Em
oito de março comemoramos o dia Internacional da Mulher. E no último dia três a
Câmara Federal aprovou projeto de lei que inclui no Código Penal o
“feminicídio” ou homicídio de mulher por razões de gênero quando envolver, por
exemplo, violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a
condição feminina. O crime pode levar a penas de 12 a 30 anos de prisão e foi
também classificado como hediondo. Essas penas podem ainda ser aumentadas
se o assassinato ocorrer contra mulheres grávidas, nos três meses posteriores
ao parto; contra menores de 14 anos, maiores de 60 anos ou pessoas com
deficiência; e na presença de filhos ou pais das vítimas. A lei seguiu para a
sanção presidencial.
Saúdo
as novas penas, mas lembro que ainda estamos por ver avanços reais nas práticas
da Lei Maria da Penha, das delegacias das mulheres e no dia a dia da sociedade
brasileira. O balanço para as eleições de 2014 é ilustrativo e aponta um
resultado frustrante para a representação feminina no Congresso, nos
legislativos e nos executivos estaduais. Indica a insuficiência dos sistemas
eleitoral e político brasileiros quanto à democratização . As mulheres são 51%
da população brasileira e 52% do eleitorado. E se o eleitorado brasileiro, como
se diz, não tem preconceito em votar nas mulheres, por que a participação
feminina na política cresce apenas 1%, em média, a cada eleição? Precisamos
procurar as respostas.. E elas não estão em pesquisas, mas na própria estrutura
política brasileira.
Ela
precisa de mudanças substanciais para incluir de forma efetiva as mulheres na
política. Caso contrário será impossível inverter o quadro da
sub-representação. A lei que determina cotas de candidaturas (no mínimo 30% e
no máximo 70% para cada sexo) não foi suficiente levar as brasileiras ao poder
formal. É notável, ao mesmo tempo, que nas eleições presidenciais do ano
passado, apesar do total de 11 candidatos à presidência da república apenas
três serem mulheres, elas ficarem entre os quatro primeiros colocados no
primeiro turno. Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro alcançaram juntas
67 milhões de eleitores ou 64,5% dos votos válidos.
A
mulher – mesmo em comunidades mais fechadas e conservadoras – começou a se
destacar já no século passado como ponto de referência das conquistas sociais e
do desenvolvimento humano, mas é evidente o quanto lhe tem custado essa
proeminência, qualquer que seja o ponto de vista da análise. Um exemplo
dramático refere-se à competição com os homens por postos de trabalho semelhantes
que seguem remunerando melhor a “força” masculina.
Especialmente
nas classes menos favorecidas, a mulher continua penalizada no direito à saúde,
à educação, ao lazer e às responsabilidades familiares, que a obrigam a cumprir
duas ou mais jornadas de trabalho se a essas precisa somar as obrigações de
funcionária, especialmente nas grandes cidades brasileiras onde o transporte
público é desqualificado e os pobres são cada vez mais afastados para as
periferias onde não existem empregos ou presença do Estado.
Ao
mesmo tempo, aliadas ao consumo e à consumação da própria mulher, as tendências
cada vez mais fortes e explícitas de glamourização, mercantilização, “beleza”,
exposição e vulgarização do feminino minam os esforços de autoafirmação do
gênero perante a sociedade, os homens e até diante de outras mulheres.
Essas
lutas de hoje, que já promoveram muitos e reconhecidos avanços, como a licença
maternidade e a proteção contra a violência – especialmente masculina, são
novas apenas na memória curta brasileira. As ideias de reconstruir o papel da
mulher nasceram do movimento socialista mundial, no final do século XIX e
começo do século XX. Lá nos escritos de Marx e Engels é possível identificar as
raízes. A visão da família, da mulher proletária e da burguesa que permeiam A Origem da Família, da Propriedade e do
Estado, de Engels, é a base da visão dos socialistas sobre a
necessidade da libertação da mulher proletária. Na observação de Marx, a
opressão do homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem.
A
tradição anarquista de uma parte do movimento operário também exigia a
igualdade de homens e mulheres. Em meio às lutas operárias e às discussões
teóricas, no campo socialista, nasceu a luta pela participação política e, pouco
a pouco, pela libertação da mulher. E no começo do século XX cruzaram-se as
batalhas das socialistas com a do movimento das mulheres independentes, de
classes média e alta, em campanha pelo direito de voto, nos Estados Unidos e na
Inglaterra. As relações eram conflituosas, por causa das visões e posições
diferentes de classe. Mas as mulheres e a sociedade avançaram.
A
data tem seu valor no resgate da memória sobre a importância e o papel da
mulher na sociedade não só como mãe e companheira. Mas deve ir muito além dos
gestos frios e automáticos de oferecer agrados, distribuir galanteios e
reverências que duram tão pouco quanto as flores presenteadas logo pela manhã
ou ao fim do dia.
Temos
muito que fazer. E tudo começa por uma atitude individual, de reflexão – de
homens e mulheres – sobre as mulheres que estão ao nosso lado, que trabalham
conosco, com as quais nos encontramos diariamente na condução, nas ruas, nas
igrejas, nos hospitais, ao lado dos nossos filhos ou apartadas deles... É esse
esforço de olhar diário que precisa emergir do prosaico dia oito de março para
que além de uma homenagem sejamos capazes de prestar cotidiano respeito pelo
gênero, permanente solidariedade às mulheres.
Arnaldo Jardim - deputado federal
licenciado (PPS-SP) e secretario de Agricultura e Abastecimento do Estado de
São Paulo. e-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br
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