Assim como na moda, na qual temos coleções que mudam a cada estação, também nas notícias que são divulgadas - seja na mídia para massas, seja em publicações voltadas a nichos específicos - não é incomum nos depararmos, num certo período de tempo, que pode durar meses ou até anos, com o mesmo assunto batendo incessantemente à nossa porta.
Isto tem ocorrido com o tema Mindfulness já há algum tempo, constituindo
objetivo deste texto apresentar fatos e dados a respeito deste assunto,
evitando-se, basicamente, dois extremos: o excesso de detalhes e floreios, que
nos distanciam da necessária precisão, ou ainda a superficialidade insípida,
que não agrega e que às vezes afeta a credibilidade do que é lido.
Quando li "O ócio criativo", na década de 90, escrito por Domenico de
Masi, cheguei a acreditar, embora por pouco tempo, que a tecnologia poderia
favorecer, de maneira equilibrada, as atividades relacionadas ao estudo, ao
trabalho e ao lazer.
Quase 30 anos depois, é possível observar a crescente produção e procura por
textos, livros e estudos relacionados ao estresse, e mais especificamente
relacionados ao tecnostresse, que, como o próprio nome sugere, trata-se daquele
estresse que se relaciona com uma avaliação subjetiva negativa diante do uso
das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e que, de uma maneira geral,
ocorre quando existe uma percepção de desequilíbrio entre as demandas de
trabalho e a viabilidade para sua execução, conforme apontam Carlotto e Wendt
(2016), em estudo no qual procuraram relacionar o tecnoestresse e seus impactos
na carreira, satisfação com a vida e interação trabalho-família.
Nosso entendimento é de que não existem muitas dúvidas a respeito do fato de
que vivemos hoje numa sociedade do estresse, ou ainda numa "Sociedade do
Cansaço", livro escrito pelo coreano Byung-Chul Han e traduzido para o
português em 2015, que busca propor alternativa à vida hiperativa que
caracteriza a contemporaneidade, oferecendo a ideia de uma vida contemplativa,
onde os indivíduos digam "não" ao excesso de estímulos que recebem.
Atualmente, observamos que a prática de mindfulness constitui, dentre outras,
uma alternativa que vem sendo testada e aprovada por muitos daqueles que
objetivam driblar o estresse da vida cotidiana, seja com foco em melhoria da
performance, seja com foco em qualidade de vida, sendo que o aumento pelo
interesse neste assunto, por indivíduos, empresas e escolas, tem crescido
consideravelmente, tendo por base os bons resultados que podem ser obtidos.
As professoras Marina Carpena e Carolina Menezes, da Universidade Federal do
Rio Grande e Universidade Federal de Santa Catarina, em pesquisa realizada em
2018, explicam que a prática meditativa pode ser definida como um treino
sistemático de regulação da emoção e da atenção, direcionando nossa consciência
para o momento presente, minimizando toda e qualquer distração, potencializando
o desenvolvimento de maior estabilidade mental e emocional. Assim, o
mindfulness pode ser compreendido como um estado cognitivo e afetivo de atenção
plena, ou seja, uma consciência menos condicionada ou automatizada e com maior
capacidade de observar, descrever, aceitar e não julgar ou reagir.
Vale o destaque para o fato de que o conceito de mindfulness é herdeiro de duas
tradições de pensamento, uma que remete à ciência Ocidental e outro à
espiritualidade Oriental, conforme observam os autores Vandenberghe e Assunção,
em um texto de 2009, no qual compararam estas duas tradições.
A primeira delas, emergiu da pesquisa da professora americana Ellen Langer, que
há mais de 40 anos pesquisa o tema na Universidade de Harvard. Segundo a
Professora Ellen, mindfulness é prestar atenção no que está acontecendo sem se
apegar ao passado e sem projetar o futuro.
A referida professora começou a se interessar pelo assunto quando começou a
refletir sobre situações nas quais as pessoas cometiam atos aparentemente
inexplicáveis, como esquecer as crianças dentro do carro. Seus estudos
sinalizaram que as pessoas fazem isso quando estão no estado mindless (com a
consciência vazia), ou seja, quando enxergam a situação apenas por uma
perspectiva e, principalmente, sem prestar atenção no momento presente. Suas
pesquisas ao longo dos anos, sinalizam que as pessoas que agem de acordo com os
princípios mindful (consciência cheia), são capazes de encontrar melhores
soluções para problemas, além de terem as taxas de estresse reduzidas.
Viver no piloto automático é algo que pode levar, segundo a professora Langer,
os indivíduos a cometerem injustiças ou até crueldades, sem existir tal
intenção, como nos casos de atos preconceituosos e utilização de estereótipos.
Quando nos comparamos com outras pessoas de maneira frequente, por exemplo, e
de modo automático, estamos, ainda que inconscientemente, promovendo
sentimentos relacionados à inveja, culpa e atitudes defensivas que podem ser
desnecessárias, tornando ainda mais rígido o conceito que temos de nós mesmos.
Se não temos uma noção clara do que fazemos, se nosso pensamento não está
concentrado, corremos o risco de desconsiderar importantes dimensões de nosso
comportamento, inclusive as éticas. Em outras palavras, não prestar atenção
plena ao contexto e não integrar novas informações pode conduzir a erros
importantes de julgamento.
A segunda tradição de pensamento, teve início a partir do trabalho do, também
americano, Jon Kabat-Zinn, professor Emérito de Medicina e diretor fundador da
Clínica de Redução do Stresse e do Centro de Atenção Plena em Medicina, na
Escola Médica da Universidade de Massachusetts, que introduziu a meditação
budista na prática clínica.
O treino de mindfulness foi inicialmente introduzido por Kabat-Zinn em 1982
como tratamento para dor crônica, mostrando-se também eficaz para outros
problemas, como transtornos de ansiedade e estresse. Este tratamento consiste
em práticas de meditação formal e informal, baseadas nas práticas do zen
budismo. As primeiras atividades incluem exercícios de varredura corporal (body
scan) e respiração consciente. Cada vez que uma preocupação, lembrança ou
julgamento surgem, a pessoa a saúda, deixa que ela vá embora e volta novamente
a dedicar atenção plena ao exercício. A prática da varredura corporal é feita
com o corpo imóvel e a atenção é focada nas sensações em diferentes partes do
corpo. O praticante deve ficar em silêncio, permitindo que as sensações se
apresentem, sem tentar controlá-las. Já no exercício de meditação com foco na
respiração, o foco converge para as sensações e percepções intrínsecas e
extrínsecas, por exemplo, os ruídos ambientais. Rotinas de alongamento e exercícios
informais como a realização de atividades com plena atenção, sem julgamento e
elaboração intelectual também podem ser utilizados, constituindo elementos
importantes na formação de hábitos relacionados à plena atenção.
Tanto os estudos de Langer como os de Kabat-Zinn, dentre outros, sinalizam que
é necessário existir constância na prática para que possamos obter os
benefícios que desejamos.
A psicóloga Claudia Faria destaca que, apesar de ser mais facilmente praticada
em aulas e locais próprios, com um instrutor, a meditação também pode ser feita
em outros ambientes como em casa ou no trabalho, por exemplo. Para aprender a
meditar sozinho, é necessário praticar diariamente as técnicas por 5 a 20
minutos, 1 ou 2 vezes ao dia. Para os adeptos de tecnologia, aplicativos de
meditação como o Headspace e o Walzen também podem contribuir.
Quanto aos exercícios informais, podemos começar com práticas simples, como
comer uma uva passa, prestando atenção plena a todos os seus aspectos, como
cheiro, variação de cor, textura e sabor. Como o próprio professor Kabat-Zinn
nos lembra, não importa qual será a atividade que você vai escolher e sim a
maneira de realizá-la, pois os exercícios são apenas pretextos.
Se vale a pena praticar mindfulness? Certamente é uma decisão particular, mas,
depois que entendemos um pouco mais a respeito e conhecemos os benefícios
decorrentes desta prática, fica difícil resistir à tentação.
Miriam Rodrigues - doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Atua como docente na área de Gestão de Pessoas e Comportamento Organizacional e Coordena os Cursos de Graduação Tecnológicos EaD do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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