Com o aumento expressivo de casos e a instauração do regime de calamidade pública que vivemos atualmente por conta da pandemia causada pelo vírus da COVID-19, tendo os magistrados e auxiliares da justiça que se deparar com uma situação atípica jamais vista anteriormente.
As mais
variadas relações jurídicas anteriormente amparadas pelos contratos foram
afetadas pelo regime de quarentena decretado no país. O fechamento do comércio,
escolas, demissões em massa e desamparo dos trabalhadores informais causaram um
aumento expressivo de ações judiciais com o objetivo de obterem um amparo do
estado-juiz.
O Poder
Judiciário, preferencialmente, optará pela não intervenção nas relações
privadas, isso como consequência de uma evolução histórico-social.
Na
prática, significa que, para alterar um contrato, o estado precisará de
elementos robustos de que esta relação deixou de atender uma função social e
passou a ser prejudicial com eventual enriquecimento ilícito de uma parte.
A revisão
irá depender da análise da situação e se, com a crise causada especificamente
pelo coronavírus, houve impacto econômico negativo que prejudicou a ponto de
não conseguir cumprir com suas obrigações contratuais.
Esta
análise é necessária em razão do risco de pessoas genericamente alegarem danos
e deixarem de cumprir suas obrigações contratuais, atuando o Poder Judiciário
no sopesamento dos direitos e deveres de ambos os lados da relação jurídica.
É
importante ressaltar que a simples alegação de dificuldades financeiras causada
pelo coronavírus não pode ser motivo de alteração ou revisão contratual,
conforme entendimento mais recente dos Tribunais.
Exemplo
disso são as relações locatícias comerciais, em especial, daqueles situados em
shoppings e em grandes centros comerciais, em que se depararam impossibilitados
de adimplir suas obrigações.
A força
vinculante dos contratos prevalece mesmo em tempos de pandemia e aquele que se
sentir lesado ou prejudicado precisa comprovar o dano efetivamente sofrido.
No caso
do comércio em geral, a não ser que a loja tenha um departamento de vendas
online, o que poderá ser alegado como matéria de defesa em eventual ação
revisional, esta estará de fato impossibilitada de cumprir tais obrigações em
sua forma integral.
Apesar
disso, a revisão que prevê o abatimento total dos aluguéis no período acaba
beneficiando a locatário que ganhará o fôlego necessário para se recuperar e
prejudicando o locador que também necessita dos recebimentos. A melhor opção
sempre será encontrar o meio termo que atenderá a necessidade de ambas as
partes.
Lembrando
que as obrigações contratuais não deixam de existir com a renegociação de
termos contratuais, sendo vigente e válido o contrato, eventuais parcelas
renegociadas ou isentadas permanecem devidas, por isso a necessária análise do
Poder Judiciário em cada caso para que no futuro pós-pandemia estes contratos
permaneçam válidos e exerçam a sua função social.
O que
acontece com esta situação atípica e que deve ser considerada toda relação
jurídico-contratual é que há um princípio norteador chamado força obrigatória,
princípio já conhecido pelos operadores do direito. Significa que o Poder
Judiciário não se preza a desfazer uma relação jurídico negocial perfeita a não
ser que haja fortes indícios de invalidade sob pena de intervir indevidamente o
Estado na esfera privada.
Quando isso acontece, se provada, a necessidade de
revisão contratual, há vários caminhos. Um deles é teoria da
imprevisão aplicada aos contratos quando um
ou mais integrantes de uma relação se veem afetados por eventos impeditivos ou
modificativos no cumprimento das obrigações pactuadas.
Significa
que um contrato de longa permanência em que as partes se comprometem a prestar
um serviço ou efetuar pagamentos de forma reiterada poderá ser reanalisado se,
de forma repentina, haver um desequilíbrio ou até mesmo o rompimento do
contrato, desde que ocorra por fatos alheios à vontade das partes.
A teoria da imprevisão não é aplicada
quando incide um impedimento de foro íntimo das partes, e sim, quando um evento
externo é causador do desequilíbrio, em outras palavras, meras alegações de
desemprego repentino e dificuldades econômico-financeiras não são ensejadoras
de revisão contratual perante o Poder Judiciário.
O caso fortuito ou força maior comumente
abrange eventos da natureza e atos humanos dos quais não se poderão prever como
e quando ocorrerão. Este tipo de revisão deverá ser baseado na ausência de nexo
de causalidade entre as partes e o fato ocorrido. As inundações provenientes de
fortes chuvas, desabamentos, quedas de árvores, entre outros, poderão ser
considerados eventos de força maior.
No caso
em concreto, será avaliada a contribuição da parte para o evento danoso e esta
possui condições de prever ou impedir o fato ocorrido. Se ausente o nexo de
causalidade entre um e outro, poderá obter uma tutela satisfatória do estado.
O artigo
478 do Código Civil prevê que em contratos
de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
O
dispositivo de lei estabelece que a revisão por onerosidade excessiva só poderá ser utilizada quando o benefício
econômico adquirido por uma das partes se tornar de difícil cumprimento para um
e extremamente benéfico para o outro.
Por
exemplo, um contrato de compra e venda internacional em que as partes negociam
pagamentos de acordo com fechamento do dólar em repentina queda da bolsa de
valores passa a valer muito menos que em comparação com o real.
A
situação acima causará uma extrema desvantagem financeira ao credor que passará
a receber valores menores do que inicialmente previstos e o devedor que se
beneficiará com tais repasses. Note que para este fato não há nexo de
causalidade entre o comportamento das partes e a queda da bolsa de valores,
tendo se tornado a obrigação desequilibrada contratualmente por fato alheio à
vontade das partes.
O fato do príncipe é comumente aplicado
nas revisões de contratos administrativos e não deve ser confundida com os
institutos acima apresentados. O fato do
príncipe é a ação do Estado que gerou desequilíbrio em um contrato
celebrado perante a administração pública.
Isso pode
ser aplicado quando a empresa vencedora de uma licitação se depara com a
alteração do Código Tributário Nacional na vigência de seu contrato, tendo
ainda sido alterada e majorada as alíquotas de impostos sobre serviços e
impostos sobre circulação de mercadorias e serviços.
Quando
esta empresa passa a ter um aumento considerável em sua carga tributária que
lhe dificulta em adimplir com o contrato sem que isso lhe cause prejuízos.
Nesse caso, é aplicável a teoria do fato
do príncipe na revisão contratual dada a exclusiva responsabilidade do
Estado, não podendo intervir ou optar em nada com essa ação a empresa
prejudicada.
Giovana Casella e Marcelo Jordão Di Chiacchio
Escritório
RDC - Ribeiro, Di Chiacchio Sociedade de Advogados
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