Um dos fascínios da vida, aqui de onde a vejo aos 75 anos, é a possibilidade de ouvir o que os jovens falam e o que alguns dizem aos jovens. Nessa tarefa instigante de ouvir, comparar e meditar, volta e meia me deparo com a afirmação de que os anos 60 e 70 produziram uma geração de jovens alienados. Milhões de brasileiros teriam sido politicamente castrados em virtude das restrições impostas pelos governos militares que regeram o Brasil naquele período. Opa, senhores! Estão falando da minha geração. Esse período eu vivi e as coisas não se passaram deste modo.
Bem ao contrário. Nós, os
jovens daquelas décadas, éramos politizados dos sapatos às cabeleiras. Ou se
era comunista ou se lutava contra o comunismo. Os muitos centros de
representação de alunos eram disputados palmo a palmo. Alienados, nós? A
alienação sequer era tolerada na minha geração! Todo santo ano, o DCE da UFRGS
comemorava como data nacional o aniversário da Revolução de Outubro (revolução
bolchevique de 1917). Havia passeata por qualquer coisa, em protesto por tudo e
por nada, e o desfile dos bixos da universidade era uma passeata com alegorias.
Surgiu, inclusive, uma figura estapafúrdia - a greve “de apoio”, a greve “a
favor”. É sim senhor. Os estudantes brasileiros dos anos 70 entravam em greve
por motivos que iam da Guerra do Vietnã à solidariedade às reivindicações de
trabalhadores. Havia movimentos políticos organizados e eles polarizavam as
disputas pelo comando da representação estudantil.
O Colégio Júlio de Castilhos, público, onde tive a ventura de estudar durante
os três anos finais do ensino médio, foi uma usina onde se forjaram importantes
lideranças do Estado. As assembleias estudantis e os concursos de declamação e
de retórica preparavam a rapaziada para as artes do debate político. Na
universidade, posteriormente, ampliava-se o vigor das atuações. O que hoje
seria impensável – uma corrida de jovens às bancas para comprar jornal – era o
que acontecia a cada edição de O Pasquim, jornal de oposição ao regime, que
passava de mão em mão até ficar imprestável.
Agora, leitor, compare o que
descrevi acima com o que observa na atenção dos jovens de hoje às muitas pautas
da política. Hum? E olhe que não estou falando de participação. Estou
falando apenas de atenção, de tentativa de compreensão. Quase nada! As disputas
pelo comando dos diretórios e centros acadêmicos, numa demonstração de absoluto
desinteresse, mobilizam parcela ínfima dos alunos. Claro que há exceções nesse
cenário de robotização. Mas o contraste que proporcionam permite ver o quanto é
extensa a alienação política da nossa juventude num período em que as franquias
democráticas estão disponíveis à vitalidade da dimensão cívica dos indivíduos.
Em meio às intoleráveis
dificuldades impostas à liberdade de expressão nos anos 60 e 70, a juventude
daquela época viveu um engajamento que hoje não se observa em quaisquer faixas
etárias. Nada representa melhor a apatia política dominante entre a juventude
brasileira do que os fones de ouvido.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário,
escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba,
a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus
brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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