Grandes alterações legislativas, em geral, não produzem efeitos
imediatos na vida de relacionamentos. No caso da Reforma Trabalhista tivemos em
2017 um processo de transformação que somente será implementado a partir das
iniciativas de empregadores, empregados e sindicatos e, deste jogo a três às
vezes a dois poderá ser construído não um novo Direito do Trabalho, mas,
certamente um Direito do Trabalho ajustado à realidade, seguro e fundado na boa
fé.
Em 2017 se plantaram as transformações dos modelos contratuais, novas
responsabilidades aos sindicatos e limitações para o Judiciário Trabalhista. As
discussões vistas a todo canto, com as diversas nterpretações, conservadoras ou
não, chegaram a convergir em diversos pontos concluindo que nem tudo é bom e
nem tudo é ruim. Cada um se serviu das Leis n. 13.429/17 (a da terceirização) e
n. 13.467/17 (a da Reforma) como quis, segundo seus princípios ideológicos,
valorizados pelo momento político do País.
Na terceirização regulamentada foram dirimidas as dúvidas: (i) o risco
da relação jurídica da tomadora, sempre subsidiária e mantida a orientação
jurisprudencial do TST; (ii) o conteúdo da relação jurídica que mantém a mesma
orientação da Súmula 331 quanto ao impedimento da marchand age; e, (iii) os
direitos atribuídos aos empregados da empresa prestadora de serviços em choque
frontal com o modelo de organização sindical que, naquele momento, ainda
disputava o reconhecimento de categorias profissionais para aumentar a
arrecadação sindical.
Na chamada Reforma, há, incontestavelmente, uma mudança substancial na
forma protecionista de pensar: saímos do modelo tradicional de proteção do
Estado para privilegiar a relação contratual e a boa-fé. E isto vale para as
relações individuais, quando o empregado receber salário superior ao dobro do
teto do benefício da Previdência Social, e para as relações coletivas em que
deverá prevalecer a autonomia privada coletiva, responsabilizando o sindicato,
portador exclusivo dessa manifestação da vontade coletiva.
Portanto, no plano individual, empregados e empregadores, a partir de
determinadas condições, poderão rever seus contratos de trabalho e criar um
novo relacionamento, menos atrelado a vícios e com maior integração na vida das
empresas. A liberdade de contratar poderá ser utilizada como forma de efetiva
preservação do emprego.
O tratamento dispensado pela legislação consolidada para a proteção de
direitos dos trabalhadores submetidos à condição de empregado sempre foi e
continuará sendo a dos artigos 9º, 444 e 468 da CLT, e que exprimem uma
liberdade contratual contida sob pena de nulidade, elevada que está a
legislação trabalhista e a proteção do trabalho ao nível de interesse e ordem
públicos.
O novo pensamento e a transformação no Direito do Trabalho é do que
trata o disposto pelo artigo 8º da CLT que recebeu parágrafos essenciais para a
alteração na intepretação prevista no caput: (i) restringe o direito comum como
fonte subsidiária do direito do trabalho, excluindo a incompatibilidade com os
seus princípios fundamentais; (ii) fixa parâmetros para a jurisprudência do TST
e TRTs; e, (iii) impõe a observância do disposto pelo artigo 104 do Código
Civil, privilegiando a autonomia da vontade coletiva, aqui, portanto,
responsabilizando a atuação sindical.
No plano das relações coletivas, os sindicatos se movimentarão para a
continuidade de arrecadação das contribuições sindicais agora não mais
obrigatórias e, sem nenhum respaldo jurídico que possa impor a não associados
de sindicatos a obrigação de contribuir. A mudança atinge sindicatos de
empregadores e de empregados. Muitos, de ambos os lados, flagrados pela
realidade de pouca receita em razão da baixa representatividade, deixarão de
existir. Categorias (se é que serão mantidas) serão aglutinadas a outras. As
negociações coletivas, especialmente para empregadores de alguns setores
econômicos, serão mais eficazes no âmbito das empresas.
O que se viu em 2017 foi uma inquietação de sindicatos tradicionais em
razão das dificuldades econômicas que enfrentarão para pagar suas contas, fato
este que levou alguns sindicatos à dispensa coletiva de trabalhadores e
organização de Planos e Demissão Voluntária.
A ausência da contribuição sindical compulsória exclui de vez com a
inconstitucionalidade do chamado controle da unicidade sindical atribuído por
interesses de velhos sindicatos, antigos detentores de feudos de representação,
ao Ministério do Trabalho e Emprego. Todos são livres para formar sindicatos e,
se representativos, adquirirão o direito de negociar porque estarão legitimados
pelo grupo que representa. A pluralidade sindical poderá ser o caminho de
reconstrução dos sindicatos.
O Judiciário Trabalhista recebeu do legislador o reconhecimento do
resultado do trabalho de anos diante de uma legislação que permitia abusos na
sua prática e que deixava um vazio enorme para que a casuística se
transformasse logo em Súmulas e direitos adquiridos, travando a evolução das
relações trabalhistas. A Justiça do Trabalho funcionava (e vai continuar assim)
como o último reduto da aplicação da proteção trabalhista reparadora.
Os processos trabalhistas manifestaram uma tendência de queda em razão
da ausência de gratuidade e da sucumbência da nova lei. Talvez retomem os
ajuizamentos de ação para a reparação de eventuais prejuízos, concretos e
definidos, mais refinado e com maior valorização do processo e da Justiça do
Trabalho. De fato, a porteira de entrada de ações inconsistentes está mais
estreita e com a arbitragem e a solução extrajudicial os processos trabalhistas
tenderão a representar o limite de uma negociação prévia frustrada.
Os próximos tempos serão de acomodação das novas disposições legais e
todos deverão, com responsabilidade, ter o cuidado de evoluir sem saudosismo do
passado tão criticado ao seu tempo.
Paulo Sergio
João - advogado, professor de Direito Trabalhista da FGV, PUC-SP e FACAMP.