A pesquisa Global Talent Trends 2019 do LinkedIn
destaca quatro grandes tendências sobre o mercado de trabalho. Farei um resumo
comentado e adaptado para a realidade brasileira da principal tendência
detectada na pesquisa: o aumento da importância das Soft Skills (SS), inclusive
listando as cinco principais. Mesclei o conteúdo da pesquisa com o conhecimento
do ambiente empresarial do país, seja o estritamente corporativo como também o
que tenho presenciado em aulas de MBAs e Educação Empresarial.
Tecnologia requer Soft Skills
Parece até uma contradição - quanto mais se fala em
inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina, bots e realidade
aumentada, maior será o protagonismo das SS. Seja através dos profissionais com
competências interpessoais, linguísticas e sociais, seja por parte das empresas
que sabem atrair, valorizar e aproveitar esses talentos.
No Brasil, as Soft Skills têm uma relevância acima
da média mundial (95% contra 92%). O relatório final da pesquisa não analisa as
causas das diferenças entre países, que podem ser culturais ou econômicas.
Deixo registrados alguns insights para análises e estudos mais detalhados:
- Dos
seis países em que a importância das SS é maior, quatro são latinos
(México com 96%; Brasil, Itália e Espanha empatados em 95%). Os outros
dois são Índia e os países do sudeste asiático.
- Os
menores índices, ainda assim altos, vêm da Europa do Norte (82%), Holanda
(85%) e Alemanha (88%).
É preciso destacar que o levantamento, em grande
parte, teve como base o conteúdo do próprio LinkedIn, o que limita os
resultados para os grandes centros urbanos do Brasil. Ainda convivemos com
empresas que trabalham e obtêm bons resultados seguindo o modelo tradicional de
comando-controle, limitando RH a DP, priorizando indicações pessoais sem
meritocracia e outras ações que estão distantes das mudanças da nova economia.
O aumento da concorrência, a redução da presença
estatal e as mudanças na tecnologia e mercado podem acelerar essas mudanças. Em
paralelo, tenho presenciado diversos casos, mesmo fora dos grandes centros, da
mudança de cultura e estratégia em empresas pequenas e médias (geralmente
familiares) com a passagem do comando para as novas gerações. Em grande parte
porque hoje o conhecimento está muito mais disseminado e as lideranças mais
novas dispõem de um arsenal de ferramentas, livros de referência e consultorias
nunca antes vistos no Brasil.
Evidentemente, deve-se tomar cuidado com conteúdos
demasiadamente teóricos e pouco aplicáveis (criados no contexto dos EUA e
Europa) e fenômenos como "empreendedorismo de palco" e "pop
management", mas isso é outra história.
Competição contra as máquinas
O Relatório do LinkedIn começa com uma frase
precisa: "Soft Skills - onde as máquinas não podem competir". Bingo!
Isso explica porque as empresas buscam (ou deveriam buscar, se não quiserem
murchar) cada vez mais essas competências entre os profissionais. O número de
vagas para trabalhos mecânicos e repetitivos, como mostram as estatísticas, têm
encolhido - no Brasil, inclusive. Em compensação, profissionais de IA e ciência
de dados ocupam espaços em todas as áreas das empresas, incluindo Recursos
Humanos.
Detalhe: a competição com as máquinas se estende às
empresas. Elas precisam recriar seus modelos de negócio para enfrentar novos
entrantes, que já nascem com estratégia e estrutura desenhadas a partir das
novas tecnologias. Há startups para tudo: Fintechs, Healthtechs, Edtechs (ou
Edutechs) e Lawtechs. Ou seja, empresas que mantiverem uma estratégia que leve
a uma política de atração e seleção para competências demasiadamente "Hard
Skill" correm o sério risco de perder espaço no mercado e ver reduzir o
faturamento e os lucros.
É a velha história da "sobrevivência do mais
apto" (que é erroneamente citada como "do mais forte"). A
pesquisa do LinkedIn mostra como as empresas, mesmo nos setores e regiões mais
dinâmicos, ainda têm muito a melhorar nesse aspecto.
Soft Skills no mercado de trabalho
O papel das SS na busca por empregos é essencial.
Elas se referem a competências perenes, ao contrário das Hard Skills. Uma
determinada linguagem de programação pode desaparecer (na adolescência fiz
curso de Cobol!), mas criatividade e capacidade de adaptação continuam sendo
valorizadas.
Para Lydia Liu, Diretora de RH da Home Credit
Consumer Finance, "as Hard Skills abrem portas, as Soft Skills fazem os
candidatos entrarem". De acordo com a pesquisa, 80% dos entrevistados
concordam que ocorre um aumento da importância das SS para o sucesso das
empresas.
Quais Soft Skills estão em alta?
De acordo com a pesquisa, as principais Soft Skills
são:
Criatividade: Muitas
pessoas ainda associam com arte e cultura, ou com gênios tipo Einstein e
Professor Pardal. Na verdade, criatividade significa uma forma de solucionar
problemas de maneira original - algo que as máquinas não conseguem replicar
adequadamente. Esta tendência aumentará exponencialmente até 2030, de acordo
com uma pesquisa da McKinsey.
Persuasão: Recentemente, um computador
da IBM enfrentou o campeão mundial de debates - e perdeu! O caso mostra como a
IA não conseguirá tão cedo dominar, no mesmo nível dos humanos, as competências
de linguagem e expressão. Entre elas, Comunicação Interpessoal, Negociação,
Resolução de Conflitos, Linguagem Não-Verbal, Empatia e Escuta Ativa
("Escutatória", nas palavras do escritor Rubem Alves). Apesar da
pesquisa não aprofundar o tema, percebo aplicações em todas as áreas e níveis hierárquicos
das empresas. O melhor modelo para o Desenvolvimento de Carreira - o Pipeline
de Liderança de Ram Charam - basicamente mostra com quem cada liderança precisa
se comunicar e persuadir: você mesmo (etapa inicial e mais difícil de todas!),
sua equipe, líderes de equipes, líderes de outras áreas, diretorias, CEO,
conselho de administração e público externo (stakeholders como sociedade,
governo e imprensa);
Colaboração: Há algumas décadas, autores
cunharam expressões como "inteligência coletiva" e "inovação
aberta". É o paradoxo do conhecimento: cada vez depende menos de soluções,
ideias e criatividade individual, por mais que possa ser contraditório
(lembre-se da primeira da lista). Repare como a Colaboração para ser efetiva
necessita das duas Soft Skills anteriores, Criatividade e Persuasão. Em outras
palavras, Conteúdo e Forma. É através da colaboração que as ideias conseguem se
tornar produtos e serviços e gerar valor econômico. Mesmo quando se trata de
empresas diferentes.
Adaptabilidade: Como foi
citado, quem sobrevive é o mais apto, não o mais forte. E a flexibilidade é
fundamental para um profissional se adaptar a um mundo que não para de mudar.
Como escutei de um cliente da área de Atração e Seleção, "nós não
avaliamos um candidato pelo que ele sabe. Provavelmente daqui a um ano esse
saber já ficou ultrapassado. Nós o avaliamos pelo que ele não sabe - por sua
capacidade de aprender rápido alguma coisa. Colocamos, no processo seletivo, um
problema que nem existe ainda, ou que nós não sabemos a resposta". Por
isso que já presenciei casos de bons profissionais que vieram de áreas
aparentemente não-corporativas, como Jornalismo, Antropologia e Pesquisa
Científica (vide o físico nuclear Clemente Nóbrega!). Em geral, todos acumulam
uma formação e experiência que desenvolveram a capacidade de aprender rápido,
ou "aprender a aprender";
Gestão do Tempo: É
essencial, porque se trata do maior ativo para pessoas e empresas. A gestão do
tempo é uma grande medida da produtividade de um profissional. Mais ainda, a
forma como ele aloca seu tempo diz muito sobre ele: Quais são as prioridades? O
que ele considera importante e o que é secundário? Como ele gerencia seu tempo
com superiores, colegas e subordinados? Essas questões são fundamentais.
Particularmente, gosto muito de iniciar trabalhos de desenvolvimento de
lideranças analisando e discutindo a grade de horários para chegar às
prioridades.
Eduardo
Refkalefsky - Doutor em Comunicação, consultor e palestrante.
Professor convidado de cursos da IBE Conveniada FGV, leciona Estratégia,
Negociação e Desenvolvimento de Carreira.