Plano Diretor de São Paulo estimula fachadas ativas em novos edifícios e sem dúvida é um enorme avanço em relação ao cenário anterior, mas, na maioria dos casos, a qualidade desses espaços ainda deixa muito a desejar: construídos com a mínima infraestrutura possível, não comportam, por exemplo, cozinhas industriais, o que inviabiliza a implantação de estabelecimentos como bares, padarias e restaurantes
A verticalização em curso nos eixos de
estruturação da transformação urbana da cidade de São Paulo (áreas próximas a
estações de trem, metrô e corredores de ônibus) vem sendo acompanhada por um
forte aumento da oferta de espaços para comércios e serviços no térreo dos
novos prédios.
Isto porque o Plano Diretor em vigor
traz incentivos para as fachadas ativas ao aumentar o potencial construtivo dos
empreendimentos imobiliários que optarem por implementá-las.
A medida, sem dúvida, é um enorme
avanço em relação ao cenário anterior: para a vida urbana, prédios sem recuo e
com comércio no térreo são muito melhores do que edifícios recuados e cercados
por grades ou muros.
Ok, mais um Oxxo... Ainda assim, me parece muito melhor do que o muro do prédio um pouco mais antigo na mesma rua, não? (Imagens do Google Street View) |
Contudo, ainda que a lei incentive as fachadas ativas, a qualidade desses novos espaços que estão surgindo pela cidade me parece muito distante do ideal ou mesmo da qualidade das fachadas ativas de prédios antigos, construídos principalmente até a década de 70.
É claro que há exceções, como o Joaquim
499, analisado pelo Raul Juste Lores no episódio “Raridade em Pinheiros” do São Paulo nas
Alturas. De maneira geral, porém, tanto em Pinheiros como em bairros próximos
como Perdizes, Pompeia, Sumarezinho e Vila Madalena – alguns dos mais afetados
pelo Plano Diretor e pelos quais costumo caminhar com mais frequência –, as
casinhas transformadas em pontos comerciais ou os térreos dos edifícios e
predinhos antigos me parecem espaços muito mais charmosos e atrativos do que os
novos, incentivados pelo Plano Diretor, conforme tento ilustrar com as imagens
abaixo.
Quem me ajudou a entender a razão da, digamos, “baixa” qualidade das novas fachadas ativas foi a arquiteta e urbanista Sophia Motta em artigo publicado recentemente no Caos Planejado. Segundo a autora, as novas lojas no térreo geralmente são construídas com a mínima infraestrutura possível, não comportando, por exemplo, cozinhas industriais, o que inviabiliza a implantação de estabelecimentos como bares, padarias e restaurantes.
Além disso, a localização em regiões
mais valorizadas e a grande área útil que essas áreas comerciais normalmente
apresentam resultariam em um aluguel muito caro, o que pode dificultar a
locação ou fazer com que a ocupação dos espaços fique restrita a grandes redes de farmácia, de supermercados ou lojas de
conveniência, limitando, com isto, a diversidade do comércio nos
bairros, elemento fundamental para a vitalidade urbana.
Aos pontos levantados pela Sophia
Motta, acrescentaria também os recuos em relação à calçada ainda presentes em
muitos dos novos espaços e as vagas de estacionamento em frente, que prejudicam
a relação dos pedestres com as lojas. Outro elemento que também parece
comprometer a qualidade dessas fachadas é o fato de serem quase sempre todas
envidraçadas, o que limita o uso da criatividade e as possibilidades de
adaptação e personalização dos espaços.
Para a cidade, a baixa qualidade das
novas fachadas ativas pode se tornar um problema, pois, junto com o boom de
novos apartamentos, vem por aí um aumento considerável da oferta de imóveis
comerciais no térreo dos prédios. Se muitos desses pontos não forem alugados ou
bem ocupados, com comércio diversificado, o objetivo de incentivar a vitalidade
urbana, que norteou os estímulos para as fachadas ativas, não será plenamente
alcançado.
É importante lembrar que os estímulos
às fachadas ativas não deixam de representar uma espécie de renúncia de receita
tributária (outorga onerosa), a qual poderia ser utilizada para muitos outros
projetos de melhoria da cidade.
As revisões do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento já foram aprovadas e sancionadas, com ampliação dos eixos de estruturação da transformação urbana. É de se esperar, com isto, que o processo de verticalização em algumas áreas da cidade, especialmente após a queda dos juros, ganhe novo impulso – e, com ele, aumente a oferta de imóveis comerciais no térreo de prédios.
O que fazer para que esses novos
imóveis atraiam locatários e se transformem em pontos ativos, convidativos,
movimentados, que efetivamente colaborem para a vitalidade urbana, conforme o
esperado?
Sophia Motta, em seu artigo, também
aponta alguns caminhos, entre os quais uma maior variedade de tipologias e
tamanhos desses espaços para que eles recebam uma variedade maior de comércios
e ocupações, alcançando diferentes públicos.
Eu acrescentaria ainda mais alguns
caminhos, como fazer previamente pesquisas com comerciantes locais, estudar
melhor as características da população e dos estabelecimentos comerciais da
região, respeitar os padrões (altura, recuo, tipo de construção) dos pontos
comerciais vizinhos, criando, com isto, um efeito de continuidade e harmonia da
fachada; ou mesmo tentar buscar locatários e investidores já na concepção do
projeto, o que também pode valorizar não apenas a fachada ativa e a vida urbana
do entorno, mas também – e, talvez, principalmente – o empreendimento
imobiliário como um todo.
No térreo do Edifício Virgínia, projeto
de retrofit da incorporadora Somauma na região central, por exemplo, haverá
espaços comerciais e todos os operadores das lojas serão selecionados pela
própria Somauma, na tentativa de garantir sinergia entre si, com o entorno e
com a proposta do projeto. Também me parece um caminho interessante para se
tentar buscar melhor coordenação entre oferta e demanda, maior valorização do
empreendimento imobiliário e da vida nas ruas da região.
Por fim, não poderia deixar de comentar
o fato de que, se, por um lado, novos espaços comerciais estão surgindo com os
novos edifícios, por outro, a intensa verticalização observada em bairros do
centro expandido coloca em risco o funcionamento de muitos estabelecimentos
comerciais tradicionais, que podem fechar as portas para dar lugar a novos
prédios.
O que é visto como ameaça para a história e a cultura da cidade, contudo, poderia ser encarado como oportunidade sem igual pelo setor imobiliário. Casos que ganharam algum destaque na imprensa, de novos empreendimentos imobiliários que poderiam levar ao fechamento de estabelecimentos tradicionais como o Bar Balcão, o Mercearia São Pedro e o Anexo do Espaço Itaú de Cinema, por exemplo, me soam como oportunidades desperdiçadas de criar edifícios únicos, que atrairiam moradores e investidores não somente por causa da localização privilegiada, mas também, e principalmente, por manterem vivos estabelecimentos comerciais rentáveis, bastante frequentados ou que fazem parte do patrimônio histórico e cultural imaterial da capital paulista.
Vitor França
Economista pela FEA-USP e mestre em economia pela FGV-SP
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/fachadas-ativas-de-fachada
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