Com diagnóstico
precoce e tratamento, é possível ter qualidade de vida, estudar, trabalhar. Mas
é preciso acompanhamento regular com médico e equipe especialistas nesse tipo
de Esclerose
Em
30 de agosto é celebrado o Dia Nacional da Esclerose Múltipla, uma doença que
assusta, não tem cura, mas que tem motivos para comemorar a data. Os estudos
desse tipo de Esclerose avançaram nos últimos anos e novos tratamentos,
possibilidades de terapias e controle da Esclerose têm garantido mais qualidade
de vida e animado pacientes e médicos.
A
Esclerose Múltipla atinge cerca de 2,5 milhões de pessoas no mundo, só no
Brasil são 35 mil casos. A doença é considerada autoimune, afeta o cérebro,
nervos ópticos e a medula espinhal. Ainda não se sabe como ela surge e o porquê
de agredir a bainha de mielina, uma capa que protege os nervos. Esse ataque
causa interferência na comunicação do cérebro e gera sintomas sutis na primeira
fase da doença, muitas vezes imperceptíveis pelo paciente.
Por
isso, é importante ficar atento aos primeiros sinais da doença que são fraqueza
muscular, dores nas articulações, alterações na coordenação motora, depressão e
disfunções na bexiga e no intestino. Como existem outros tipos de Esclerose, o
diagnóstico é fundamental para iniciar o tratamento e impedir os avanços da
patologia, como explica a neurologista da NeuroAnchieta, Dra. Fernanda Ferraz.
O que é a Esclerose
Múltipla?
Esclerose
Múltipla é uma doença imunomediada, desmielinizante e degenerativa do Sistema
Nervoso Central. Ela acontece porque o sistema de defesa do organismo (sistema
imunológico) gera um processo inflamatório sobre a mielina, uma camada de
gordura que envolve as fibras nervosas no encéfalo, nervo óptico e medula
espinhal, comprometendo a condução dos impulsos elétricos.
Quais os primeiros sinais da
doença?
O
processo inflamatório que ocorre na Esclerose Múltipla gera lesões
desmielinizantes no Sistema Nervoso Central que se manifestam clinicamente como
surtos que comprometem a função neurológica da região acometida pela lesão. Os
sintomas iniciais e crônicos da doença são múltiplos e variam de paciente para
paciente, como: visão embaçada ou dupla, fraqueza, dormência e formigamento,
rigidez muscular (espasticidade), tontura, disfunção da bexiga e intestino,
disfunção erétil, dor, tremores. Além desses sintomas, o paciente pode
apresentar muita fadiga, transtornos emocionais, diminuição da libido e
prejuízo cognitivo.
A Esclerose é hereditária?
Pessoas
com história familiar positiva em parentes de primeiro grau têm um risco maior
que a população geral, porém não se pode dizer que a Esclerose Múltipla é
hereditária, pois os fatores de risco para a Esclerose Múltipla são vários e
por isso não está definida uma causa para a doença. Ela é mais frequente em
pessoas de pele branca, jovens entre 20 a 40 anos, sexo feminino, tabagistas,
histórico de obesidade na infância e adolescência, assim como prévia de
infecção pelo vírus Epistein Barr, consumo excessivo de sal e residentes em
regiões de clima temperado. A prevalência aumentada em populações que residem
em áreas com baixa exposição solar levou à identificação da relação entre os
baixos níveis de vitamina D no sangue e a progressão da doença. Estudos mais
recentes também têm buscado uma correlação entre a presença e atividade da
doença e o tipo de microbiota intestinal dos indivíduos.
Duas atrizes famosas estão
enfrentando a doença e compartilham com o público o que passam. A humorista
brasileira Claudia Rodrigues já fez tratamento com células-tronco e
quimioterapia. A atriz americana Selma Blair também fez quimioterapia e agora
está imunocomprometida, não pode ficar resfriada e precisa evitar contatos. Nas
duas situações a doença se manifesta de formas parecidas, mas o avanço é
diferente. Existem tipos de Escleroses?
Sim.
A Esclerose Múltipla pode ser classificada em 4 formas clínicas:
-
Remitente Recorrente (o paciente evolui com episódios surtos de déficits
neurológicos que surgem e melhoram) - corresponde a 85% dos casos;
-
Secundariamente Progressiva (após cerca de 10 a 20 anos de doença o paciente
passa a apresentar incapacidade progressiva independente da ocorrência de
surtos) - cerca de 80% dos pacientes com a forma Remitente Recorrente
desenvolvem a forma Secundariamente Progressiva ao longo do tempo;
-
Primariamente Progressiva (o paciente evolui desde o início da doença com
incapacidade progressiva sem a ocorrência de surtos clinicamente definidos) -
acomete 10% dos pacientes;
-
Primariamente Progressiva com surtos (o paciente evolui desde o início da
doença com surtos e incapacidade progressiva sem recuperação completa após os
surtos) - acomete 5% dos pacientes.
Quais são os tratamentos
para Esclerose?
O
tratamento da Esclerose Múltipla é muito complexo. Nos surtos, é administrada a
pulsoterapia com corticoide venoso ou terapias de alto custo, como
imunoglobulina venosa. Já nos surtos graves refratários ao corticoide, é
utilizada a plasmaferese. Para o tratamento a longo prazo, estão disponíveis
medicamentos imunomoduladores e imunossupressores com diversos mecanismos de
ação e formas de administração. A escolha do tratamento deve ser
individualizada, pois cada paciente apresenta características particulares de
modo de início e progressão da doença, fatores prognósticos, contraindicações e
tolerância. O transplante autólogo de células hematopoiéticas (ou transplante
de células tronco) está reservado para casos pontuais com alta atividade e
refratário aos tratamentos medicamentosos. A suplementação oral de vitamina D
está indicada para a manutenção de níveis do metabólito 25-OH- Vitamina D no
sangue entre 40 a 100ng/dL. Além da imunoterapia, o tratamento abrange a
abordagem farmacológica e não farmacológica multidisciplinar dos sintomas e
sequelas como tratamento da dor, espasticidade, transtornos emocionais e
cognitivos.
Como estão os estudos quanto
à doença? Há previsão de uma medicação que reverta os casos?
Atualmente,
não há cura para a Esclerose Múltipla, mas o conhecimento científico sobre a
doença é muito dinâmico e tem avançado bastante nas últimas décadas. Diversos
marcadores de atividade inflamatória e degenerativa têm sido identificados e
futuramente permitirão a monitorização mais acurada da progressão, mesmo na
ausência de surtos ou lesões evidenciáveis por exames de imagem e,
consequentemente, a prevenção mais precoce da incapacidade. Há novos
medicamentos com eficácia comprovada para as diversas formas clínicas que já
são utilizados em outros países e esperamos que em breve estejam disponíveis no
Brasil.
É possível prevenir a
Esclerose?
Como
a Esclerose Múltipla é uma doença multifatorial e de causa indeterminada não é
possível prevenir. O diagnóstico precoce ainda é a melhor estratégia para
retardar a progressão da doença.
Após o diagnóstico, como conviver
com a doença? É possível ter uma boa qualidade de vida mesmo sendo portador da
doença?
É
inegável que a Esclerose Múltipla transforma a vida das pessoas que têm a
doença. Contudo, é possível conviver com ela e ter uma boa qualidade de vida,
especialmente naqueles casos diagnosticados precocemente, que apresentam
fatores de bom prognóstico e fazem acompanhamento médico regular com
neurologista e equipe de saúde multidisciplinar com conhecimento profundo sobre
a doença.
Qual a expectativa de vida
de quem tem Esclerose?
A
expectativa de vida dos pacientes com Esclerose Múltipla aumentou muito no
século XXI com o surgimento dos medicamentos imunossupressores e com a maior
disponibilidade de métodos diagnósticos, como a Ressonância Magnética.
Entretanto, a expectativa de vida de quem tem Esclerose Múltipla ainda é 7 a 14
anos menor que a população geral. Essa estimativa varia nos estudos a depender
dos grupos de pacientes analisados e dos fatores prognósticos. As principais
causas de morte em pacientes com EM são infecções de vias aéreas superiores e
sepse.
Qual a importância do Dia
Nacional de Conscientização da Esclerose Múltipla?
No
Brasil, a EM é uma doença rara, acometendo cerca de 15 a cada 100.000 pessoas
em média, porém inicia predominantemente em indivíduos jovens que passam a
enfrentar inúmeros desafios impostos pela patologia. Os sintomas e sequelas
frequentemente geram limitações e nem sempre essas limitações são visíveis e
compreendidas pelas outras pessoas. Muitos médicos também não sabem reconhecer
os surtos clínicos, o que atrasa o diagnóstico e o tratamento. Além disso, em
nosso país, há muita dificuldade para o acesso aos medicamentos mais eficazes e
exames necessários para o diagnóstico e acompanhamento da doença. Portanto,
precisamos avançar quanto às normas e gestão da assistência aos pacientes com
EM. Diante desse cenário, as campanhas de conscientização sobre a Esclerose
Múltipla são extremamente relevantes.
Como falar da Esclerose sem
causar medo?
Ainda
há um estigma muito grande em torno da EM porque há cerca de 15 anos tínhamos
poucos medicamentos disponíveis e com baixa eficácia, o diagnóstico geralmente
era mais tardio e a maioria dos pacientes evoluíam com incapacidades
permanentes. Hoje, quando o paciente tem acesso ao diagnóstico e tratamento
precoces e otimizados é possível tratar a doença de forma muito mais assertiva
de forma que muitos indivíduos com EM podem estudar, trabalhar, praticar
atividade física, desenvolver seus talentos e habilidades, ter filhos e
envelhecer com qualidade.
Hospital Anchieta