Em camundongos, pesquisadores
do Instituto Butantan e colaboradores observaram que a crotoxina modula os
macrófagos para um perfil pró-inflamatório no microambiente tumoral, preparando
o sistema imune para lutar contra as células de tumorCélulas tumorais de camundongos que receberam tratamento
com a dose de 0,9 micrograma de crotoxina; as setas
indicam o processo de morte celular
(crédito: Camila Lima Neves/Instituto Butantan)
Em estudo conduzido no
Instituto Butantan, uma das toxinas que compõem o veneno da cascavel (Crotalus
durissus terrificus), a crotoxina, apresentou efeito modulador sobre o
sistema imune na presença do câncer.
A ação da toxina sobre os
macrófagos, células de defesa do organismo, indica um caminho possível para
futuras imunoterapias. Nesse tipo de tratamento são utilizadas substâncias ou
feitas alterações nas células do sistema imune para induzi-las a combater
tumores com mais eficiência.
O estudo foi publicado na revista Toxins e
contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e
da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp).
“Camundongos portadores de câncer que receberam uma pequena e única dose da toxina apresentaram prevalência de macrófagos que disparam substâncias cruciais para destruir células tumorais, como o óxido nítrico”, conta Camila Lima Neves, primeira autora do trabalho, realizado durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências-Toxinologia do Instituto Butantan.
Trabalho realizado como parte do mestrado de Camila Lima Neves
no Instituto Butantan mostrou como a crotoxina induz um
perfil de macrófagos que combate tumores
(foto: Instituto Butantan/divulgação)
Mais do que demonstrar os efeitos da crotoxina sobre os tumores, os resultados desse estudo evidenciam como a “reeducação” induzida pela toxina sobre o perfil do macrófago pode ser um caminho para adquirir uma resposta imune antitumoral suficiente e duradoura, reforçando a importância da imunoterapia.
No estudo, a administração da
crotoxina nos animais portadores de tumor ascítico levou à prevalência dos
macrófagos M1, um perfil pró-inflamatório mais adequado para inibir o
desenvolvimento de tumores, enquanto os macrófagos M2, um perfil que favorece o
tumor, estavam diminuídos.
“Estamos estudando formas e
combinações estruturais da crotoxina para encontrar uma que seja menos tóxica e
mais efetiva no seu efeito imunomodulador e antitumoral. Mas é possível que
outras estruturas da molécula crotoxina, inclusive já conhecidas, possam
realizar a mesma ação ou potencializar seu efeito”, completa Sandra Coccuzzo Sampaio, pesquisadora do
Instituto Butantan e coordenadora do estudo, que integra projeto apoiado pela FAPESP.
Para chegar aos resultados, os
pesquisadores acompanharam dois grupos de camundongos por 13 dias. O primeiro
grupo recebeu uma inoculação de células de tumor ascítico, um tumor líquido que
se desenvolve na região abdominal.
Os animais foram então
divididos em três tratamentos: uma solução salina (grupo-controle), uma pequena
dose de crotoxina (0,9 micrograma por animal) e uma dose maior da toxina (5
microgramas por animal).
O segundo grupo foi de animais
saudáveis que receberam apenas os três tratamentos, a fim de demonstrar o
efeito da toxina num organismo sem câncer.
Células de
defesa ativadas
Ao final do 13º dia de
experimentos, a administração da menor dose da toxina (0,9 micrograma) nos
animais com tumor ascítico levou à prevalência dos macrófagos M1 (antitumorais)
em cerca de 60%, que foi a mesma porcentagem de células encontradas nos animais
que não tinham tumor. O resultado mostra que o tratamento foi eficaz na
manutenção dessas células de defesa no microambiente tumoral.
A dose maior, por sua vez,
levou a um aumento desse tipo dos macrófagos M1 e a uma diminuição dos
macrófagos M2, demonstrando a capacidade que essa toxina tem de impedir células
que favorecem o tumor.
No sexto dia após o tratamento
com as diferentes doses de crotoxina, o volume do tumor havia diminuído
significativamente nos camundongos portadores de câncer, quando comparado ao grupo
que recebeu apenas uma solução salina. Porém, desse período até o final do
experimento, apenas o grupo que recebeu a menor dose foi capaz de reduzir o
volume do tumor, em 27%.
Nos animais tratados com a
menor dose da toxina, após seis dias da inoculação do tumor foram observados
ainda redução no número total de células tumorais e aumento no número de
leucócitos, que também são células de defesa, em comparação aos que receberam
solução salina.
“Isso mostra que a menor dose é
suficiente para modular os macrófagos e reduzir o tumor. Esse dado é
extremamente relevante, pois os efeitos antitumorais da crotoxina são
conhecidos pela ação direta da toxina sobre as células tumorais. Por meio de
estudos in vitro e deste trabalho, conseguimos demonstrar
também a importância da ação imunomoduladora da crotoxina sobre os fenótipos de
macrófagos, críticos para o controle tumoral. Por isso a necessidade de
pesquisar novas combinações e reduzir possíveis efeitos tóxicos da molécula
para o organismo”, explica Coccuzzo.
A menor dose da toxina, ao
final do 13º dia do tratamento, proporcionou ainda o aumento de 35% na produção
de óxido nítrico pelos macrófagos dos camundongos com tumor, comparado com o
grupo-controle, sem toxina. O que recebeu a maior dose de crotoxina não teve
mudanças nesse parâmetro. O óxido nítrico é um radical livre importante na
defesa contra tumores, pois penetra na célula tumoral e a leva à destruição.
“Este é o primeiro trabalho
demonstrando como uma única administração de crotoxina interfere na
reprogramação de macrófagos, favorecendo o perfil mais desejado quando há a
instalação do tumor, pois controla eventos da progressão tumoral”, afirma
Neves.
“Uma evidência forte que
observamos nesse trabalho foi a ação inibidora da crotoxina no volume do tumor
e no número de células tumorais, além do estímulo da produção de mediadores
pró-inflamatórios, cruciais para a ação antitumoral dos macrófagos”, encerra
Coccuzzo.
O artigo completo Crotoxin Modulates Macrophage Phenotypic Reprogramming está disponível em: www.mdpi.com/2072-6651/15/10/616.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/toxina-do-veneno-da-cascavel-induz-celula-de-defesa-a-combater-o-cancer-indica-estudo/51127
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