O capítulo III do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das
relações jurídicas de Direito Privado (RJET), Lei Federal nº. 14.010 de 10.06.2020,
dispõe sobre o tema da assembleia geral em seu único artigo, qual seja, o art.
5º.
O artigo 4º do RJET foi vetado, embora tenha passado incólume
desde a apresentação do projeto de lei até o final do seu processo legislativo
no Congresso Nacional. Em suma, o dispositivo determinava a observância às
recomendações oficiais locais quanto à possibilidade de promover reuniões e
assembleias e restringia a hipótese de realização de assembleias eletrônicas
tão somente às associações, sociedades e fundações.
Nas razões do veto, consta o fundamento de que a matéria estaria
em desacordo com a Medida Provisória nº. 931/2020 e, não sendo possível o veto
parcial no tocante somente às sociedades, foi vetado na sua íntegra no intuito
de resguardar o “interesse público ao gerar insegurança jurídica”. No entanto,
não é o que a hermenêutica indica.
Pela interpretação sistemática do dispositivo remanescente e
vigente, o art. 5º, durante o período da pandemia, delimitada temporalmente com
início em 20.03.2020 (art. 1º, parágrafo único) e com termo final legal em
30.10.2020, todas as pessoas jurídicas de direito privado podem realizar
assembleia geral em formato eletrônico.
Na forma do art. 44 do Código Civil e em observância à
tipicidade legal, são pessoas jurídicas de direito privado: associações,
sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresas
individuais de responsabilidade limitada (Eireli). Nem todas as espécies
possuem exigências legais de realização de assembleia geral, em outros casos há
incompatibilidade material, como o caso da Eireli por se tratar de tipo
unipessoal.
A autorização para a realização do ato dispensa a previsão no
Estatuto Social ou Contrato Social. Para tanto, delega a atribuição da
definição do meio pelo qual se dará a manifestação dos participantes ao
administrador, tendo como requisitos mínimos a possibilidade de identificação
da pessoa e a segurança do voto, com a presunção legal de produção de efeitos
tal qual um assinatura presencial.
Pela aplicação da Lei de Introdução às Normas de Direito
Brasileiro (LINDB, do Decreto-lei nº. 4.657/1942) é preciso qualificar as
normas do RJET como lei temporária, não havendo que se falar em conflito com a
MP nº. 931/2020 que tem pretensão de definitividade.
Sem prejuízo, ainda que o RJET fosse norma permanente, a lei
posterior somente revoga a anterior se assim o declarar expressamente, for
incompatível ou regular inteiramente a matéria da lei anterior (art. 2º, §1º),
que, ainda, deve ser interpretada no sentido de que a lei nova, que estabelece
disposições gerais ou especiais em conjunto com as já existentes, não revoga ou
altera lei anterior (art. 2º, §2º) – no caso a MP nº. 931/2020 que teria
natureza de norma especial.
Nessas condições, o fundamento do veto ao art. 4º do RJET
ampliou a aplicação a todas as pessoas jurídicas de direito privado, de modo
que também deve ser interpretada em conjunto com a MP nº. 931/2020, sem abrir
mão da boa técnica de hermenêutica jurídica da LINDB.
Micheli Mayumi Iwasaki - advogada, mestre em Direito
e especialista em Sociologia Política pela UFPR, membro da Comissão de Direito
Cooperativo da OAB Paraná, sócia do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e
Advogados Associados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário