Neurocientista Telma Abrahão explica como experiências traumáticas afetam o
cérebro e o comportamento ao longo dos anos
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No próximo dia 24 de agosto é celebrado o Dia Nacional da Infância, uma data que convida a sociedade a refletir sobre os direitos das crianças e a importância de garantir um desenvolvimento saudável e integral desde os primeiros anos de vida. No Brasil, pesquisas mostram que ainda falta consciência sobre o impacto da primeira infância: segundo o Panorama da Primeira Infância, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 42% dos brasileiros não sabem o que significa esse termo e apenas 15% reconhecem a relevância dessa fase para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
O mesmo levantamento revela dados preocupantes sobre práticas de cuidado: 43% dos cuidadores recorrem a gritos ou brigas como forma de disciplina e 29% admitem o uso de punições físicas, como palmadas e beliscões.
Para a neurocientista Telma Abrahão, especialista em desenvolvimento infantil e autora best-seller, negligência e abandono, inclusive em sua forma emocional, são violências graves que deixam marcas profundas no cérebro. “Nos primeiros anos de vida, o cérebro está em pleno desenvolvimento. Quando a criança é privada de afeto ou exposta a situações de insegurança, o organismo interpreta isso como ameaça. Se ocorre de forma repetida, instala-se o chamado estresse tóxico, um estado de alerta constante que compromete funções ligadas ao autocontrole, à memória e à resposta ao medo”, explica.
Telma reforça que a infância é uma fase crucial em que a criança forma as bases emocionais e constrói sua visão de mundo. “Quando ela cresce em um ambiente de negligência ou abuso, ela internaliza uma ideia dolorosa: ‘Se eu não posso confiar nem nos meus próprios pais, então não posso confiar em ninguém’. O mundo, então, se torna um lugar perigoso e inseguro”, ressalta.
Um dos maiores levantamentos sobre o tema, o Estudo ACE (Adverse Childhood Experiences), confirma essa relação: adversidades na infância estão diretamente ligadas a problemas graves na vida adulta, como ansiedade, depressão, vícios em álcool e drogas, além de dificuldades de socialização. Segundo Telma, “quando a criança não aprende a confiar e a se sentir protegida, sua capacidade de regular as emoções fica comprometida, o que gera um estado de hipervigilância constante e, muitas vezes, leva ao adoecimento mental e físico”.
Telma também destaca que esse problema não pode ser tratado apenas com julgamento moral: “Muitas vezes, mães e pais negligentes não agem por maldade, mas por falta de estrutura emocional, suporte, informação e consciência sobre a importância do vínculo e da presença no desenvolvimento saudável da criança. Por isso, é urgente investir em políticas públicas que apoiem a parentalidade, promovam educação emocional e ofereçam suporte às famílias em situação de vulnerabilidade”.
O impacto do trauma infantil, segundo ela, se estende por toda a vida. Crianças forçadas a amadurecer cedo demais ou expostas à chamada adultização infantil carregam feridas que podem se transformar em crises de pânico, fobias, dificuldades de relacionamento e uma constante sensação de insegurança, afetando a qualidade de vida e o bem-estar ao longo dos anos.
Neste Dia Nacional da Infância, a data reforça que o cuidado com a
criança não deve ser responsabilidade exclusiva da mãe. Como lembra o provérbio
citado pela pesquisa, é preciso uma verdadeira “vila” para apoiar a infância –
envolvendo família, comunidade, escolas, profissionais da saúde e o poder
público. Afinal, como reforça Telma: “Nem todos têm filhos, mas todos tiveram
infância. E o que acontece na infância, de fato, não fica na infância”.
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