As ruas quase vazias de Porto Alegre, nos
instantes anteriores ao início do jogo contra o México, e o fervilhante acúmulo
de pessoas diante dos telões em todo o Brasil, reafirmaram, hoje (02/07), o
quanto é singular e bissexta nossa exaltação patriótica.
Roendo unhas e unindo as palmas das mãos
em oração, aquelas multidões exibidas na TV me trouxeram à mente os versos de
Cassiano Ricardo em “Exortação” (muito provavelmente suprimidos dos repertórios
escolares). Em torno da magia do gramado mesclavam-se, abraçavam-se,
exclamavam-se, como que saídos da pena do poeta, os filhos do imigrante loiro e
diferentes gerações que ele proclamou filhas do sol, do mar e da noite. Basta
olhá-los para reconhecer os traços marcantes de diferentes etnias, num convívio
alegre e espontâneo que a sociologia de relógio atrasado, gostaria de apartar,
imputar culpas, construir conflitos e gerar contas a pagar.
A seleção brasileira desmente os
“intelectuais” farsantes. Desmente-os dentro do gramado, nas arquibancadas e
nas multidões reunidas na praça. O Brasil mal-humorado deve ter fechado os
olhos para não ver tanto verde e amarelo num cenário onde não se conseguia
vislumbrar sequer um pedaço de trapo vermelho.
O brasileiro ama o Brasil. Ele foi
ensinado, porém, a repudiar esse sentimento. Foi sonegado a ele o direito de
conhecer sua identidade, de ser informado sobre toda a dignidade presente na
nossa história, de admirar o valor dos grandes vultos da pátria e seus
exemplos. Maus brasileiros, industriados à tarefa professoral de “formar para a
cidadania”, dedicam-se, como baratas, a correr pelos cantos escuros do passado
em busca do lixo perdido (que país não o tem?). Nesse triste caminhar rejeitam
as virtudes, os grandes exemplos e as nobres realizações (que outro país faz
isso?). Até das estampas de nossas cédulas essas figuras notáveis sumiram para
ceder vez a onças e araras, como me observou, recentemente, um leitor atento.
Não surpreende que, no desdobramento, a
mal-amada pátria resulte na mal tratada pátria. Até que um belo dia – verde,
amarelo e bissexto – o amor explode, a emoção enche os corações e traz lágrimas
aos olhos. Claro. Como não chorar sentimentos tão sonegados e contidos?
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil, integrante do grupo Pensar+.