Estudo conduzido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sugere que o hormônio irisina, liberado pelos músculos durante a atividade física, pode ter efeito terapêutico em casos de COVID-19. Ao analisar dados de expressão gênica de células adiposas, os pesquisadores observaram que a substância tem efeito modulador em genes associados à maior replicação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) dentro de células humanas.
O achado teve como base dados de
transcriptoma (conjunto de moléculas de RNA expressas em um tecido) de células
adiposas não infectadas por SARS-CoV-2 que receberam doses de
irisina.“Confrontamos as informações sobre os genes importantes na COVID-19 com
nossos dados do transcriptoma para fazer correlações. O resultado representa
uma sinalização positiva para a busca por novos tratamentos nesse momento de
emergência com a pandemia. É preciso ressaltar que trata-se de dados
preliminares, uma sugestão do potencial terapêutico da irisina para casos de
COVID-19. Estamos indicando um caminho de pesquisa para comprovar ou não o
efeito benéfico do hormônio em pacientes infectados”, diz Miriane de Oliveira ,
pesquisadora da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP).
O artigo, publicado na revista Molecular and Cellular Endocrinology ,
descreve dados gerados no estudo de pós-doutorado de Oliveira, que analisou a
ação da irisina e de hormônios tireoidianos em adipócitos. O trabalho contou
com apoio da FAPESP .
Por meio
de técnicas de sequenciamento, os pesquisadores identificaram 14.857 genes
expressos em uma linhagem de adipócitos subcutâneos. Ao tratar as células com
irisina, observaram que a expressão de vários genes foi alterada.
Por causa da pandemia, os
pesquisadores decidiram investigar possíveis efeitos da irisina em genes
relacionados à replicação do SARS-CoV-2. A partir do cruzamento de dados, eles
descobriram que o tratamento com a irisina em células adiposas diminuiu a
expressão dos genes TLR3, HAT1, HDAC2, KDM5B, SIRT1, RAB1A, FURIN e ADAM10, reguladores do gene ACE2 – fundamental para a replicação do vírus em
células humanas. O ACE2 codifica a
proteína a que o vírus precisa se ligar para invadir células humanas.
Outro aspecto positivo encontrado no
estudo foi a irisina ter triplicado os níveis de transcrição do gene TRIB3. Estudo anterior demonstrou
a importância da manutenção da expressão de TRIB3. Em indivíduos
idosos é comum ocorrer a diminuição da expressão desse gene, o que pode estar
relacionado à maior replicação do SARS-CoV-2 e ao risco aumentado dessa
população à COVID-19.
“Um terceiro aspecto importante está
no achado de outros grupos de pesquisa sobre o tecido adiposo aparentemente
servir como repositório do vírus. Isso ajuda a entender por que indivíduos
obesos têm maior risco de desenvolver a forma grave da COVID-19. Fora isso,
indivíduos obesos tendem a ter níveis menores de irisina, assim como maiores
quantidades da molécula receptora do vírus [ACE2], quando comparados a
indivíduos não obesos”, afirma (leia mais em: agencia.fapesp.br/33612/).
A irisina,
normalmente produzida de modo endógeno durante o exercício físico contínuo, é
conhecida pela função de modificação metabólica do tecido adiposo branco – que
armazena triglicerídeos, lipídios, acumula gordura e pode vir a ser inflamado
–, tendo função similar ao tecido adiposo marrom. Esse processo favorece o
gasto energético, o que torna a irisina um agente endógeno terapêutico para
doenças metabólicas, como a obesidade.
É também
conhecida a capacidade moduladora do hormônio na atividade dos macrófagos
(células de defesa do sistema imune), o que confere potencial propriedade
anti-inflamatória.
Gerenciamento de dados
O estudo
de Oliveira é um exemplo de como o gerenciamento de dados obtidos em pesquisas
básicas pode semear outras descobertas e linhas de pesquisa.
“Fizemos inicialmente uma análise
comparativa entre a ação da irisina e dos hormônios tireoidianos na diminuição
de acúmulo lipídico e na modulação de genes nas células adiposas. O estudo
gerou um volume grande de dados e, conforme veio a pandemia e outros grupos de
pesquisa iam descobrindo os genes associados à replicação do SARS-CoV-2,
decidimos investigar no nosso banco de dados como a irisina [e os hormônios
tireoidianos] poderia influenciar a doença”, relata à Agência FAPESP.
A
investigação original do grupo de pesquisadores buscou descobrir de que forma
esses hormônios desempenham o papel termogênico na diminuição do tecido adiposo
e geração de energia nos adipócitos. “Para isso, fizemos o transcriptoma e identificamos
que genes seriam afetados na presença desses hormônios. Dados que serviram de
base para o estudo sobre COVID-19”, diz.
Com o
estudo, Oliveira identificou que a irisina não só diminui o acúmulo lipídico
como aumenta a expressão da proteína desacopladora 1 (UCP1), associada a maior
gasto calórico. O aumento da expressão dessa proteína é compatível com a
redução de dano de DNA e de estresse oxidativo.
Com a maior compreensão do papel da
irisina em fatores correspondentes à obesidade e também a sua possível relação
com os casos de COVID-19, o grupo de pesquisadores vai analisar o efeito do
hormônio em células infectadas com SARS-CoV-2. O trabalho, que também será
coordenado pela professora da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu Célia Regina Nogueira de Camargo, é
apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes).
“O
objetivo é dar mais um passo nesse estudo e verificar em modelo tridimensional
de cultura celular de adipócitos os resultados obtidos no nosso trabalho de
bioinformática. Queremos entender como ocorre a modulação, por parte da
irisina, nos genes relacionados à replicação do novo coronavírus”, diz.
O artigo Irisin modulates genes associated with severe coronavirus disease
(COVID-19) outcome in human subcutaneous adipocytes cell culture (doi:
10.1016/j.mce.2020.110917), de Miriane de Oliveira, Maria Teresa De Sibio,
Lucas Solla Mathias, Bruna Moretto Rodrigues, Marna Eliana Sakalem e Célia
Regina Nogueira, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0303720720302173 .
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
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