Em 2018 a ONU Mulheres apontou que apenas 17% dos programadores no mundo eram do sexo feminino. Em 2019, o programa YouthSpark, da Microsoft, apontou que, no Brasil, somente 18% dos graduados em ciência da computação e 25% dos empregados em áreas técnicas de tecnologia da informação eram mulheres. E não é que elas não tenham interesse nesse mercado: de acordo com a Associação Telecentro de Informação e Negócio (ATN), 36.300 mulheres formadas na área buscavam colocação no mercado em 2019.
A presença feminina na área de tecnologia é baixa,
mas certamente há uma questão cultural e histórica por trás dessa realidade. As
mulheres já desempenharam papéis bem importantes na área de tecnologia. O
próprio Google relembrou isso no último Dia das Mulheres na campanha
#sópodiasermulher (https://www.youtube.com/watch?v=liYgulV15-I),
em que ressalta que as mulheres têm participação em descobertas como o GPS e o
Wi Fi.
Ao pesquisar um pouco para entender os motivos por
trás desse desequilíbrio e os impactos que essa situação trás para o setor, é
possível descobrir que até 1984 o número de mulheres nos cursos de computação
era relativamente proporcional ao de homens, quase meio a meio (National
Science Foundation/ American Bar Association). Porém, alguma coisa coisa
aconteceu a partir desse ano, que fez essa proporção cair pela metade nos 30
anos seguintes - ainda que esse percentual tenha aumentado nos outros
cursos. E naturalmente, quanto menor a quantidade de mulheres se formando
em ciência da computação, menor é presença desse gênero no mercado - ainda que
não seja obrigatório ter formação em ciências da computação para trabalhar em
tecnologia.
Por que a proporção de mulheres em tecnologia caiu
tão drasticamente?
Ao que tudo indica, um dos fatores pode ter sido o
fato de que nos fim dos anos 1980, durante o boom dos personal computers (PCs),
o público alvo das campanhas de marketing de marcas líderes como IBM e Apple,
era masculino. Os PCs eram vendidos como se fossem “video-games”, um item que
sempre foi considerado “coisa de menino”. Ou seja, “toys for boys”, como se
dizia na época.
PCs eram tão distantes do universo feminino que nos
anúncios publicitários as mulheres mal apareciam nas imagens. Os homens sempre
eram, então, os protagonistas dos anúncios. Em um havia, por exemplo, um menino
pedindo para o pai se podia usar o computador. Em outro, aparece um homem num
computador e a mulher em segundo plano ... lavando louça. E, assim, a própria
indústria de tecnologia reforçou esse estigma de que tecnologia é um “clube do
bolinha” e inibiu a presença das mulheres no segmento.
Quais os impactos disso para as startups de
tecnologia?
Talvez até aqui, o fato da tecnologia ser colocada
como uma atividade masculina não pareça lá um grande problema. Mas o ponto “X”
da questão é que esse contexto fez surgir um preconceito natural no mercado com
relação às mulheres. As decisões no momento de recrutar e contratar
profissionais acabam sendo enviesadas e projetos de tecnologia criados por
mulheres batalham mais para receberem investimento.
É o que mostram dados do Distrito Dataminer,
unidade de inteligência de mercado que analisa mais de 12 mil startups
brasileiras. Segundo eles, mesmo quando as startups são divididas por setor,
não há predominância feminina em nenhum deles. Vale observar também um estudo
divulgado pela Pitchbook recentemente e perceber só uma pequena amostra do
tamanho do problema: em 2018, as startups de tech lideradas por mulheres
receberam apenas 2.7% do capital total investido pelas Venture
Capitals.
E esse preconceito, que muitos no mercado possuem,
pode ser prejudicial para os negócios. Imagine quantas oportunidades de bons
investimentos estão sendo perdidas por conta desse preconceito? Afinal,
diversificar portfólio é obrigação de qualquer investidor, não é mesmo? Eu,
particularmente, acredito que precisamos de diversidade, não meramente baseada
em características biológicas mas, em diversidade de pontos de vistas e
opiniões, porque isso sim, é o que pode moldar idéias e mudar o rumo dos
negócios.
Comecei como female founder em tecnologia em 2015 e
posso dizer que não foi fácil percorrer a trilha até aqui. Sempre me perguntam
como é trabalhar em um ambiente primariamente masculino. Confesso que acabei me
“acostumando” a essa realidade. No próprio quadro de colaboradores da Chiligum
Creatives, a proporção é de 70% homens e 30% mulheres. E detalhe, só chegamos a
essa proporção, por causa da nossa equipe comercial, pois dentro da área de
tecnologia, 100% dos colaboradores ainda são homens. É uma batalha a cada
processo seletivo mudar esse cenário. Acredite.
Por isso, me considero muito privilegiada em saber
que conseguimos conquistar a confiança de inúmeros investidores no nosso último
fundraising, mesmo a empresa sendo liderada por uma mulher. Torço para que,
daqui pra frente, isso se torne a norma e não a exceção.
Deborah Folloni - CEO da Chiligum Creatives
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