Toda metáfora esconde uma verdade. O slogan “Lugar de mulher é onde ela quiser”, é uma dessas metáforas tagarelas, mais apropriadas para os espetáculos de mágica. Lugar de mulher nunca foi onde ela quiser, porque esse lugar é de construção. O feminismo tagarela inventou essa alegoria para que ficássemos acomodadas numa imagem exterior. Para que fizéssemos uma pausa benigna, em nossas dúvidas. Essa frase nos deixa em uma zona de conforto e é fugaz. Por seu caráter lúdico, nos afasta do feminismo como força política, como modo de transformação de vida, praticado no âmbito público e privado. Faz acreditar que não precisamos apoiar umas às outras e ter convulsões para buscar daqui e dali espaços que tornem possível o intercâmbio verdadeiro com os homens.
O feminismo de hoje não tem problema com os homens.
Eles já estão quase calados à nossa potência. Nos enxergam , nos reconhecem e
são pró-feministas. Há muitos homens providos de continuidade de nossas
narrativas. O encadeamento de nossas reivindicações com a agenda deles é
fato. Somos 30% no mercado em tecnologia, somos presidente de Supremo. Somos
milhares de mulheres trabalhando, consumindo e gerando outros seres.
A mulher, que hoje não precisa pedir permissão para
exercer direitos e cidadania, para ser tratada com justiça, não pode se
esconder atrás desse painel de vidro que insiste em dizer que a
desigualdade acabou e que nosso lugar está selado, carimbado. Uma coisa é
ser cidadã e exercer a cidadania, outra é achar que não existem desvios legais
e políticos e podemos nos arredar da cena covardemente, achando que lugar de
mulher é onde ela quiser.
Esse slogan chega ser irônico, para não dizer da
força de sua influência subjetiva sobre as mulheres. No fundo é altamente
alienante e busca cooptar o pensamento, quase provocando um
deixa-como-está. Como disse René Descartes, a disposição afetiva para dúvida,
nos deixa desconfortáveis. Basta o mínimo de inteligência e menos surdez para
perceber que essa frase não escuta a voz de nossos apelos. Não nos escuta em
nada. Não nos representa.
O feminismo se constrói com luta. Como proposta de mudança no Estado Democrático e de Direito. Essa vocação é a de buscar persistentemente, no reino da política e da ética, uma posição para as mulheres. Precisamos ter atenção com mantras. Mantras recalcam ações. A dinâmica da vida da mulher brasileira exige marteladas.
Que todas essas alegorias, historinhas de
idiotismo, crenças limitantes e pensamentos sem evidências sejam levadas para
bem longe dos dados reais e das informações verdadeiras, que só mostram a
necessidade da mulher conquistar seu lugar. Não precisamos que criem para nós
um novo idioma, ou uma nossa filosofia. Sabemos que demos saltos enormes,
que os homens não são nosso maior problema, mas precisamos estar atentas ao
passo essencial: o feminismo se consolida numa luta constante. Somos
demasiadamente inteligentes para sermos idiotas. Essa frase é enigmática, é um
posso e não queremos cair!
Maria Inês Vasconcelos -
advogada Constitucionalista, pesquisadora e palestrante
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