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sexta-feira, 6 de março de 2015

Reverência e solidariedade às mulheres




Em oito de março comemoramos o dia Internacional da Mulher. E no último dia três a Câmara Federal aprovou projeto de lei que inclui no Código Penal o “feminicídio” ou homicídio de mulher por razões de gênero quando envolver, por exemplo, violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição feminina. O crime pode levar a penas de 12 a 30 anos de prisão e foi também classificado como hediondo.  Essas penas podem ainda ser aumentadas se o assassinato ocorrer contra mulheres grávidas, nos três meses posteriores ao parto; contra menores de 14 anos, maiores de 60 anos ou pessoas com deficiência; e na presença de filhos ou pais das vítimas. A lei seguiu para a sanção presidencial.
Saúdo as novas penas, mas lembro que ainda estamos por ver avanços reais nas práticas da Lei Maria da Penha, das delegacias das mulheres e no dia a dia da sociedade brasileira. O balanço para as eleições de 2014 é ilustrativo e aponta um resultado frustrante para a representação feminina no Congresso, nos legislativos e nos executivos estaduais. Indica a insuficiência dos sistemas eleitoral e político brasileiros quanto à democratização . As mulheres são 51% da população brasileira e 52% do eleitorado. E se o eleitorado brasileiro, como se diz, não tem preconceito em votar nas mulheres, por que a participação feminina na política cresce apenas 1%, em média, a cada eleição? Precisamos procurar as respostas.. E elas não estão em pesquisas, mas na própria estrutura política brasileira.
Ela precisa de mudanças substanciais para incluir de forma efetiva as mulheres na política. Caso contrário será impossível inverter o quadro da sub-representação. A lei que determina cotas de candidaturas (no mínimo 30% e no máximo 70% para cada sexo) não foi suficiente levar as brasileiras ao poder formal. É notável, ao mesmo tempo, que nas eleições presidenciais do ano passado, apesar do total de 11 candidatos à presidência da república apenas três serem mulheres, elas ficarem entre os quatro primeiros colocados no primeiro turno. Dilma Rousseff, Marina Silva e Luciana Genro alcançaram juntas 67 milhões de eleitores ou 64,5% dos votos válidos.
A mulher – mesmo em comunidades mais fechadas e conservadoras – começou a se destacar já no século passado como ponto de referência das conquistas sociais e do desenvolvimento humano, mas é evidente o quanto lhe tem custado essa proeminência, qualquer que seja o ponto de vista da análise. Um exemplo dramático refere-se à competição com os homens por postos de trabalho semelhantes que seguem remunerando melhor a “força” masculina.
Especialmente nas classes menos favorecidas, a mulher continua penalizada no direito à saúde, à educação, ao lazer e às responsabilidades familiares, que a obrigam a cumprir duas ou mais jornadas de trabalho se a essas precisa somar as obrigações de funcionária, especialmente nas grandes cidades brasileiras onde o transporte público é desqualificado e os pobres são cada vez mais afastados para as periferias onde não existem empregos ou presença do Estado.
Ao mesmo tempo, aliadas ao consumo e à consumação da própria mulher, as tendências cada vez mais fortes e explícitas de glamourização, mercantilização, “beleza”, exposição e vulgarização do feminino minam os esforços de autoafirmação do gênero perante a sociedade, os homens e até diante de outras mulheres.
Essas lutas de hoje, que já promoveram muitos e reconhecidos avanços, como a licença maternidade e a proteção contra a violência – especialmente masculina, são novas apenas na memória curta brasileira. As ideias de reconstruir o papel da mulher nasceram do movimento socialista mundial, no final do século XIX e começo do século XX. Lá nos escritos de Marx e Engels é possível identificar as raízes. A visão da família, da mulher proletária e da burguesa que permeiam A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, de Engels, é a base da visão dos socialistas sobre a necessidade da libertação da mulher proletária. Na observação de Marx, a opressão do homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem.
A tradição anarquista de uma parte do movimento operário também exigia a igualdade de homens e mulheres. Em meio às lutas operárias e às discussões teóricas, no campo socialista, nasceu a luta pela participação política e, pouco a pouco, pela libertação da mulher. E no começo do século XX cruzaram-se as batalhas das socialistas com a do movimento das mulheres independentes, de classes média e alta, em campanha pelo direito de voto, nos Estados Unidos e na Inglaterra. As relações eram conflituosas, por causa das visões e posições diferentes de classe. Mas as mulheres e a sociedade avançaram.
A data tem seu valor no resgate da memória sobre a importância e o papel da mulher na sociedade não só como mãe e companheira. Mas deve ir muito além dos gestos frios e automáticos de oferecer agrados, distribuir galanteios e reverências que duram tão pouco quanto as flores presenteadas logo pela manhã ou ao fim do dia.
Temos muito que fazer. E tudo começa por uma atitude individual, de reflexão – de homens e mulheres – sobre as mulheres que estão ao nosso lado, que trabalham conosco, com as quais nos encontramos diariamente na condução, nas ruas, nas igrejas, nos hospitais, ao lado dos nossos filhos ou apartadas deles... É esse esforço de olhar diário que precisa emergir do prosaico dia oito de março para que além de uma homenagem sejamos capazes de prestar cotidiano respeito pelo gênero, permanente solidariedade às mulheres.

Arnaldo Jardim - deputado federal licenciado (PPS-SP) e secretario de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. e-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br - www.arnaldojardim.com.br - Twitter: @ArnaldoJardim - Facebook: Deputado Arnaldo Jardim

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