A sociedade moderna exige constante
vigilância na cadeia produtiva, somada a estabelecida e devotada manutenção da
formação individual. Afinal, o mercado exige processos mais eficientes e
profissionais cada vez mais qualificados, que precisam apresentar e desenvolver
não apenas conhecimentos técnicos, mas diversas qualidades pessoais (soft
skills), ou seja, comunicação eficaz, empatia, colaboração, organização,
flexibilidade, resiliência, trabalhar sob pressão, entre outras. Tudo isso, em
condições de urgência, por conta da velocidade com que a sociedade tem
alcançado os avanços tecnológicos, produtivos e farmacêuticos.
Devido a esta dinâmica, a sociedade
contemporânea configurou-se a partir de movimentos de extrema racionalidade em
relação ao mundo do trabalho. Isso conduziu a contradições da vida moderna,
pois se espera que o trabalhador dê conta de todas as expectativas exigidas,
como por exemplo, as diversas soft skills, capacitações técnicas e dedicação ao
trabalho, sem a possibilidade de adoecimento, tornando-o um programado portador
de habilidades e competências, numa perspectiva individualista.
A produção de sentido, em relação a
viver uma vida feliz, prazerosa e com boas vibrações (Mclnerny), vista como um
empreendimento coletivo, apesar da individualidade esperada, é postulada e
reforçada pela cultura racional do mundo do trabalho. Esses fenômenos modulam
um complexo industrial otimista, ou melhor, um otimismo tóxico exigido a todos.
Sendo assim, como bem coloca Nora
McInerny em entrevista à jornalista Jéssica DuLong do Brooklyn, Nova York,
publicada pela CNN, há um mundo estranho sendo desenhado. É possível notar que
grande parte das pessoas que conhecemos busca seu minuto de fama nos espaços
das redes sociais. Essa tentativa visa alcançar o estrelato com produções de
seu próprio reality show, transformando o espaço privado em público, uma
mercadoria a ser vendida e consumida por estranhos, alienada a um mundo de
perfeição e felicidade, que só existem no curto período de um clic da
câmera fotográfica ou do Rec de uma filmadora.
Temos nisso a expectativa de que a
felicidade se estenda, seja plena e ininterrupta, com efeito estendido àquela existência,
com árdua vigilância para que seja ignorado o doloroso, o desprazer, a
tristeza, a falta, etc. Somos exigidos a buscar ser, cada vez mais, os melhores
em tudo o que fazemos, a não mostrarmos nossas tristezas, a estarmos prontos a
vender um sorriso e uma vida perfeita, afinal, é esperado que você dê 110% em
tudo, uma verdadeira perfeição, programado como uma máquina. Tudo isso para
quê? Para que venhamos a corresponder alinhados com os diversos mecanismos de
controle, que prestam vigilância constante.
As leis que regem a vida atualmente, em
suas diversas dimensões, estão vinculadas a manutenção da contínua
“normalidade”, cujo objetivo é manter a máquina produtiva girando, sem a
possibilidade da interrupção deste universo produtivo. Se tomamos como exemplo
a questão do luto e usarmos o DSM --V (Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mantais, referência para diagnósticos de doenças mentais), o tempo
da vivência para o enlutado está diminuto. As ligações que fazemos ao longo de
nossa existência são responsáveis pela significância do viver, porquanto é
comum as pessoas dizerem a alguém que perdeu um ente querido que “a vida perdeu
o sentido”. Para o DSM-V, viver o luto, de acordo com seus critérios, deve
ocorrer no mínimo por duas semanas, antes de ser posto como transtorno
depressivo maior e precisar de medicação. Notadamente pontuado por especialistas,
raramente uma pessoa supera tal condição, ou mesmo, procura ajuda em tão pouco
tempo.
Volta-se aqui, portanto, ao dilema de
que se não encontrarmos a resposta dentro de nós para uma autorregulagem,
estaremos distantes do sentimento de otimismo, alegria e positividade, tão
cobrado nas mais diversas formas de expressões sociais, podendo caracterizar um
defeito pessoal. Contudo, se nesta busca de autoaperfeiçoamento houver
dificuldades, caracterizando a representatividade deste defeito, podemos
recorrer aos avanços farmacológicos e, assim, retomarmos nossa suposta vida
perfeccionista/otimista.
A vida moderna, com suas exigências,
cobra o afastamento de sentirmos e demonstrarmos esses sentimentos
honestamente, decretando a necessidade do constante otimismo, positivismo e
perfeição, seja ela na vida real ou virtual. Tudo isso impede o simples ato de
estar vivo na sua plenitude, pois deveria ser possível apresentar-se de forma
contraditória, imperfeita ou até mesmo infeliz, uma vez que, isso também nos
constitui como seres humanos. Não poder viver as imperfeições ou escondê-las,
dificulta a constituição de nossa própria identidade, de sermos reais e não
ficcionais, mas principalmente, de nos afastarmos do adoecimento coletivo,
chamado otimismo tóxico. Afinal, de acordo com Mclnerny (2022) a “vida é frágil
e nosso ritmo neste mundo moderno é insustentável”.
Marcelo Alves dos Santos - psicólogo clínico e docente de Psicologia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Nenhum comentário:
Postar um comentário