Emprego está difícil, todo mundo sabe. Para o
trabalhador, os currículos enviados parecem não ter fim à medida que os dias,
semanas e, quiçá meses, se sucedem na busca pelo retorno à vida ordinária. No
que compete às empresas, se de médico e de louco todo mundo tem um pouco, é
hora de solapar salários e mascarar as vagas oferecidas: o famoso
“engana-trouxa.”
De acordo com o instituto britânico de pesquisa
Millward Brown, líder global em estudos de comunicação, cerca de 40% dos
indivíduos que se submeteram a entrevistas de emprego nos últimos seis meses,
detectaram, por parte do entrevistador, artimanhas comunicacionais para tentar
deturpar informações sobre o cargo oferecido, manipulando suas fraquezas
emocionais.
Por que motivo isto ocorre? Para o psicólogo
expert em psicologia criminal e psicopatia, Robert Hare, vender gato por lebre
nada mais é do que uma maneira corrompida que as pessoas encontraram para que,
diante da instabilidade e da insegurança, elas possam reestabelecer em seu
mundo interior a sensação de estabilidade e linearidade de outrora.
Trocando em miúdos, é como se, psicologicamente,
o indivíduo estivesse interpelando o seguinte diálogo interno: “estou me
sentindo amedrontado, oprimido e diminuído diante das ameaças existentes em minha
vida, logo, preciso me colocar acima do outro, enganando-o e inferiorizando-o
para que, assim, eu consiga amenizar o meu abominável sofrimento.”
Na perspectiva do especialista, o empregador que,
no fundo, morre de medo de lavrar sua empresa à falência, mas que não quer dar
o braço a torcer, passa a trocar o certo pelo duvidoso. Assim, “caiu na rede, é
peixe” passa a ser o seu lema de vida corporativa, repleta de teatralização,
mesquinhez, soberba, mentira, ironia, jogo de poder, sedução e manipulação.
Sabe aquele cargo que fora descrito como o mundo
dos sonhos? Na prática, não passou de pura jogatina para trazer você,
profissional qualificado e empenhado, para tentar escrever algo minimamente
certo por linhas para lá de tortas. Ou, ainda, para que uma andorinha, sozinha,
fosse capaz de fazer verão em uma terra em que, quem tem olho, em vez de Rei, é
caolho.
E na prática? Como identificar que o
entrevistador não passa de um picareta? Atentando-se às perguntas. Se elas
tiverem tom de curiosidade em demasia, como “de que forma vocês faziam A?” e
“de que maneira o departamento B era estruturado?”, na realidade, o
entrevistador lhe chamou para prestar uma consultoria gratuita e não para
contratá-lo para a vaga em questão.
Discursos inclusivos como “aqui, nós somos a
favor da diversidade” e “nesta empresa, somos todos uma família” denotam doses
de aliciamento emocional para camuflar aspectos nocivos da oportunidade que
está sendo proposta. Em vez de se deixar envolver, desvie do assunto, arguindo
sobre os atributos tangíveis do cargo como salário e benefícios estabelecidos.
“Na sexta-feira, nós fazemos happy hour no
bar da esquina” e “sempre tem pizza para quem fica depois do expediente” também
são elementos discursivos comuns dos executivos-embuste. Neste caso, você não
passa de uma criança carente que irá se contentar com doces e guloseimas. Fuja
desta cilada, retrucando: “existe política de banco de horas na empresa?”
Não se espante quando se deparar com a conversa
para boi dormir: “o salário inicial é este, mas, em alguns meses, voltamos a
discutir esta questão”. Para que você não faça do labor as tripas e o coração,
perceba que a questão latente é a necessidade do entrevistador para resultados
imediatos, com baixo custo, rebatendo: “como o plano de carreira é
estruturado?”
Por fim, confie no seu feeling. Caso
perceba sarcasmo na fala do interlocutor, saiba que esta é uma permissão
psíquica para que conteúdos proibidos, repletos de maledicência, entrem em
jogo. Capte bem as palavras que surgirem nestas ocasiões, interprete-as com
lucidez e lembre-se de que, assim como aludem os ditados populares: “onde há
fumaça, há fogo.”
Renan Cola - psicanalista da É Freud, viu?
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