,
apontou que ao menos uma em cada quatro mulheres lésbicas que entram em um
consultório ginecológico no Brasil sofre algum tipo de violência ou não recebe
atendimento adequado.
Pessoas trans e não-binárias podem sentir
desconforto ou disforia de gênero em relação a exames ginecológicos
tradicionais, como a citologia cervical (Papanicolau) ou exames de toque. Isso
pode levar à evitação desses exames importantes. É importante que profissionais
de saúde estejam cientes desses desafios e forneçam cuidados adaptados.
4 - Apesar dos avanços, muitos são os desafios
Em muitos lugares, houve avanços na expansão do
acesso a cuidados de saúde específicos para a comunidade LGBTQIAPN+, como
clínicas especializadas em saúde LGBTQIAPN+ e programas de PrEP (profilaxia
pré-exposição) para prevenir o HIV. A visibilidade da comunidade LGBTQIAPN+ na
sociedade aumentou significativamente, o que contribui para uma maior
conscientização sobre suas necessidades de saúde e direitos. Isso também levou
a um aumento no ativismo e na defesa de políticas mais inclusivas. Mas há ainda
desafios consideráveis a serem superados. A discriminação persiste em muitos
locais e a saúde mental, em particular, continua sendo uma preocupação, com
taxas mais altas de ansiedade, depressão e suicídio entre pessoas LGBTQIAPN+.
Para isso, é fundamental que os profissionais de saúde devem receber
treinamento em competência cultural LGBTQIAPN+ para garantir que ofereçam
cuidados sensíveis às necessidades específicas dessa população.
5 - O acolhimento começa na marcação da consulta
O acolhimento inicia antes da marcação de consulta,
educando equipe de saúde da família na Unidades Básica de Saúde (UBS), no
processo de assistência às demandas de saúde integral da população. No dia 1º
de dezembro de 2011, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS). A política visa ampliar o acesso a ações e serviços de
qualidade, reconhecendo a história de discriminação, preconceito e exclusão
também nos serviços de saúde. Esse acolhimento começa respeitando o nome social
e a forma na qual a pessoa se refere e se autoidentifica. Para tanto, é
fundamental prestar um serviço de mais qualidade, humano, diverso e inclusivo.
Consequentemente, a LGBTfobia afasta as pessoas dos
serviços de saúde. Há relatos de desconforto na hora de agendar consultas, nas
salas de recepção e também durante os atendimentos. Além disso, as barreiras ao
acesso aos cuidados de saúde e os preconceitos dificultam a busca por
atendimento médico. É comum, nessa população, a automedicação e a não percepção
de exposição a riscos, diante da falta de orientação por profissionais
habilitados.
6 - Lésbicas e pessoas trans se afastam do diagnóstico
ginecológico
É importante que o ginecologista respeite o
histórico desse paciente sem fazer juízo de valor. Durante a consulta,
perguntar com cuidado e de forma acolhedora, com quem aquela pessoa se
relaciona, mas sem ser invasiva. É importante ainda falar sobre planejamento
familiar e qual o projeto de vida a dois. Também se faz necessário falar sobre
vacina, uso de preservativo e alimentação. A consulta independe de gênero e
sexualidade. Como a consulta ginecológica é mais íntima, é difícil criar um
vínculo se houver olhar discriminatório.
7 - Maior prevalência de doença avançada e risco de
recidiva
Artigo publicado na revista científica JAMA
Oncology, em 2023, trouxe resultados sobre o diagnóstico, tratamento do
câncer de mama em pacientes de grupos minoritários de sexo e gênero (SGM),
mostrando que a doença diagnosticada nessa população é mais avançada que entre
os cisgênero.
Em comparação com pacientes heterossexuais
cisgêneros, aqueles dos grupos SGM experimentaram um atraso no tempo desde o
início dos sintomas até o diagnóstico. Entre os resultados apresentados pelos
pesquisadores é que o “estudo descobriu que entre os pacientes com câncer de
mama, aqueles dos grupos SGM apresentaram diagnóstico tardio, com recorrência
mais rápida a uma taxa três vezes maior em comparação com pacientes
heterossexuais cisgêneros. Estes resultados sugerem disparidades no atendimento
de pacientes de grupos SGM e justificam estudos adicionais para informar as
intervenções”.
8 – Entender os riscos da reposição hormonal e fazer
consultas regulares
Embora as pesquisas afirmem que a terapia hormonal
pode ser segura e eficaz se for fornecida por um médico com experiência em
cuidar de pessoas trans, é importante conhecer os riscos, como coágulos
sanguíneos em veias profundas ou pulmões, problemas cardíacos, infertilidade,
entre outros. Inclusive a Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia comenta alguns dos riscos aos
pacientes trans como: o câncer de mama em mulheres trans que tomam estrogênio,
doenças cardiovasculares, e câncer de próstata em mulheres trans, mesmo nas
mulheres trans cirurgiadas. Para isso, recomendam um estilo de vida saudável,
com uma alimentação balanceada e exercícios físicos, além de realizar exames
preventivos de acompanhamento.
9 -A importância da pesquisa e prevenção
A pesquisa sobre câncer ginecológico em populações
LGBTQIAPN+ ainda é limitada. Isso dificulta a compreensão completa dos riscos e
necessidades dessa população e pode afetar a eficácia das estratégias de
prevenção e tratamento. Para abordar essas dificuldades, é fundamental promover
a educação entre a comunidade LGBTQIAPN+ sobre a importância da saúde ginecológica
e fornecer informações com linguagem acessível sobre como superar barreiras
psicológicas e emocionais. A promoção da pesquisa sobre câncer ginecológico em
pessoas LGBTQIAPN+ também são passos importantes para melhorar o diagnóstico e
o tratamento desses cânceres.
10 – A comunicação com pacientes LGBTQIAPN+
A comunicação entre os profissionais da saúde e os
pacientes LGBTQIAPN+ é importante para que eles se sintam acolhidos, por meio
de um atendimento humanizado e qualificado. No artigo “Estratégias
para Cuidado Inclusivo às Pessoas LGBTQIAP+ com Câncer”, há informações de
como fazer essa comunicação de forma clara e acolhedora. Entre elas está:
- Exibir
itens de inclusão no ambiente clínico;
- Fornecer
um ambiente seguro para os pacientes revelarem orientação sexual e
identidade de gênero;
- O
especialista precisa lembrar que ele não precisa compartilhar as crenças
de seus pacientes para cuidar deles de forma ética;
- O
especialista precisa levar em consideração como suas suposições e reações
em relação aos pacientes podem afetar a experiência dele com a saúde;
- Usar
as palavras que o paciente usa - incluindo escolha de substantivos,
pronomes e nomes de partes do corpo;
- Considerar
hormônios, anatomia e composição corporal em vez de gênero ao fazer
recomendações clínicas;
- Certificar
que as perguntas sejam clinicamente relevantes e para o bem-estar do
paciente;
- Apoiar
a escolhida pelo paciente;
- Pedir
desculpas quando cometer um erro;
- Fazer
a lição de casa. Estar educado quanto às necessidades de saúde das
minorias sexuais e de gênero.
Sobre o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos
(EVA) – O EVA é uma associação sem fins lucrativos, composta em sua maioria
por médicos, que tem como missão o combate ao câncer ginecológico. Seu time,
multiprofissional, atua com foco na educação, pesquisa e prevenção, assim como
promove apoio e acolhimento às pacientes e aos familiares.
A idealização e a organização do Grupo Brasileiro
de Tumores Ginecológicos foram iniciadas pela oncologista clínica Angélica
Nogueira Rodrigues, no Hospital do Câncer II do Instituto Nacional de Câncer
(INCA). A primeira reunião ocorreu em 12 de março de 2010 e o nome Grupo
Brasileiro de Tumores Ginecológicos passou a ser utilizado a partir desta data.
A primeira reunião para nacionalização do grupo
ocorreu no Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em
2013, na cidade de Brasília. O nome EVA foi resultado de uma reunião neste
evento e foi sugerido pela oncologista clínica, coordenadora da área de apoio
ao paciente (advocacy) do grupo, Andréa Paiva Gadelha Guimarães. O
ginecologista oncológico Glauco Baiocchi Neto é o diretor-presidente do EVA na
gestão 2023-2024.
Referência
Yarns, B. C., Abrams, J. M., Meeks, T. W., &
Sewell, D. D. (2016). The Mental Health of Older LGBT Adults. Current
Psychiatry Reports, 18, 60. https://doi.org/10.1007/s11920-016-0697-y
Crenitte, et al. Transforming the invisible into
the visible: disparities in the access to health in LGBT+ older people,
2023. https://www.elsevier.es/en-revista-clinics-22-estadisticas-S1807593222033506
Sant’Ana RSE. Estratégias para uma Assistência
Inclusiva a Pessoas LGBTQIAP+ com Câncer. Rev. Bras. Cancerol. [Internet]. 3º
de maio de 2023 [citado 4º de outubro de 2023];69(2):e-163671. Disponível em: https://rbc.inca.gov.br/index.php/revista/article/view/3671
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