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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Saúde não é mercadoria


Posicionamento da Fiocruz e Conselho Nacional de Saúde para a Global Conference os Primary Health Care, Astana

Quarenta anos depois da Declaração de Alma Ata, que garantiu o direito humano universal à saúde, vem aí a Declaração de Astana, que resultará da Conferência Global de Atenção Primária à Saúde, realizada 25 e 26 de outubro, no Cazaquistão.  A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reafirmam o compromisso da Declaração de Alma Ata com a defesa da justiça social, a saúde para todos e a superação das desigualdades entre e no interior dos países.

No primeiro dia do encontro será apresentada a declaração final com a incorporação de sugestões de vários países.  As contribuições da Fiocruz e do Conselho Nacional de Saúde contrapõem alguns pontos defendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que, caso sejam aprovados, servirão como diretrizes para todos os países. A maior preocupação é que a Carta de Astana desvirtue a de Alma Ata: em rascunhos da Carta já divulgados, a ‘atenção primária à saúde” vem sendo tratada como “cobertura universal de saúde”, centrada na cobertura financeira, que não necessariamente garante acesso aos serviços de acordo com as necessidades de saúde.

Nos primeiros rascunhos da declaração da Carta de Astana observa-se a redução da Atenção Primária à Saúde (APS) à cobertura universal, o que restringe significativamente seu alcance; a ausência do chamado à responsabilidade governamental para garantia do direito à saúde; forte ênfase na participação do setor privado – e certamente há enormes interesses privados de seguradoras, indústria farmacêutica, de equipamentos, entre outros, na expansão de seus mercados pela proposta de cobertura universal, contudo nenhum conflito de interesse é mencionado; ênfase na responsabilidade individual na garantia da saúde e de sua atenção à saúde; não se menciona o problema das desigualdades sociais e a necessidade de redução destas para a garantia do direito à saúde,  e nem se faz menção à justiça social, entre outras   questões.  

Para marcar sua posição, a Fiocruz compôs um grupo de trabalho que elaborou um documento de posicionamento em favor da Atenção Primária à Saúde integral, o direito universal de saúde e sistemas públicos universais de saúde - como o SUS.  O documento foi sintetizado a partir de contribuições de pesquisadores da Fiocruz sobre os temas mencionados nas primeiras propostas da Carta de Astana e outros constantes da programação da conferência em Astana já disponível na internet.  Integrantes deste grupo participarão da conferência em Astana.

 A expectativa é que se consiga pressionar por uma declaração de Astana que reafirme a proposta abrangente de Atenção Primária à Saúde da Alma Ata e os princípios da Carta de Alma Ata de saúde para todos e justiça social.  Que a carta aprovada avance em relação às primeiras proposições e que haja uma defesa mais clara do direito humano universal à saúde ao acesso de serviços de saúde conforme necessidades e da responsabilidade precípua dos governos na garantia deste direito.

Na região das Américas, a Opas teve que ampliar seu entendimento de cobertura universal para incluir acesso e garantia do direito humano à saúde, e recentemente, durante a reunião do seu conselho diretor, a comissão sobre Saúde Universal, presidida pela ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, apresentou um documento com preocupações como estas.


Justiça Social

Já nos objetivos da conferência global de Astana se inclui a Atenção Primária à Saúde à universal health coverage (UHC), cobertura universal de saúde (CUS). A CUS na forma como vem sendo difundida pelo Banco Mundial, Fundação Rockfeller e OMS centra-se na cobertura financeira, isto é, que cada indivíduo tenha um plano de seguro privado ou público, de modo que não incorra em gastos excessivos no ato de uso.

No entanto, a cobertura apenas financeira não necessariamente garante acesso aos serviços de saúde de acordo com as necessidades de saúde. Serviços de saúde não são distribuídos conforme necessidades de saúde se o governo não planejar e implantar um sistema em rede regionalizada com integração entre todos os níveis assistenciais que possam ser acessados conforme necessidade. Sem um desenho de sistema, se perpetuam desigualdades regionais e populações desfavorecidas não são cobertas. 

 Ao mesmo tempo, contratos de seguro implicam em definição de uma cesta de serviços cobertos que pode ser maior ou menor conforme a possibilidade de pagamento de cada um. A experiência de seguros focalizados para pessoas em extrema pobreza incentivada pelo Banco Mundial na América Latina produziu mais segmentação, mais iniquidade. Com seguros de saúde diferenciados por grupo populacional, as desigualdades são cristalizadas! Não se busca mais reduzir desigualdades sociais ou promover a justiça social! Muito diferente da proposta de sistema público universal de saúde que tem como princípio que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Muito diferente do que se propunha em Alma Ata.

Declaração de Alma-Ata
Aprovada na Conferência Internacional de 1978, o principal legado da Declaração de Alma-Ata foi a concepção abrangente e integral de atenção primária à saúde. 

Na Declaração de Alma Ata, APS é entendida como estratégia para organizar os sistemas de saúde e garantir o direito humano universal à saúde. Tem três componentes essenciais: 1) é o primeiro ponto de contato e a base de sistemas de saúde de acesso universal e cuidado integral; 2) reconhece a inseparabilidade da saúde do desenvolvimento econômico e social, envolvendo a cooperação com outros setores para enfrentar os determinantes sociais e promover a saúde; 3) promove a participação social para o empoderamento dos cidadãos na defesa e ampliação dos direitos sociais. Em um contexto distinto do atual, de independência de colônias africanas, democratização, organização de países periféricos em movimento dos países não alinhados, a defesa de justiça social, equidade, solidariedade e redução de desigualdades sociais é muito destacada na
Ainda que logo após a conferência de Alma, a Fundação Rockfeller, o Unicef e a OMS tenham difundido uma concepção seletiva de APS, um pacote mínimo de serviços para o grupo materno infantil e populações em extrema pobreza, esta concepção de APS integral conquistou corações e mentes ao redor de todo mundo na luta em defesa dos direitos humanos e orienta até hoje movimentos sociais locais e globais como o People Health Movement (Movimento pela Saúde dos Povos).

Em estudo realizado pelo Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde sobre APS nos 12 países da América do Sul, a declaração de Alma Ata era mencionada em quase todos os documentos de políticas de APS como estratégia para reorientar os sistemas de saúde e garantir o direito universal à saúde. Seu legado é a defesa do direito humano universal à saúde e que uma outra forma de cuidado de saúde mais integral é possível.



Estruturação jurídica de sistemas de franchising

A economia é dinâmica e a criação de novos negócios é constante. No setor de franchising observamos atualmente taxas de crescimento e a exploração de novos nichos, mesmo no persistente cenário de crise no Brasil. Agrega-se a isto o potencial de diversificação por força da internet e startups. Por tais razões, hoje em dia é comum nos depararmos com modelos de franquias não tradicionais, tais como, fintechs, jogos eletrônicos e aluguel de bicicletas.

Cabe registrar que o franchising continua moderno, na medida em que envolve empreendedorismo, valorização das relações interpessoais (vide relação  franqueador – franqueado), trabalho em rede, invenções, entre outros elementos, temas estes debatidos atualmente nas melhores escolas de negócios.    Sem qualquer dúvida, estes novos negócios devem ser incentivados, vez que levam modernidade para economia brasileira, geram competição, desenvolvem tecnologias, acarretando em benefícios para a sociedade.

Em qualquer formatação de negócio é fundamental estabelecer a sua base legal, bem como dar a devida formalização na criação da companhia e nas suas relações com terceiros. O enquadramento correto evita a exposição a riscos e possibilita que o agente econômico se beneficie de eventuais vantagens concedidas pela legislação (por exemplo, a configuração em termos de sistema de franquia protege o detentor da marca de dívidas de seus franqueados e vice-versa).

Ponto a ser destacado cuida das complexas, densas e “kafkianas” normas contábeis-tributárias brasileiras, as quais compõem de forma significativa o chamado “custo Brasil”. Ou seja, fundamental que o negócio seja adequadamente formatado na ótica jurídica, com o objetivo de evitar problemas contábeis-tributários, tão comuns nos Brasil mesmo para aqueles que se prestam a tentar cumprir todas as regras. 

Necessário esclarecer que a definição da base legal não é facultativa ou opcional, isto é, dependerá da natureza e das reais atividades exercidas pela empresa. Neste sentido, nem todos os negócios podem ser formatados como franquia, cujos requisitos se encontram dispostos no artigo 2º, da Lei 8.955/94. As vezes o negócio cuida de mero licenciamento (por exemplo, de softwares). Em outras aplica-se a Lei de Representação, em vista das atividades exploradas envolverem a intermediação de negócios.

Ademais, não é raro verificarmos sistemas híbridos, os quais os parceiros comerciais têm mais de uma relação contratual vigente ao mesmo tempo.






Daniel Alcântara Nastri Cerveira - advogado, pós-graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – SP, sócio do escritório Cerveira Advogados Associados, professor do curso MBA em Gestão em Franquias e em Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração – SP; de Pós-Graduação de Especialização em Direito Imobiliário da PUC-RJ; de Pós-Graduação em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor do livro "Shopping Centers - Limites na liberdade de contratar", São Paulo, 2011, Editora Saraiva.

Voucher educacional: nem temporário, nem por sorteio

E se para aumentar a oferta de vagas da educação o governo criasse um programa de acesso ao ensino, no qual as famílias de baixa renda escolhessem uma escola particular para matricular seu filho? E se essa escola recebesse um pagamento mensal, ou pelo menos um benefício fiscal, por aluno matriculado? É mais ou menos assim que funciona o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o mais elogiado e propalado programa educacional dos últimos 20 anos.

A proposta do voucher discutida na campanha eleitoral é baseada em um sorteio de vagas para famílias de baixa renda, com o objetivo de dar acesso à educação de qualidade. Em alguns estados e municípios, o voucher foi utilizado como medida temporária para suprir a escassez de vagas na rede pública, especialmente para educação infantil.

Nem temporário, nem por sorteio. O voucher educacional deveria ser pensado como estratégia definitiva para garantir o acesso à educação básica de qualidade e minimizar a desigualdade social. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram a diferença gritante entre a qualidade da rede pública e da rede particular. Essa distância acentua a desigualdade social do país e intensifica a necessidade de políticas compensatórias no ensino superior, como as cotas para universidades públicas. Ainda que tenham acesso ao ensino superior, a diferença de proficiência resultará em maior dificuldade de aprendizagem e menor taxa de permanência acadêmica pelos alunos provenientes da rede pública.

Outra vantagem do voucher educacional é o alívio nas contas públicas: o gasto com educação se tornaria uma despesa variável, de acordo com o número de alunos, e desoneraria as despesas fixas, como salários do funcionalismo. Além disso, reduziria a necessidade de investimento em construção de novas escolas e manutenção das existentes, que é a despesa mais sujeita à cortes nos apertos das crises econômicas.

O estado, como provedor de bens e serviços e fiscalizador de si mesmo, não funciona. Embora coloque metas de qualidade para as escolas públicas, em muitos municípios não há recursos suficientes para manter as condições mínimas de funcionamento exigidas em uma escola particular. Mas até o estado reconhece a deficiência da escola pública: a meta do Ideb para a rede particular é bastante superior à rede pública, na mesma proporção do desempenho apresentado. Se o estado utilizasse o poder de fiscalização para cobrar da iniciativa privada resultados que ele mesmo não consegue garantir, a educação teria mais qualidade, mesmo para as famílias de baixa renda.

O termo voucher educacional talvez não seja o mais adequado para expressar a proposta. Mas, por se tratar de uma medida que mexe com o funcionalismo público, nem mesmo um nome bonito e sonoro geraria simpatia por parte dos “filhos” do Estado.





Leide Albergoni - professora da Universidade Positivo (UP) e autora do livro Introdução à Economia – Aplicações no Cotidiano.


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