Os resultados da pesquisa demonstraram, pela primeira vez, declínio significativo dos processos cognitivos nesse público
Com expectativa de vida de 76,8 anos, o Brasil tem cada vez mais idosos. Em 2018, quase 2.400 milhões ide idosos já haviam sido diagnosticados com demência e a previsão é de que em 2028 esse número ultrapasse os 3.272 milhões
De modo geral, os extremos de idade são os períodos da vida associados a
alta suscetibilidade a doenças. Na população acima dos 65 anos, várias razões
contribuem para esse fato, como sistema imunológico mais comprometido e
diminuição de algumas funções fisiológicas. Sabe-se, por exemplo, que a
persistência dos sintomas da doença causada pelo vírus chikungunya
(CHIKV) é preocupante nesse público, em parte devido à maior associação
com distúrbios osteomusculares crônicos, frequentes nessa faixa etária. Agora,
um recente artigo publicado na revista Frontiers in Psychiatry intitulado “Cognitive Dysfunction of Chikungunya
Virus Infection in Older Adults“,
revelou, pela primeira vez, que a infecção pelo vírus pode causar declínio
cognitivo a longo prazo em idosos e ser um fator de risco para demência futura
nesse público. Os cientistas promoveram um estudo transversal, por meio de
avaliações clínicas, neuropsicológicas e geriátricas.
A pesquisa, realizada em 2019, analisou 121 idosos voluntários na faixa
etária entre 60 e 90 anos, sendo 95 deles acometidos pela doença em Natal (RN)
em média seis meses antes. Os outros 26, entraram para o grupo controle, no
qual ninguém havia sido infectado. O Dr. Kleber Luz, infectologista do Hospital
Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Huol/UFRN), um dos coordenadores do estudo, explica que o objetivo do estudo
foi avaliar o impacto em uma população mais idosa e para isso questionários
estruturados foram aplicados a um grupo afetado pela chikungunya e a um grupo
saudável com idade correspondente foi usado como grupo controle. Ainda segundo
o Dr. Luz, estes questionários utilizados e aplicados aos casos e controles,
chamados Pfeffer’s Functional Activities Questionnaire (FAQ) e Geriatric
Depression Scale (GDS), são ferramentas previamente já utilizadas na prática da
avaliação cognitiva dos pacientes geriátricos. O estudo também submeteu os
voluntários a uma avaliação médica e depois a uma bateria de testes, organizada
por uma equipe de psicólogos da UFRN.
Algumas pacientes acometidos pela febre chikungunya relataram perda da
capacidade de concentração, de atenção, além de lapsos de memória e isso foi
atribuído ao alzheimer quando poderia ser uma das sequelas provocadas pelo
vírus CHIKV. “Estas perdas da capacidade cognitiva foi mais evidente no grupo
acometido pelo vírus chikungunya. Estabelecendo uma relação temporal entre o
evento chikungunya e a perda da capacidade cognitiva”, ressalta o Dr. Luz. De acordo
com o estudo, dois terços dos participantes tinham queixas subjetivas de
memória, e 68% deles estavam preocupados com essa questão, embora apenas 44%
tivessem relatado que a queixa de memória começou no último ano. Uma dessas
avaliações foi o teste cognitivo Montreal, conhecido pela sigla em inglês MoCA.
Ao longo do período de pesquisa, enquanto a idade foi mantida constante, a
infecção pelo vírus chikungunya foi associada a um aumento de 607,29% na chance
de ter o desempenho no MoCA considerado prejudicado ou em declínio quando
comparado ao grupo com os controles saudáveis.
O Rio Grande do Norte foi um dos estados com maior prevalência de casos
de chikungunya, que afetou muitos idosos. Em 2019, registrou mais de 12 mil
casos, com média de 348 a cada cem mil habitantes, ficando atrás somente da
incidência no Rio de Janeiro. Na fase aguda houve manifestação de doenças
graves no sistema neurológico, como meningite. Alguns pacientes idosos
relataram perda da capacidade de concentração, de atenção, além de lapsos de
memória.
O infectologista destaca ainda que a motivação para a realização do
estudo foi a regra geral de que doenças infecciosas de uma forma geral são
capazes de produzir impactos sobre o sistema nervoso central. “Estes impactos
podem ter uma curta duração ou serem prolongados. Por exemplo, há relatos de
que mulheres acometidas por dengue podem desenvolver quadro depressivo por até
dois anos, mas, na prática, os autores perceberam que pacientes no
pós-chikungunya agudo se queixavam de uma redução da capacidade cognitiva”,
justifica.
Questionado de que forma os resultados podem ajudar no debate sobre o
envelhecimento da população e aumento de demências, o Dr. Luz é categórico ao
afirmar que os achados podem colaborar para que medidas preventivas de doenças
transmitidas por mosquitos possam de certa forma impactar na redução de casos
de perda cognitiva, principalmente nos casos que ocorrem na população idosa.
“De uma forma clara as demências estão relacionadas a fenômenos já esclarecidos
de deposição ou acúmulo de determinadas substâncias químicas, todavia a
ocorrência de uma enfermidade infecciosa ou principalmente tropical poderá
agravar os casos de demência principalmente em áreas que já tem um grave
comprometimento dos recursos financeiros”, conclui.
Casos de demência devem quase triplicar até 2050
No ano de 2018 foram registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) o total de 28 milhões com 60 anos ou mais, sendo 13% do
total populacional do Brasil que era de 209,5 milhões. De acordo com a
prevalência estimada (8,5%), do total de 28 milhões (≥60), seriam quase 2,38
milhões de indivíduos com demência no Brasil. Para 2028, a previsão é de que
esse número ultrapasse os 3.27 milhões, o que significa quase 1 milhão a mais
em 10 anos. Em 2042, o número deve dobrar, passando de 4.76 milhões.
Os números são ainda mais assustadores para 2050, quando mais de 153
milhões de pessoas poderão ter demência, de acordo com o alerta dos
pesquisadores no estudo intitulado “Estimation of the global prevalence
of dementia in 2019 and forecasted prevalence in 2050: an analysis for the
Global Burden of Disease Study 2019” publicado
na revista científica The Lancet Public Health. Em 2019, o número era de 57
milhões. No Brasil, previsão é que se chegue aos 5,6 milhões. Em 2019, o número
era de 1,8 milhão. A pesquisa, que analisa dados de 195 países, busca dar aos
governos uma ideia de quais medidas podem ser necessárias.
De acordo com o artigo “Dementia in Latin America: An
Emergent Silent Tsunami”,
publicado na revista Frontiers in Aging Neuroscience, em 2016, as previsões
sugerem que, em 2050, o número de pessoas com 60 anos aumentará em 1,25 bilhão,
com 79% vivendo nas regiões menos desenvolvidas do mundo.
Com expectativa de vida de 76,8 anos, o Brasil tem cada vez mais idosos
e os dados de pesquisas epidemiológicas nacionais e internacionais visualizam
uma prevalência global elevadíssima de demência. Por isso, é urgente o debate e
o planejamento estratégico para a melhor utilização das informações obtidas
pelo estudo. A discussão desses dados com os gestores de saúde em todos os
níveis de atuação: município, estado e governo federal, pode ajudar a planejar
ações e políticas públicas em formato de protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas, pois a população brasileira está envelhecendo.
Sobre a doença
A doença causada pelo vírus Chikungunya é uma arbovirose transmitida
pelo Aedes aegypti, porém o Aedes albopictus também pode transmitir. Os
principais sintomas, além da febre, náuseas, vômitos, possui como principal
característica a forte dor nas articulações, que pode, inclusive, ser
incapacitante e durar meses ou até anos após o quadro agudo, com um curso muito
semelhante ao da artrite reumatoide. O tratamento tradicional é feito de acordo
com os sintomas, com o uso de analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios
para aliviar febre e dores. Entretanto, o tratamento necessita de adequado, e
nem sempre fácil, manejo de analgésicos, em alguns casos com o uso conjunto de
imunomoduladores. É comum que as dores nas juntas permaneçam por um certo
tempo, mesmo após a eliminação dos outros sintomas. Por isso, em alguns casos é
recomendada fisioterapia. O acompanhamento é realizado idealmente por um médico
reumatologista. Outras complicações e óbitos são incomuns e estão associados
principalmente a manifestações raras, como o acometimento do sistema nervoso
central.
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