A Lei nº 13.415 de 2017, ainda nos idos do governo Temer;
alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança
na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo do estudante na escola
de 800 horas anuais para 1.000 horas anuais (que deveria ter sido implantado em
2022). Assim o Ensino Médio passa de 2.400 horas para 3.000 horas a serem
cumpridas em 3 anos.
Esta reforma definiu uma nova organização curricular, mais
flexível, que contempla uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que deve ser
aplicada em 1.800 horas das 3.000 estabelecidas e a oferta de diferentes
possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários formativos, com foco
nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional. Esta trilha
formativa deve ser ofertada dentro de 1.200 horas que somadas às 1.800 horas da
base comum totaliza as 3.000 horas que se estabeleceu.
Esta reforma foi debatida e trabalhada por mais de 5 anos,
sem poder julgar se todas as classes e se todos os brasileiros se sentiram
representados nos debates. Não podemos deixar de dar destaque ao fato de que 5
anos é tempo suficiente para se organizar uma excelente proposta, mesmo em um
país continental como o Brasil.
Algumas metas foram colocadas com a reforma, dentre elas:
1 – ampliar o tempo do aluno na escola, durante o ciclo do
Ensino Médio, de 2.400 horas para 3.000 horas, o que significa 25% de aumento
de carga horária. Se não é o período integral implica em ocupar, ao menos, 2
turnos de 2 dias da semana dos alunos,
2 – trazer a possibilidade de os alunos escolherem uma
trilha formativa, dentre as oferecidas pelas escolas, de maneira a fazer com
que 1.200 horas das 3.000 horas do novo Ensino Médio estarem associadas a uma
escolha dos alunos, expectativa de mais engajamento e mais satisfação nos
estudos e
3 – reduzir o currículo mínimo da etapa do ensino médio,
ao menos, na carga horária, levando de 2.400 horas para 1.800 horas, uma
redução de 33% do tempo de estudo para o chamado ciclo básico da etapa.
A mudança proposta se apresenta como tendo objetivos de
garantir a oferta de educação de qualidade a todos os jovens brasileiros e de
aproximar as escolas à realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas
demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade.
Sendo assim, porque tanto debate, tanta angústia e decepção
apresentadas por grupos importantes vinculados a esta etapa?
Cabe lembrar que uma lei promulgada em 2017 só está sendo
aplicada, ainda com tantas queixas e dúvidas, a partir de 2022, e como sendo
algo a ser universal, ainda em março de 2023 sequer foi significativamente
posta em prática e ainda é ponto de discussão e debate contra as suas
propostas.
Apesar dos dois anos de pandemia, com isolamento social
entre pleno e parcialmente aplicado, o setor de educação se mostra muito
letárgico e bastante desmotivado a fazer mudanças, sejam elas quais forem.
A insegurança dos possíveis benefícios que a reforma
alarda trazer está no fato de que docentes e alunos das escolas públicas, na
sua maioria sentem que a escola que existe não está preparada para dar estes
saltos e que as mudanças mal aplicadas trarão mais diferenças entre os alunos
formados em escolas particulares de qualidade e as escolas privadas mais
simples e mais ainda nas escolas públicas.
As escolas particulares de qualidade já ofertam mais de 3.000
horas de estudos desde antes de 2017, a reforma nada afetou a vida destas
comunidades de docentes e alunos. Mas nas escolas que trabalham com o limite de
carga horária, devido aos custos, sejam privadas ou públicas a reforma do tempo
deveria ser vinculada a uma excelente discussão de seleção de temas e curadoria
de conteúdo.
A redução de 2.400 horas para 1.800 horas dos temas comuns
não pode ser aplicada sem que os professores dos sistemas de ensino, privados
ou públicos definam o que deve ser retirado do currículo dado que estudar todo
o conteúdo em menos tempo, 600 horas a menos, é inviável, e trará mais
dificuldades no processo de aprendizagem.
A nova BNCC associou temas, mas sendo algo muito amplo que
exige desapego dos professores e debate claro de escolha dos conteúdos e das
estratégias mais adequadas. A discussão é o que sustenta melhor o aprendizado
para dar autonomia aos alunos? Leitura e Interpretação de Textos? Cálculos
Básicos de Razão, Proporção e Fração? Elementos de Ciências que Fundamentam
Fenômenos da vida?
Assim, se o trabalho de planejamento e escolha dos
conteúdos e uma melhoria de estratégias não ocorrer, o grande problema que se
apresenta é a mesma quantidade de conteúdo a ser desenvolvida, em menos tempo,
com os mesmos professores limitados a suas formações e sem nenhuma nova
estratégia ou metodologia.
Outro grande problema está nas trilhas formativas que
serão oferecidas, pior do que não ter o que escolher é ter que escolher entre
opções que não interessem, não encantam e aí os alunos se sentem ansiosos e
contra uma proposta que temem que seja de escolhas por trilhas não
encantadoras, sem recursos tecnológicos.
Como os alunos e os professores conhecem as suas escolas e
percebem que nada foi feito quanto à capacitação dos docentes, implantação de
estruturas laboratoriais necessárias a, pelo menos, 2 trilhas formativas que
são Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia) e Profissionalizante (com
dezenas de eixos) surge uma insegurança que se expressa na proliferação da preocupação
de que, com menos tempo, mesmos conteúdos e sem qualquer inovação se aprenda
menos do que antes, ampliando a desigualdade entre os alunos das escolas
particulares e as públicas.
A oferta de educação profissional é tida como uma
deformação da educação pelos acadêmicos puros, que desde o século XII com a
criação da 1ª Universidade debatem que o saber não pode ficar à mercê do
capital. A discussão vem da proposta de que mais de 96% dos alunos das escolas
públicas querem fazer cursos técnicos, como escolha da sua trilha formativa.
Enfermagem, Administração e Informática para Internet são
exemplos de cursos que são tradicionais e com forte chance de empregabilidade.
Porém, fazer com que aluno escolha uma carreira tão cedo pode ser incompatível
com a sua maturidade.
Ao contrário do que pensam que a oferta desta vertical de
saber, o profissionalizante, minimiza o aprendizado e limita a ciência,
acreditamos que todo saber contextualizado e aplicado tem valor na
empregabilidade, mas mais ainda na forma de aprender e construir saberes além
dos desenvolvidos.
A resposta a este debate incessante precisa acontecer, a
risco de perderemos mais uma década na discussão e passarmos a ser um país de
velhos, com mais idosos do que cidadãos na idade produtiva (limite 2035) e que
não definiu como formar seus jovens para a cidadania, para a governança pública
e para o mundo onde o trabalho é parte cada vez mais importante, por gerar
renda, autonomia e capacidade de exercer seus desejos.
Vamos acelerar a implantação de uma política pública de
valorização do cidadão, dando a ele, na idade certa, educação que constrói
saberes, contribui para os fazeres e permite que sejam ativos na sua
trajetória.
Francisco Borges - mestre em
Políticas Públicas de Ensino e consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia
(Fundação FAT).