Exercer a liderança vai muito além de comandar. Ela envolve muito autoconhecimento e um trabalho imenso para desenvolver o outro
Atualmente,
vivemos em uma cultura em que o alvo de qualquer pessoa que queira crescer na
carreira profissional é se tornar chefe. Culturalmente, nos é ensinado que ser
um líder significa ter status e obter um lugar diferenciado, e, além disso, que
este é um lugar que poucos conseguem acessar. Quando olhamos a história humana,
os destaques foram e sempre serão para os grandes líderes políticos e
religiosos, que proporcionaram uma disrupção nas criações e inovações humanas.
Como
mulher, não posso deixar de observar que a nossa participação em protagonizar
algo é muito menor em relação aos homens. E, em muitos casos, não somos nem ao
menos notadas, principalmente, dependendo da cultura e da época - não temos o
direito de nos expressarmos. E tudo isso se configura como uma desigualdade
árdua, onde a milícia é cultural, e ouso dizer mais: milenar.
Estamos
em constantes movimentos de transformação. Contudo, parece que a cada dia o
peso de ser um líder tende a ser visto num mundo frágil e ansioso em que
vivemos. O tal do mundo BANI - Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não
linear), Incomprehensible (Incompreensível) -, criado pelo antropólogo Jamais
Cascio, que reflete a realidade das sociedades após o início da pandemia.
Mas
como iniciei este texto, fomos criados com a ideia de que ser líder significa
ter poder, ser o forte, aquele que tem mais ideias, o que manda e desmanda, o
que faz o que quer e pede a tudo e todos.
Desde
criança, fantasiamos nossos líderes como inabaláveis. Essa também é a visão que
o super-heróis passam para a gente: eles são inabaláveis. É interessante
observar que este movimento acontece novamente dentro do mundo corporativo, mas
apenas trocando os nomes dos heróis da infância por expectativas dos heróis
dentro de um contexto corporativo. É neste viés que salto aqui para uma grande
reflexão: Será que todos que estão na função de liderança entendem o propósito
de liderar?
Ao
longo de muitos anos liderando times e empresas, o arquétipo de liderança se
descontrói em meio a realidade nua e crua da vida de um líder. Afinal, liderar
é você servir o tempo todo. Abster-se de muitas coisas para si, visando
entregar e fazer pelo e para o outro.
Um estudo
da Gallup, empresa globalmente reconhecida no segmento de
pesquisas, mostrou que a cada dez líderes avaliados, nove não estão
preparados para a liderança. Diante desta dualidade, reflito que culturalmente
aprendemos que para crescer e ter sucesso é necessário ser o “chefe”. Porém, na
realidade, ser o “chefe” não tem nada de glamour, muito pelo contrário. Ou
seja, nos deparamos com uma pesquisa que aponta para este descompasso entre
realidade e fantasia.
As
organizações falham ao escolher seus líderes em 82% do tempo, e a cada dez
profissionais selecionados, apenas um possui talento para liderar, segundo um
estudo realizado. Você que está lendo este texto e é líder, entende na prática
que a liderança envolve muito autoconhecimento e um trabalho imenso para
desenvolver o outro. E para você que almeja ser líder, fica a reflexão de
entender o proposito e sai da esfera do poder.
Assim,
é dentro desta jornada de liderar, ensinar os liderados, extrair o melhor de
cada um deles e fragmentar os pontos de atenção para ir tratando aos poucos com
paciência e muita empatia; dentro desta jornada árdua com a premissa diária de
trazer resultados, que muitas vezes nos fechamos em uma instância onde poucos
transitam e começamos a ter uma sensação de estarmos sozinhos. E isso acontece
mesmo com líderes que têm milhares debaixo da sua gestão.
É
uma solidão em compartilhar os desafios para não ser julgado como frágil, fraco
e incapaz. Solidão em não falar sobre as suas dores, pois o líder idealizado
não sente, traz resultados e sempre vence. Solidão por não poder ser ele mesmo,
em muitas ocasiões, rir de assuntos aleatórios e não ficar preso somente ao
trabalho.
Escolher
ser um líder vai muito além de crescer profissionalmente, como nos foi vendido
a ideia. A liderança está atrelada ao propósito de vida de quem se propôs
assumir este papel, tem a ver com as suas motivações e aspirações individuais
e, não apenas com o monetário ou status adquirido.
Tenho
descoberto a cada dia que o meu propósito está diretamente ligado à liderança,
movimentos conscientes e desejos inconscientes que me atraem para esta rota.
Mas já me questionei muito sobre esta doação. E dentro de mim pulsa:
ninguém transborda aquilo que não tem dentro do copo. Ninguém sabe o que se
passa realmente com os seus líderes. Vestimos uma couraça que oculta nossos
desafios internos, para vencer as provas diárias.
Como
dizia Ayrton Senna: “Vocês nunca conseguirão saber como um piloto se sente
quando vence uma prova. O capacete oculta sentimentos incompreensíveis”.
Shirley Fernandes - diretora Comercial e de
Marketing da N1 IT, empresa do Grupo Stefanini.
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