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quarta-feira, 15 de julho de 2020

Novo coronavírus também causa morte por insuficiência cardíaca


 Autópsias de pacientes diagnosticados com COVID-19 que faleceram no Hospital das Clínicas da USP em São Paulo revelaram que alguns deles morreram principalmente em razão de alterações cardiovasculares (SARS-CoV-2; imagem: NIAID/NIH)

As autópsias realizadas nos últimos quatro meses em cerca de 70 pacientes diagnosticados com COVID-19 falecidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) revelaram que alguns deles morreram, principalmente, em razão de alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronavírus e não da insuficiência pulmonar.
Os pesquisadores dedicam-se agora a tentar desvendar qual o mecanismo de ação do SARS-CoV-2 que provoca, além de lesões epiteliais em praticamente todos os órgãos, alterações na micro e macrocirculação.
“Já sabemos como o vírus se distribui por órgãos como o cérebro e os rins, além das glândulas salivares e gônadas, por exemplo, e que ele chega ao sistema nervoso central por meio do nervo olfatório. Queremos saber, agora, como o vírus causa trombos na micro e macrocirculação de forma muito mais exuberante que a do vírus da influenza, por exemplo”, disse Paulo Saldiva, um dos coordenadores do projeto, em um debate on-line sobre a situação da epidemia de COVID-19 no Brasil que ocorreu segunda-feira (13/07), durante a “Mini Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)”.
evento é uma versão on-line e reduzida da 72ª Reunião Anual da entidade, programada para o período entre 12 e 18 de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, mas cancelada em razão da pandemia de COVID-19.
De acordo com Saldiva, entre os pacientes diagnosticados com COVID-19 e autopsiados que morreram em decorrência de alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronavírus havia adultos e também crianças, com idade de 8 e 11 anos.
“Eles tinham pulmões razoavelmente preservados, mas desenvolveram uma insuficiência cardíaca muito intensa, que levou ao óbito”, diz.
Em alguns casos, os pesquisadores identificaram a presença do vírus no músculo cardíaco – o miocárdio. Em outros, observaram trombose na microcirculação tanto pulmonar como cardíaca.
“Queremos entender as causas dessa situação para poder ajudar e intervir mais rapidamente no tratamento desses pacientes. Esse é um dos propósitos do projeto”, afirma Saldiva (leia mais em agencia.fapesp.br/32882/).
O procedimento de autópsia é realizado com técnicas minimamente invasivas, guiadas por métodos de imagem, por meio das quais são coletadas amostras de tecidos de todos os órgãos, desenvolvido no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP.
Mortalidade segregada
Os pesquisadores fazem a anamnese dos pacientes que morreram em decorrência da COVID-19 no HC-USP no mesmo momento em que pedem a autorização da família para realização da autópsia.
As respostas dos familiares indicaram que quase todos os pacientes e seus familiares tinham pleno conhecimento do risco da doença, mas não tiveram condições para se manter em isolamento social, conta Saldiva.
“Os familiares disseram que não puderam cumprir o isolamento por morarem em casas com grande número de pessoas, às vezes, em um único ambiente.”
Os dados sobre a origem desses pacientes também reforçam a constatação de que o risco de morte por COVID-19 no país é muito maior em regiões com piores indicadores socioeconômicos.
“O risco de adoecer por COVID-19 no Brasil não é tão caracteristicamente segregado nas regiões de menor nível socioeconômico, mas a mortalidade sim, e há dois fatores responsáveis por isso: habitação e, principalmente, utilização de transporte coletivo, para o deslocamento para trabalhar”, afirma Saldiva.
O pesquisador destacou que o adensamento urbano e a migração são os principais indutores de mutação de vírus respiratórios que a partir do século 20 passaram a ser os principais causadores de pandemias.
Enquanto no século 20 ocorreram duas pandemias por vírus respiratórios – a gripe espanhola entre 1918 e 1920 e a gripe asiática entre 1957 e 1958 –, no século 21 têm sido registradas duas pandemias por década. “Entre 2002 e 2004 ocorreu a SARS e, em 2009, a de pandemia de H1N1. Já em 2012 aconteceu a de MERS e, entre o final de 2019 e início de 2020, a de SARS-CoV-2”, comparou Saldiva.
“Ter vacina para combater essas doenças é desejável, mas insuficiente. Será preciso ter sistemas efetivos de testagem e identificação de vírus em todos os países”, avalia.
Além disso, será preciso aumentar a cooperação internacional, o financiamento e a realização de estudos na área da saúde não só por pesquisadores das Ciências da Vida, mas também de Humanidades, apontou Saldiva.
“Não se controla epidemias sem saber Antropologia, História e Urbanismo”, afirmou.



Elton Alisson
Agência FAPESP 


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