O estado de calamidade instaurado pela
pandemia da COVID – 19 alavancou uma necessária onda de “teletrabalho” em busca
de prevenção e proteção contra o vírus e, nesta onda, trouxe-se uma série de
alterações na dinâmica da prestação de serviços. Nesta dinâmica está o
pagamento de benefícios, entre eles, por assim dizer, o Vale-Refeição, tão usual e tão rotineiro que sua
natureza deixou de ser questionada.
Vale lembrar que o teletrabalho já
vinha positivado na CLT desde novembro de 2017 pela Reforma Trabalhista (Lei
13.467/2017), mas certamente foi a quarentena quem trouxe tal regime à
consciência prática e massiva de empregadores e empregados e o fez de forma
abrupta, para não dizer estabanada. Esta falta de transição, carência de
estratégia, é oriunda do fato de que os contratos atingidos pela exigência do
teletrabalho já estavam em curso e com direitos aplicáveis decorrentes do
próprio contrato, da Lei e de instrumentos normativos (Convenção Coletiva e
eventualmente Acordo Coletivo) que, até então, ainda vigoravam no mundo arcaico
da indústria e do chão de fábrica. Verdade seja dita, o Legislador tem se
esforçado para adequar o Direito do Trabalho às atuais formas de produção, não
mais tão estagnadas,mas é neste costume e tradição já enrugados e atrofiados
pelo tempo que está o Vale-Refeição e, na
forçosa mudança do trabalho executado no estabelecimento empresarial para as
residências do trabalhador é que se precisa, novamente, resgatar a natureza
deste auxílio.
Ora, o Vale-Refeição,
ou, genericamente, o auxílio refeição, não tem outra natureza senão a
indenizatória. Trata-se de parcela paga pelo empregador para o empregado
trabalhar, para o empregado ter subsidio a um custo decorrente de sua prestação
de serviço longe de sua casa, custo este que se manifesta na saída do
trabalhador de sua residência e na necessidade do obreiro ter de se alimentar
fora de sua moradia.
Para trabalhar e se alimentar nos
arredores da empresa o trabalhador recai em custos, por vezes tão excessivos
que, não fosse o vale refeição, seu salário estaria totalmente corroído ao
final do mês. Diz-se aqui o óbvio para enfatizar que as estratégias criadas
pelo Legislador para assegurar a natureza indenizatória do Vale-Refeição não estão acima do conceito, não são em
si a definição do Vale-Refeição, isto,
porque, o pagamento via cartão ou empresa especializada no serviço de
alimentação ou, ainda, a própria inscrição do empregador no PAT (Programa de
Alimentação do Trabalhador) são formalidades e veículos delineadores da
indenização e formas de evitar fraudes e excessos de empregadores que pagavam
por vezes valores maiores de Vale Refeição que de salário para fugir,
ilicitamente, dos encargos trabalhistas.
Pois bem, como dito, o Vale-Refeição tem natureza indenizatória e, se não há
o dano, se não há o que ser reparado, não há o que se indenizar. Se o
trabalhador não recai no custo extraordinário de se alimentar fora de sua
residência, se o trabalhador não tem mais um custo para ir trabalhar, deixa-se
de existir o dever de se pagar o Vale Refeição.
Esta colocação é tão logica quanto
legal.
O § 2º do artigo 457 da CLT
explicitamente garante que o auxílio alimentação, ainda que pago habitualmente,
não se incorpora ao contrato de trabalho, assim como não é base de
incidência de qualquer encargo, trabalhista ou previdenciário. Veja, a
disposição da Lei, a rigor, é desnecessária, uma vez, como dito, que a essência
do Vale-Refeição é indenizatória.
Não nos parece restar dúvidas, portanto,
que no regime do teletrabalho não se faz necessário ou exigível o pagamento do
Vale-Refeição, salvo se em instrumento
normativo ou contratualmente tal parcela estiver fixada ao teletrabalhador.
Esta é a premissa da exigibilidade e o princípio do Vale-Refeição.
Porém, para bagunçar esta lógica, a MP
936/2020 que autorizou reduções salariais e suspensões contratuais (já
convolada na Lei 14.020/20) e, a própria MP 927/2020 que inaugurou a série de
regimes de teletrabalho na pandemia, fixaram, quando trataram das suspensões
contratuais, que o empregador deveria manter todos os benefícios ao empregado -
o que gerou questionamentos se os contratos migrados ao teletrabalho deveriam
também carregar o Vale-Refeição, como
benefício que supostamente pode ser. A bagunça não parecer ter razão, pois,
como dito, a garantia dos benefícios foi posta aos contratos suspensos, como
forma de minimizar a precarização da medida – da suspensão contratual sem
pagamento de salários, não ao teletrabalho. Ademais, pode-se questionar o
conceito de “benefício” dado por alguns ao Vale-Refeição,
pois, como sabido, a indenização não vem acrescentar um bem ao trabalhador, mas
reparar um dano.
Por todas essas razões e pela menção
expressa do § 2º do art. 457 da CLT de que o auxílio alimentação não se
incorpora ao contrato de trabalho é que se defende que para os contratos em
regime de teletrabalho, migrados durante o estado calamidade ou não, não se faz
necessário o pagamento de Vale Refeição, salvo se houver obrigação expressa e
específica no contrato de trabalho ou a esta modalidade de trabalho no
instrumento normativo.
Por fim, entendemos que para o Vale-Alimentação, aquele gasto em supermercados para
compra de alimento in natura, o tratamento deve ser mais cauteloso e o
seu pagamento assegurado ao teletrabalhador, mesmo se previsto genericamente
apenas em Convenção Coletiva, ainda que sem previsão específica ao regime de
teletrabalho, pois sua essência é sim de acrescer um benefício e dar um
atrativo ao contrato de trabalho, não o de reparar uma dano causado pela
execução de serviços no estabelecimento da empresa.
Breno
Euzébio de Faria - sócio coordenador de serviço da área trabalhista do
escritório Sevilha, Arruda, Advogados Associados
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