País decepciona ao deixar de encampar iniciativas avançadas na rodada de negociações em Genebra, que se encerram nesta quinta-feira
Enquanto
um grupo de mais de cem países apoia propostas avançadas no Tratado Global
Contra a Poluição por Plástico, o Brasil – o oitavo maior poluidor plástico do
mundo — não se compromete com soluções para essa crise mundial. A rodada de
negociações no âmbito da ONU, que deve se encerrar nesta quinta-feira (14) na
Suíça, está longe de um acordo. Há uma polarização entre as delegações e uma
forte influência de lobistas da indústria petroquímica.
A
maioria dos países presentes defende propostas necessárias para fazer frente à
crise, como a redução da produção de plásticos problemáticos e a eliminação de
uma série de substâncias químicas presentes nesses produtos. De outro lado,
países que são grandes produtores e poluidores têm travado as negociações,
beneficiando a indústria do plástico e da petroquímica em prejuízo da saúde
humana e do planeta.
A
delegação brasileira até agora não se comprometeu com propostas claras,
deixando dúvidas quanto ao seu posicionamento e enfraquecendo os esforços por
um Tratado Global efetivo. Esta é a segunda rodada da quinta sessão do Comitê
Intergovernamental de Negociação (INC-5.2) para desenvolver um instrumento
internacional juridicamente vinculante para eliminar a poluição plástica. A
primeira parte, que ocorreu em Busan, na Coreia do Sul, em novembro do ano
passado, não chegou a um acordo.
Em
Genebra, também chama atenção a significativa presença de lobistas do setor
petroquímico e de plásticos. Pelo menos 234 operadores da indústria química e
de combustíveis fósseis se inscreveram para participar do INC-5.2. Este número
é quase quatro vezes maior que a presença de cientistas e quase sete vezes mais
que a presença de indígenas.
De
acordo com representantes da sociedade civil e da academia, promover medidas
globais regulatórias em todo o ciclo de vida do plástico, da produção ao consumo,
é fundamental para que o mundo consiga enfrentar os impactos dessa crise na
saúde e no meio ambiente. Além disso, as organizações presentes em Genebra
esperam ver incluídos no texto a eliminação de plásticos problemáticos,
mecanismos de financiamento e o princípio do poluidor pagador, entre outros.
O que dizem os especialistas
Para Lara Iwanicki, diretora de advocacy e estratégia da Oceana, o banimento de plásticos problemáticos e desnecessários pode ser uma alavanca econômica para o país: “Acabar com plásticos problemáticos é também abrir mercado. O Tratado Global pode impulsionar novos negócios de reuso e refil, criar empregos e tornar o Brasil competitivo em um cenário global que já exige soluções sustentáveis. Muitos desses itens já são banidos no mundo e estamos perdendo a chance de liderar essa transição”.
Zuleica Nycz, da Toxisphera, representante da
sociedade civil na Comissão Nacional de Segurança Química, enfatiza que o
controle e banimento das substâncias perigosas presentes nos plásticos é
fundamental e urgente para permitir uma economia circular não tóxica. “Estamos
falando de substâncias reguladas em mais de 16 legislações ao nível nacional, e
as evidências científicas apontam que estas substâncias representam um risco
sério e documentado à saúde humana, causando doenças crônicas, infertilidade,
câncer e aumento da mortalidade cardíaca", afirma.
"Não
podemos mais esperar. O mundo precisa de um Tratado para, efetivamente, acabar
com a poluição plástica, que já nos afeta a todos diretamente. É uma questão de
saúde pública e um problema ambiental. Os plásticos estão em todo o oceano e
dentro dos nossos corpos. Os prejuízos já são imensos e serão ainda maiores sem
medidas de controle. A poucos meses da COP-30, é crucial que o Brasil demonstre
liderança e apoie as propostas que ajudarão a reduzir a demanda por
combustíveis fósseis”, disse o engenheiro químico Rafael Eudes, integrante do
Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.
O
gerente de políticas públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, critica o apoio da
delegação brasileira à adoção de medidas voluntárias pelos países, em lugar de
disposições obrigatórias. "Manter um discurso de compromisso ambiental,
mas defender medidas voluntárias nas negociações é totalmente contraditório. O
Brasil pode — e deve — ser protagonista neste acordo, exercendo uma liderança
real e exigindo um Tratado forte, com regras e propostas concretas para
enfrentar a crise do plástico. Caso contrário, favorecerá a superprodução e a
poluição. É preciso ter mais ambição para proteger as pessoas, a natureza e o
futuro do planeta", disse.
"O
Brasil defende que o Tratado tenha como objetivo principal proteger o meio
ambiente e a saúde humana, incluindo um artigo específico sobre o tema. Mas,
sem apoiar a redução da produção de plásticos e o banimento de substâncias
químicas perigosas, esses esforços não vão realmente proteger a saúde das
pessoas", afirma Alessandra Azevedo, especialista em sustentabilidade do
Projeto Hospitais Saudáveis.
Para a
diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, a falta de ambição do
Brasil em artigos-chave decepciona. “A posição histórica de liderança do Brasil
em negociações globais multilaterais é inegável. Já conseguimos enfrentar
interesses comerciais poderosos em relação a outros temas complexos, como, por
exemplo, na quebra de patentes para enfrentar a crise do HIV-AIDS ou na
liderança das negociações da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, apesar
de ser o maior exportador de tabaco do mundo. Por isso, é decepcionante que
nesta rodada o Brasil não assuma seu papel”, pontua Johns.
"As
evidências científicas são claras: a poluição plástica prejudica a saúde humana
e o meio ambiente em todo o seu ciclo de vida — da extração à produção, uso e
descarte. Esses impactos atingem especialmente comunidades vulneráveis e povos
indígenas. Como a produção está diretamente ligada à poluição, reduzi-la é
essencial para uma economia mais segura e sustentável. Precisamos nos guiar
pela melhor ciência disponível para definir o futuro", afirma Bethanie
Carney Almroth, professora da Universidade de Gotemburgo e co-coordenadora da
Coalizão de Cientistas para um Tratado dos Plásticos efetivo.
O
mundo produz diariamente, segundo estimativas, cerca de 1,1 milhão de toneladas
de plásticos. E menos de 10% disso é reciclado. Ao longo de um ano, são
produzidas 400 milhões de toneladas, que dariam para encher 20 milhões de
caminhões de lixo. Se enfileirados, dariam a volta ao mundo pelo menos quatro
vezes.
Coalizão
Vida Sem Plástico é uma rede de mais de 15 organizações brasileiras que atuam
pela construção de um Tratado Global robusto contra a poluição por plástico e
por um futuro mais sustentável, saudável e justo para todos.
São
membros da Coalizão Vida Sem Plástico:
ACT
Promoção da Saúde
Aliança
Resíduo Zero Brasil
Associação
Civil Alternativa Terrazul
Associação
de Combate aos Poluentes (ACPO)
Instituto
de Defesa de Consumidores - Idec
Instituto
de Direito Coletivo - IDC
Instituto
do Mar da Universidade Federal de São Paulo
Instituto
Internacional ARAYARA
Instituto
Pólis
Movieco
- Movimento Ecológico
Projeto
Hospitais Saudáveis
Society
for Threatened Peoples (STP) Switzerland
The
Global Youth Coalition
Toxisphera
Associação de Saúde Ambiental
São
parceiros da Coalizão Vida Sem Plástico:
ClimaInfo
Oceana
WWF
Brasil
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