Conclusão apresentada por grupo da USP na revista PLOS Pathogens se baseia em dados de autópsias de 47 pessoas vitimadas pela cepa ancestral do SARS-CoV-2. Resultados podem orientar o tratamento de casos críticos
Estudo publicado na
revista PLOS Pathogens revela que pacientes com a forma grave
da COVID-19 podem ser divididos em dois grupos bem distintos: os que apresentam
alta carga viral e pouca inflamação e aqueles que desenvolvem complicações
inflamatórias mesmo após a completa eliminação do vírus do organismo.
Para chegar a essa conclusão,
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram autópsias de 47
pulmões de pessoas vitimadas pela doença e examinaram dados referentes ao
perfil inflamatório, à carga viral e ao grau de ativação do sistema imune.
Todas as amostras são de pacientes infectados na primeira fase da pandemia,
quando ainda circulava a cepa ancestral do SARS-CoV-2, originária de Wuhan
(China), e não havia vacina disponível. A investigação foi conduzida com apoio
da FAPESP por meio de três projetos (13/08216-2, 19/11342-6 e 20/04964-8).
“Hoje muita coisa mudou. Há
novas variantes e a resposta imune dos vacinados é infinitamente superior à dos
não imunizados. Portanto, estudar essas amostras [de pacientes vitimados pela
cepa ancestral na fase pré-vacina] é muito importante para a compreensão dos
mecanismos moleculares envolvidos nos casos letais de COVID-19”, explica
à Agência FAPESP Dario Zamboni,
professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador
da pesquisa.
Segundo Zamboni, o trabalho
ajuda a compreender por que a forma grave da COVID-19 abrange variações
clínicas tão grandes e quais fatores, em nível molecular, podem levar a doença
a seguir um desses dois caminhos descritos no artigo. Além disso, os resultados
podem orientar a tomada de decisão no que concerne ao tratamento dos casos
críticos.
Inflamação
exacerbada
Foi possível identificar por
meio das análises que o perfil “baixa carga viral e inflamação exacerbada” está
associado a uma ativação excessiva do inflamassoma, que é um complexo proteico
existente no interior das células de defesa. Quando essa maquinaria celular é
acionada, moléculas pró-inflamatórias conhecidas como citocinas passam a ser
produzidas para avisar o sistema imune sobre a necessidade de enviar mais
células de defesa ao local da infecção. Dessa forma, esse complexo proteico
contribui para desencadear a chamada “tempestade de citocinas”, ou seja, uma
resposta imunológica exacerbada e lesiva aos tecidos.
“O inflamassoma é uma das
primeiras respostas que temos contra uma infecção. Em linhas gerais, quando os
macrófagos [células da linha de frente do sistema imune] fagocitam o patógeno,
eles ativam o inflamassoma na tentativa de eliminar o sítio da infecção. O
problema é que vários vírus, incluindo o SARS-CoV-2, de maneira ainda não
conhecida, conseguem ‘enganar’ o sistema imune e, assim, se replicam bem apesar
da ativação do inflamassoma. Com isso, o inflamassoma permanece ativo,
promovendo mais inflamação e agravando o quadro clínico”, explica Keyla Sá, bolsista
de doutorado da FAPESP e primeira autora do artigo.
A partir dessa constatação, os
pesquisadores realizaram experimentos com camundongos geneticamente modificados
para expressar a proteína ACE2, que nos humanos é usada como um receptor ao
qual o vírus se liga para entrar na célula. Em parte dos animais também foi
‘desligado’ o gene principal do inflamassoma, ou seja, nesse grupo a maquinaria
celular responsável por desencadear a produção de citocinas inflamatórias não
era ativada diante da infecção pelo SARS-CoV-2.
“Observamos que, quando
retiramos o inflamassoma dos camundongos infectados, eles ficaram menos doentes
e sobreviveram muito mais à infecção. Portanto, essa capacidade de enganar o
sistema imune pode contribuir para a grande variação que verificamos nos
pacientes com COVID-19 grave. O achado pode, no futuro, tornar o inflamassoma e
fatores a ele associados alvos importantes para novos tratamentos”, avalia Sá.
Disfunções
vasculares
Já no caso de pacientes que
morreram com alta carga viral e baixo perfil inflamatório, o quadro se
apresenta de maneira completamente diferente. Os pesquisadores identificaram
trombose pulmonar e coagulação intravascular disseminada, levando a crer que as
disfunções vasculares que culminaram em um processo trombótico tiveram impacto
significativo no desfecho da doença.
“Essa sistematização abre
várias questões que devem ser investigadas no futuro. Identificamos dois tipos
de pacientes que, apesar de terem a mesma doença, morreram por causas
diferentes. Enquanto o grupo formado por casos de eliminação do vírus e
inflamação exacerbada no pulmão [incluindo fibrose pulmonar] morreu de causa
pulmonar, os pacientes com alta carga viral apresentavam boa função nesse
órgão, estavam se recuperando e morreram por outros motivos, provavelmente
disfunções vasculares”, relata Sá.
Quando se comparou o tempo de
evolução da doença (entre a infecção e o óbito), também foi observada uma
diferença significativa entre os dois grupos. Enquanto os pacientes com alta
carga viral morreram de forma mais rápida, aqueles com inflamação exacerbada
passaram dias internados em terapia intensiva, com necessidade de ventilação
mecânica.
“A descoberta desses dois
caminhos contribui para a compreensão da fisiopatologia da doença e pode ajudar
nas decisões entre terapias imunomediadas ou antivirais para o tratamento de
casos críticos de COVID-19”, avalia Zamboni.
O artigo Pulmonary
inflammation and viral replication define distinct clinical outcomes in fatal
cases of COVID-19 pode ser lido em: https://journals.plos.org/plospathogens/article?id=10.1371/journal.ppat.1012222.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/forma-grave-da-covid-19-pode-ter-dois-perfis-inflamacao-pulmonar-exacerbada-ou-alta-replicacao-viral/52566
Nenhum comentário:
Postar um comentário