Conservação dos estoques de CO2 do bioma é altamente afetada por degradação florestal, que pode levar a emissões pelo menos 30% maiores do que as geradas por mudanças climáticas. O alerta foi feito por cientistas brasileiros na revista Science Advances (exemplo de impacto humano na Mata Atlântica: corte seletivo de madeira; foto: Renato A.F. Lima)
Entre os inúmeros benefícios das
florestas nativas está o grande potencial de estocar carbono na biomassa de
suas árvores, o que pode contrabalancear as emissões de gases de efeito estufa
para a atmosfera. Estudo publicado sexta-feira (17/06)
na revista Science Advances traz novos subsídios
para compreender o conceito de “sequestro de carbono”, um aspecto estratégico
no debate sobre mudanças climáticas globais.
“Ainda sabemos pouco sobre quais são
os fatores que podem levar florestas a estocar mais ou menos carbono”,
diz Renato Augusto Ferreira de Lima,
pesquisador do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo (IB-USP), atualmente no Centre for the Synthesis and
Analysis of Biodiversity (Cesab, com sede em Montpellier, França), e um dos dez
cientistas que assinam o artigo. “Neste trabalho nós usamos uma grande base de
dados de inventários florestais para avaliar quais são os fatores que têm maior
peso para explicar os estoques de carbono atuais na Mata Atlântica. Encontramos
que os fatores ligados aos diferentes tipos de impactos humanos sobre a
floresta têm o maior peso, sendo este duas a seis vezes maior que fatores como
clima, solo e características das espécies de árvores que compõem a floresta”,
explica.
Portanto,
reverter os efeitos dos impactos humanos nos remanescentes de Mata Atlântica
seria a melhor estratégia para aumentar os estoques de carbono florestais.
Atualmente, cerca de 50% da população brasileira reside em áreas originalmente
ocupadas pelo bioma.
Segundo
Marcela Venelli Pyles, doutoranda em ecologia aplicada do Departamento de
Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Lavras (UFLA), que
lidera o estudo, a conservação dos estoques de carbono da Mata Atlântica é
altamente dependente da degradação florestal, que pode levar a perdas de
carbono pelo menos 30% maiores do que qualquer futura mudança climática. Além
disso, as emissões da degradação florestal podem comprometer os esforços de
conservação de acordos de mitigação das mudanças climáticas, por exemplo, metas
de REDD+ (instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar financeiramente países em
desenvolvimento por seus resultados relacionados à recuperação e conservação de
suas florestas) e Aichi (20 proposições voltadas à redução da perda da
biodiversidade aprovadas na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre
Diversidade Biológica).
Por
exemplo, a intensificação de distúrbios dentro de um fragmento de Mata
Atlântica pode levar a perdas de carbono de até 10,50 toneladas por hectare,
correspondente a emitir 15,24% do carbono estocado em 1 hectare, enquanto a
proteção pode alcançar ganhos de carbono no montante de 12,02 toneladas por
hectare (+17,44% de estocagem).
Clima mais quente
Além da
degradação pela ação humana, a pesquisa apurou o quanto os estoques de carbono
da Mata Atlântica são ameaçados pelas mudanças climáticas, mais especificamente
aumento de temperatura e estresse hídrico. Se o aquecimento global for
restringido a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, como sugerido pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas,
3,53 toneladas por hectare (+5,12%) de carbono seriam liberadas apenas da Mata
Atlântica. “Mas se o aquecimento global continuar em sua taxa atual, as
emissões de carbono podem exceder 9,03 toneladas por hectare [+13,11% em
emissões de carbono]”, complementa Pyles.
O artigo
ainda indica que as iniciativas com o objetivo de mitigar as mudanças
climáticas por meio da restauração de florestas poderiam se beneficiar da
inclusão de espécies com maior densidade de madeira, sementes mais pesadas e
folhas maiores. O grupo de pesquisadores alerta que as políticas de conservação
de carbono devem levar em conta aspectos metodológicos usados para a
quantificação dos estoques de carbono. “As diferenças entre metodologias
utilizadas em campo podem levar a erros na estimativa de carbono e,
consequentemente, à má interpretação e ineficiência de ações de mitigação do
clima”, explica Pyles.
O estudo
também aponta que a relação entre a biodiversidade e os estoques de carbono é
fraca na Mata Atlântica. Isso revela que as políticas de conservação focadas
apenas no carbono podem falhar na proteção da biodiversidade e destaca a
importância de implementação de mecanismos de incentivos complementares e
separados que visem alcançar também a preservação de espécies.
Segundo
Lima, os resultados encontrados para a Mata Atlântica podem servir de lição
para outras florestas do mundo – diante das crescentes intervenções humanas nas
florestas tropicais ao redor do planeta, oferecendo soluções baseadas na
natureza no combate às mudanças climáticas.
O artigo é assinado também por Luiz
Fernando Silva Magnago (Universidade Federal do Sul da Bahia), Bruno X. Pinho
(Universidade Federal de Pernambuco), Gregory Pitta (USP), André L. De Gasper e
Alexander C. Vibrans (Universidade Regional de Blumenau), Vinícius Andrade
Maia, Rubens Manoel dos Santos e Eduardo van den Berg (UFLA). A pesquisa
recebeu apoio da
FAPESP, que financiou os estudos de pós-doutorado de Lima.
O artigo Human impacts as the main driver of tropical forest carbon pode
ser lido em: www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abl7968.
Ricardo Muniz
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-quantifica-impacto-humano-sobre-a-capacidade-de-retencao-de-carbono-da-mata-atlantica/38916/
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