O
cidadão tende a confiar, em princípio, no discurso de seus governos legítimos.
Por seu lado, os governos não podem e não devem mentir aos cidadãos.
Lamentavelmente, o Brasil é um país de confiança fundada do povo e de
escancaradas mentiras de seus governantes, num terreno de difícil acesso à
compreensão da maioria da população - finanças públicas.
Há anos o Brasil vive sob grosseira
inconstitucionalidade. O dispositivo nevrálgico, porém maltratado, está no art.
167 de nossa Constituição da República, ao dispor: "É vedado: XI - a
utilização de recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o
art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de
benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."
O art. 201 discrimina os benefícios.
Os mencionados recursos estão previstos no art. 195,
nestes termos: "A seguridade social será financiada por toda a sociedade,
de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e
das seguintes contribuições sociais".
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada, na forma da lei, incidente sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho
pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro.
II. do trabalhador e dos demais segurados da previdência
social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidos pelo
regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III. sobre a receita de concurso de prognósticos.
Nada mais claro. Contudo, desde 1994 esses recursos estão
sendo desviados por sucessivos governos, supostamente para pagamento dos juros
da dívida da União. Supostamente porque, no Brasil de hoje, não sabemos aonde
vão parar os desvios. No referido ano, foi criada o Fundo Social de
Emergência. Depois passou-se à Desvinculação de Receitas Federais.
Finalmente, por força da Emenda Constitucional n. 68, Desvinculação das
Receitas Federais (DRU). Consequência: no final de 2015, dos 1,8 trilhão
arrecadas pelo Tesouro por meio dessas receitas vinculadas, 1,1 trilhão foram
apropriados pela União.
Os governos, inclusive o atual, sempre sustentaram a
constitucionalidade desse procedimento incorreto, jurídica e moralmente,
socorrendo-se da Emenda Constitucional n. 68, que deslocou 20% dos
recolhimentos de seu caminho reto. Ocorre que Emenda Constitucional também pode
ser inconstitucional, sendo entendimentos de Cortes Supremas internacionais e
de nosso Supremo Tribunal Federal.
Feita essa consideração, ao lado de outras, a Associação
Nacional dos Auditores Fiscais do Brasil divulgou um quadro, com dados
irrespondíveis, demonstrativo de que a Previdência não gera nenhum
"deficit", inclusive para o pagamento de aposentadorias, mas, ao
contrário, produz "superavit". Se considerarmos falsas as
demonstrações dos Auditores Fiscais, a República, efetivamente, está
perdida.
O que nos leva a por de manifesto essa situação crônica é
o sentimento, que o governo dissemina na sociedade, de que o grande vilão de
nossas desgraças é a Previdência Social. Como se renúncia fiscal para
indústrias automobilísticas não houvesse nos empobrecido, com carros na porta e
em ruas intransitáveis. Várias outras isenções e imunidades foram concedidas,
especialmente por meio de emendas "jabutis" contrabandeadas em leis
de conversão em medida provisória, até que o STF as proibiu, porém somente
"ad futurum", em ação direta de inconstitucionalidade subscrita pelo
autor destas modestas linhas.
Enfim, nossos trabalhadores vão pagar a corrupção, as
irresponsabilidades e as bandalheiras, mais uma vez em nossa sofrida história.
No mínimo, deveriam vir à luz todas essas circunstâncias e não ficar-se no
discurso único e equivocado de que o "saneamento" da Previdência
Social saneará o Brasil. Entretanto, a divulgação da demonstração feita pelos
Auditores Fiscais do Brasil permanece somente nas redes sociais, como se fosse
algo impatriótico.
Amadeu Roberto Garrido de Paula -
advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas