É errado subestimar o estrago produzido no inconsciente coletivo dos brasileiros pelos longos anos em que lhes foram servidas doses diárias de veneração ao Estado como provedor de bem estar material mesmo que ele apenas disponibilize gotas diárias de esperança e placebo. Uma e outra não perdem validade mesmo que nossas grandes cidades engrossem seus cinturões de miséria escalando morros e afundando em baixios insalubres.
Ao longo das últimas décadas,
a direita foi cooptada pelas duas esquerdas que repartiam entre si, e com ela
mesma, o butim chamado Brasil. O trabalho em busca da hegemonia, no entanto,
era consignado de modo quase exclusivo à esquerda. Eventos como os Fóruns da
Liberdade promovidos pelo IEE circunscreviam-se a Porto Alegre e não se multiplicaram,
como deveriam, em centenas de outros, Brasil afora. A formação de opinião é
inconstante e dependente de iniciativas desconexas. Eventos conservadores são
de inspiração e motivação recente, surgindo como tiros de pistola sinalizadora
de afundamento da embarcação. Nacionalmente, partidos identificados com a
direita pagavam caro pelos estigmas que insidiam sobre ela, mas se saciavam no
centrão.
A vitória de Bolsonaro colocou
na cabeça de muita gente que o terreno estava arado e semeado para que
conservadores e liberais completassem, nas bases municipais, a transição do
poder para outras mãos. Mas não é assim que a política funciona. Mesmo num
arremedo de democracia como o nosso, o sucesso eleitoral, o voto na urna,
multiplicado e transformado em fonte de poder político, demanda um conjunto
indispensável de condições. Entre elas incluem-se lideranças reconhecidas,
trabalho consolidado, arregimentação, captação de recursos, marketing político,
mensagens sedutoras insistentemente repetidas, formação de dirigentes e de
militância, candidatos preparados, conhecimento dos adversários e dos parceiros
com suas forças e habilidades. E por aí vai.
Porque as coisas são assim, a
decadência do PT não retirou substância da mensagem que logo foi apropriada
pelo PSOL, principal beneficiário do petismo desiludido. Esteve visível,
durante os últimos anos esse processo crescente de transferência. O Rio Grande
do Sul e sua capital, onde vivo e escrevo, é um palco onde esse show tem sido
objeto de sucessivas reapresentações.
Eleger alguém pelo voto
majoritário pode ter uma infinidade de causas, inclusive muitas meramente
circunstanciais. No entanto, a formação de uma consistente representação
parlamentar, verdadeira expressão de poder político, jamais será fruto da
árvore do acaso. Quando o terreno do plantio está tomado pelo inço da
mistificação e da demagogia, pelos chavões e narrativas semeados pelos
adversários, o trabalho precisa ser ainda mais intenso.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário,
escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus
brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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