Detentores de 98%
do PIB mundial, 130 bancos centrais em todo o mundo trabalham pelo
desenvolvimento das suas moedas digitais (CBDCs, ou Central Bank Digital
Currencies) no exato momento em que redijo essas e as linhas a seguir. Dá para
entender o impacto? São equipes robustas de desenvolvedores, especialistas
financeiros e instituições de variados tamanhos remando em um mesmo sentido. O
que os une, e justifica esse enorme esforço - incluindo no Brasil com o DREX -
é a possibilidade de melhorar a vida das pessoas.
Anteriormente
chamado de Real Digital, o DREX é a iniciativa do Banco Central do Brasil
anunciada no ano passado (mas com estudos iniciados três anos antes) de prover
a representação das notas impressas no ambiente digital, por intermédio da tokenização
(conversão de ativo real em ativo digital) do Real. Oficialmente, espera-se que
o grande público tenha acesso aos benefícios desta tecnologia até o fim de
2024, embora seja mais provável que a novidade esteja pronta para uso de fato
em 2025. O que se sabe é que os testes seguem em andamento.
O que não muda,
independentemente do calendário do BC brasileiro, é o rol de oportunidades
positivas que o país poderá ter pela frente. O que cada país pretende com a sua
moeda digital é democratizar o acesso aos serviços financeiros, melhorar a
eficiência nas transações e promover o desenvolvimento econômico, o que, em
última análise, permite o bem-estar financeiro das pessoas em todo o mundo.
No passado
recente, os brasileiros de todas as classes sociais foram impactados
decisivamente com o PIX. Porém, este formato de transações financeiras – R$ 17
trilhões foram movimentados desta maneira em 2023, um crescimento de 58% no ano
– ocorre por notas e moedas de reais em espécie e com limites pré-estabelecidos
por instituições financeiras e o próprio BC. O DREX tratará sim de pagamentos
instantâneos, mas irá além, sendo uma plataforma totalmente digital, sem notas
impressas, e com tecnologia blockchain.
Para entender os
benefícios que virão, é preciso um aparte sobre o que é o blockchain. Trata-se
de um mecanismo de banco de dados avançado que permite o compartilhamento
transparente de informações na rede. Esses dados são armazenados em blocos interligados
dentro de uma cadeia, a qual por sua vez não pode ser modificada ou excluída
sem o consenso da rede. É desta forma que é possível criar e monitorar pedidos,
pagamentos, contas e outras transações, com base em um ledger
(sistema de manutenção de registros dos saldos dos diversos participantes e de
todas as transações que ocorrem na rede e que deixa as identidades dos
participantes anônimas).
Perdão pela
tecnicalidade, contudo é importante deixar clara a rota pela qual iremos seguir
quando o DREX estiver pronto para o uso amplo e irrestrito. O blockchain surgiu
por intermédio das criptomoedas, que obedecem à lei da oferta e demanda e não
são reguladas ou garantidas por bancos centrais ou governos. Já o DREX e todas
as CBDCs pelo mundo estarão atreladas ao câmbio das respectivas moedas
correntes, sem a flutuação ou a possibilidade de “mineração” associada ao
ambiente crypto.
Em termos
práticos, tão logo a infraestrutura necessária esteja devidamente testada e
pronta para o público em geral, será possível aumentar a inclusão financeira,
fornecendo acesso a serviços financeiros básicos para quem atualmente não têm
ou têm poucos serviços bancários – aqui de maneira semelhante ao que já vimos
com o PIX. Como os CBDCs são digitais, indivíduos sem acesso à infraestrutura
bancária tradicional ainda podem participar do sistema financeiro utilizando
carteiras digitais em seus smartphones.
Outra esfera que
será impactada pelo DREX é a de custo de transações, uma vez que a moeda
digital usada para pagamentos nacionais e transfronteiriços, os quais hoje
possuem taxações por vezes exorbitantes e com processamento ainda lento, trará
agilidade a esses processos de maneira mais barata e rápida. E tudo isso com
maior segurança em comparação ao dinheiro físico ou aos sistemas bancários
tradicionais, já que as técnicas criptográficas embarcadas em plataformas como
o DREX protegem as transações contra fraude, falsificação e roubo – algo que,
por consequência, auxiliará no combate à lavagem de dinheiro, por exemplo.
Podemos
acrescentar aqui a figura dos contratos inteligentes para compra de bens como
carros e imóveis com o DREX. Por meio desses mecanismos, será possível
programar a troca de titularidade por meio de uma confirmação rápida e eficaz
da transação financeira. Emissões de notas fiscais, pagamentos diversos do
transporte público ao varejo, e o lançamento de contratos de seguros sem a
necessidade do uso de uma agência bancária são outras oportunidades que essa
nova moeda digital poderá trazer. Indo além, programas de transferência de
renda ou auxílios emergenciais feitos via DREX poderão estar programados para
permitir a comprar de itens essenciais, por exemplo, trazendo maior
transparência ao uso dos recursos públicos.
Falando em pessoas
e em um país que ainda sofre com altos níveis de endividamento, o DREX pode
permitir também uma maior capacitação dos cidadãos em relação à sua educação
financeira. Com as carteiras digitais, as pessoas podem facilmente controlar os
seus gastos, gerir os seus orçamentos e concordar com serviços financeiros sem
depender de intermediários como os bancos. Esse maior controle pode levar a uma
melhor tomada de decisões e gestão financeira.
Por fim, até mesmo
o campo econômico e político poderá ter ganhos. Com transações mais rápidas e
eficientes, nós temos um cenário favorável ao crescimento econômico, com
empresas reduzindo os seus custos, incluindo os de transações, com o adendo de
um maior acesso ao mercado, o que significa mais atividade econômica e mais
empregos. Tudo isso dentro de uma política monetária mais eficaz, pois a
influência direta sobre a oferta monetária impacta taxas de juro dos depósitos
em moeda digital, ou por meio de estímulos direcionados a setor estratégicos da
economia. Com o DREX, o BC poderá ainda mitigar os riscos associados às moedas
digitais privadas e instáveis, como as criptomoedas, a fim de garantir a
estabilidade do sistema financeiro.
Naturalmente, como
toda tecnologia e/ou inovação, há também cuidados a serem tomados e desafios a
serem enfrentados. As maiores preocupações quando falamos em moedas digitais
giram em torno de questões de privacidade, de segurança cibernética e impacto
nos sistemas bancários e financeiros tradicionais à medida que plataformas como
o DREX são implementadas. Não por acaso, apenas 11 países já conseguiram
implementar CBDCs, sendo a China o mais robusto exemplo. A União Europeia
projeta ter o seu “euro digital” até 2028, enquanto os Estados Unidos têm esse
tema estacionado na esfera política, sem prazo para uma resolução final.
Para quem está à
frente nesta área de moedas digitais, como o Brasil, abre-se um novo arcabouço
de possibilidades dentro do atual sistema financeiro, com mais tecnologia e
sofisticação que poderá, a médio e longo prazo, gerar novas companhias e
negócios inovadores. Neste sentido, o DREX andará de mãos dadas com o Open
Finance, outra importante ferramenta por serviços financeiros mais eficientes e
personalizados. Mais imediatos serão os reflexos positivos na vida das pessoas,
podem esperar.
Fabrício Vaz - Business Vice President
da GFT Technologies no Brasil
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