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segunda-feira, 8 de setembro de 2014


Delação premiada

É rara a sociedade imune à corrupção. Há diferença de intensidade. Instituições bem ordenadas, aliadas a um "ethos" de moralidade pessoal e política, fazem-na menos expressiva. Estruturas de poder mal fiscalizadas, complexas por conta da prolixidade de leis, hipoprodutividade e escassez de bens sofisticados, dispensáveis e perseguidos por egos ambiciosos em conflito, são causas de corrupção crônica e disseminada a ponto de conduzir o Estado a um ponto crítico.

No mundo atual, de presença da administração pública na maioria dos negócios privados, a maior parte dos investimentos privados é dependente de uma configuração de poder. Consequentemente, a criação de riquezas não depende só da iniciativa de sujeitos capazes de produzi-la, mas, também, invariavelmente,  da burocracia pública. Em países como o nosso, no atual momento, essa burocracia espalhou seus tentáculos vorazes para abocanhar a maior parte da "res publica", submeteu a todos e gerou profunda crise de gerenciamento do Estado nacional.

Em um ambiente como esse, a velha Itália, do Império Romano,  berço jurídico da humanidade, do renascimento que iluminou os últimos séculos medievais, dos gênios das ciências e das artes, estava à beira da morte. A máfia tomara conta do governo. Não mais desafiava o poder, porque dele se apoderara; dava as cartas da administração direta e indireta em todos os níveis da República; com ela, caminhava a grande maioria dos servidores, certa de que poderia ter acesso a vantagens ilícitas sob o manto da impunidade.

Felizmente, este mundo não é composto só de bandidos. A "operação mãos limpas" foi um sucesso. O mal perdeu para o bem. A grandiosa república italiana voltou a respirar ares de saúde democrática sob um novo Estado, de direito e de justiça. O sentimento de ganhos ilimitados determinados pelo egoísmo, motor da corrupção endêmica,  cedeu, e foi possível a uma nova geração plantar suas esperanças. É certo que esse plantio não fez daquele mundo clássico um mar de rosas, mas hoje se pode afirmar que instituições sólidas garantem ao povo uma administração razoavelmente honesta de seus recursos.

O Brasil de hoje, depois de três governos conduzidos por um partido que se dizia impoluto, tão só porque emanado do chão fabril, se encontra naquelas mesmas miseráveis condições éticas. A bandeira da ética da política tornou-se um trapo, como todas as outras esgrimidas por uma lamentável demagogia de esquerda. Algo que provoca, em quem acompanhou esse grupo de trabalhadores e intelectuais desde seu nascimento, uma frustração inenarrável.

Nesse momento entra em cena o principal instrumento que permitiu aos operadores do direito penal varrer o lixo nauseabundo da corrupção: a delação premiada, instrumento pelo qual se viabiliza a punição de todos os grupos envolvidos no apossamento do direito público e, principalmente, de seus "capos". As penas não se restringem aos "bagrinhos".

E, ao contrário do que querem fazer crer os acusados, o delator não mente. Não por suas virtudes; já se disse que uma das figuras humanas mais deploráveis é o delator. Mas por uma óbvia razão pragmática. Se suas referências acusatórias de materialidade e autoria dos delitos forem soltas aos ventos, levianas, não só perderá o prêmio concedido pelo Estado em favor de seu estado de liberdade, ainda que restrita, como terá sua reclusão agravada. E tais delatores, principalmente quando se tratam de figuras do primeiro plano da política e da administração nacional, não são néscios que costumam dar tiros no pé. A delação, em geral, segue-se a um período inicial de prisão, da experiência da vida sem liberdade, do sofrimento familiar e de profundas cogitações sobre o ato a ser praticado, até mesmo pelo risco que envolve à sua integridade física. Logo, o delator, nesse momento, é movido pela seriedade imposta por um imperativo de todos os animais: a liberdade, ainda que relativa.

É o quanto basta para crer no delator premiado e, não, nos acusados, ambos seres humanos degradados, mas por simples interpretação do significado do pragmatismo. Os acusados certamente negarão os fatos, recorrerão à mentira; o delator não tem nenhum interesse no mesmo comportamento, sabedor de que denúncias vazias serão apuradas e sua situação jurídico-criminal agravada. Homens como  Paulo Roberto Costa , que fez as denúncias acerca dos insuportáveis saques contra a Petrobrás, podem ser qualificados com as piores classificações, menos a de ser um grotesco aprendiz de feiticeiro.

Às denúncias, nos próximos passos, certamente serão acrescidas provas e evidências. Rastros sempre ficam e sua constatação não pode escapar à experiência, imparcialidade e cultura jurídica dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Se este, enquanto superior instituição judiciária do País, não se revelar merecedor da confiança dos brasileiros, só resta ao último que se for apagar as luzes do aeroporto.

O mensalão será insignificante diante da magnitude econômica dos rombos provocados ao acervo patrimonial dos brasileiros. Diferença de milhões para bilhões, sem falar no que será descoberto depois da abertura da caixa-preta.

Tudo vale para os malfeitores justificar suas agressões aos direitos alheios. Inclusive a canhestra afirmativa de que delação, resultado de investigações e árduo trabalho policial que se arrastam há meses, não passam de intrigas pré-eleitorais para desconstituir a viabilidade da reeleição da Presidente Dilma Roussef, a grande responsável pelos fatos, tanto como Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, à época de Pasadena, e enquanto Chefe do Executivo Federal do Brasil.

 

Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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