Opinião
Foi recentemente aprovado no Senado Federal o
Projeto de Lei de Licitações e Contratos Administrativos. O novo diploma legal
entrará em vigência quando de sua sanção pelo Presidente da República e, no
prazo de dois anos, vai substituir definitivamente a conhecida Lei n. 8.666/93,
bem como as leis do Pregão (10.520/02) e do RDC (12.462/11). O novo diploma
legal traz uma série de dúvidas à sociedade quanto a seus avanços, em especial
no que toca à sua capacidade de atrair boas empresas e evitar a malversação de
recursos públicos. Essa análise passa pela percepção de três vetores que
pautaram a elaboração da nova lei.
O primeiro diz respeito à preocupação do legislador
com a clareza e organização do texto normativo. Ao contrário da lei anterior, a
nova lei de licitações é bem organizada e sistematizada, com tratamento
detalhado e encadeamento lógico dos temas. Essa racionalidade é importante para
uma lei que reúne em um único diploma toda a disciplina de licitações e
contratos administrativos da Administração Direta e autárquica do país.
O segundo vetor consiste na colmatação de diversas
lacunas existentes na legislação anterior, à luz da interpretação dominante no
Poder Judiciário e nos Tribunais de Contas. Muitas disputas intermináveis
acerca do alcance de determinados conceitos foram resolvidas por previsão
expressa na nova lei. Além disso, numerosas inovações trazidas pela Lei do
Pregão e pelo RDC foram incorporadas aos 1.576 dispositivos – entre artigos,
incisos, alíneas e parágrafos – da nova lei de licitações.
O terceiro vetor diz respeito a inovações pontuais,
como as que reforçam a exigência de planejamento, as que exigem a antecipação
de responsabilidades por eventuais eventos incertos que onerem a execução do
contrato e aquelas que preveem maior interlocução entre o público e o privado
em momento anterior à contratação. São pequenos detalhes e pacatos avanços que,
em seu conjunto, aprimoram de modo relevante o ambiente das contratações
públicas no país.
Apesar de tais qualidades, o texto legal segue uma
vertente arraigada no pensamento jurídico e social brasileiro. Trata-se da
extrema desconfiança em relação a todos que participam de um processo
licitatório. Dos servidores públicos aos empresários, todos são tidos como
oportunistas em busca de uma vantagem desleal. E para conter esse intento
pernicioso, a nova lei segue o modelo anterior, detalhando ao extremo e de modo
uniforme cada etapa do processo de licitação, por meio de exigências e
procedimentos estanques a serem observadas em todo e qualquer procedimento
licitatório, realizado pela União Federal e pelo Município de Serra da Saudade
(MG).
O problema dessa percepção é que ela desfigura um
comando legal que deveria ser instrumento para uma boa contratação,
transformando-a em um escudo contra a má contratação. Entretanto, tal proteção
acaba sendo transformada em arma a favor da própria corrupção por aqueles que
aprendem a manipulá-lo ou, ainda, em munição para a impugnação judicial
infinita de processos licitatórios.
Nesse quadro, a licitação deixa de garantir a
escolha do melhor produto, do melhor prestador ou do menor preço. Ela passa a
produzir a escolha do melhor licitante. Um problema que ocorre também com
alguns concursos públicos, que avaliam a mera memorização de preceitos legais.
Por vezes, a obsessão normativa pela neutralidade, imparcialidade e
objetividade acaba por desnaturar a própria finalidade do instituto, produzindo
verdadeira seleção adversa.
Oxalá os três vetores de transformação da
nova lei de licitações sejam capazes de induzir um movimento de superação do
cenário acima traçado, de modo a que a licitação pública no Brasil passe a
atrair empresas especialistas no objeto a ser contratado e não empresas
especialistas em licitações e contratos públicos.
Fernando
Mânica - doutor pela USP e professor do Mestrado em Direito da Universidade
Positivo.
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