Nesta
noite de 22 de março, enquanto escrevo, sinto o coração apertado. Sei que,
neste momento, os ratos se regozijam nos porões do submundo e os grandes abutres
festejam nas iluminadas coberturas do poder. Aos olhos escandalizados da nação,
o STF testemunhou contra si mesmo. Falou aos trancos com o “humanitário” Gilmar
Mendes. Soprou vaidade e ironia matreira com Marco Aurélio Mello. Tartamudeou e
olhou assustado com Rosa Weber. Perdeu resquícios de pudor militante e se
fantasiou de amor ao próximo com Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Deu razão
a Saulo Ramos com os floreios monocórdios de Celso de Mello.
Enquanto
confessavam suas culpas e exaltavam a impunidade, viralizava o crime, a
corrupção e o pandemônio moral. Suas palavras nos aprisionavam ainda mais,
corroendo esperanças que juízes de verdade haviam plantado em nossas almas.
Acabamos o dia numa cidadania vã, sugados feito bagaço, desprovidos de qualquer
poder e capturados pelo mecanismo que nos tomou como servos submissos,
pagadores das contas que não cessam de nos impor. Ironicamente, queriam
convencer-nos de que era tudo para o nosso bem! Ora, isso é tão ridículo que
não prosperará!
Reconheço. Assim como,
em Cuba, tive medo do Estado, esta tarde tive medo aqui. Medo de também nos
tomarem a esperança. Senti a dormência de sua perda e me lembrei das palavras
lidas por Dante no sinistro portal do Inferno: “Por mim se vai a cidade
dolente; por mim se vai a eterna dor; por mim se vai a perdida gente...”. E, ao
fim do verso, a sentença terrível que, há sete séculos, ecoa com letras escuras
nas horas sombrias: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Deixai toda
esperança, vós que entrais )
Não
exagero, leitor amigo. Ali estava, mesmo, o portal do Averno, do Inframundo.
Cinco dos sete pecados capitais eram encenados por uma tribo de togas. Os
dardos da ira cruzavam o salão como tiroteio na favela. A soberba se
refestelava na própria voz. Ah, o poder sem freios! A inveja se esbaforia entre
duas malquerenças: a do brilho e a da altivez. A preguiça, sim ela, fez parar a
sessão às 18 horas da tarde; ela mesma admitiu as férias pascais. A avareza
fremia de cupidez, olhos postos nos bilhões em honorários que se derramarão
para a imediata soltura de milhares de criminosos endinheirados, já cumprindo
pena de prisão por condenação em segunda instância. São sentenciados cujas
condenações extinguiram completamente a presunção de inocência, mas em relação
às quais não se completou – e talvez não se complete jamais – o rito do
trânsito em julgado. Ao menos enquanto houver talão de cheques com fundos
suficientes para puxar os cordéis da impunidade.
Todavia,
não! Este é o país de Bonifácio, de Pedro II, de Nabuco, de Caxias! Esse STF
fala por si e haverá de passar! Os corruptos não nos convencem nem nos vencem.
Trouxeram-nos às portas do Inferno. Exibiram-nos o portal de Dante. Que entrem
sozinhos. Perseveraremos.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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