Liberdade e segurança. Duas palavras opostas e
igualmente complementares podem resumir o dilema enfrentado hoje no que diz
respeito à regulamentação das redes sociais. Segundo o sociólogo polonês
Zygmund Bauman (1925-2017), em seu livro Cegueira Moral, encontrar um
equilíbrio entre esses dois fatores é uma utopia. Essa busca gera um intenso
“desconforto humano”, uma vez que sempre haverá um conflito entre a “liberdade
de agir de acordo com as suas compulsões, inclinações, impulsos e desejos” e as
“restrições impostas por motivos de segurança, altamente necessárias para uma
vida satisfatória”.
Apesar de ser considerada quase uma missão impossível
para o sociólogo, é fato que países democráticos continuam buscando uma
sociedade que respeite os direitos individuais e tenham certos níveis de
controle para garantir o bem-estar de todos. É o que observamos atualmente no
Brasil, com o debate sobre a Lei das Fake News (PL 2630/2020). O projeto tem
gerado opiniões diversas entre setores do governo e da sociedade. Segundo uma
pesquisa do Ibope, 90% dos eleitores brasileiros apoiam a regulamentação de
redes sociais para combater fake news. Apesar da opinião expressiva, esse dado
por si só não justifica qualquer possibilidade de violação de liberdades ou
censura.
Primeiro, é preciso entender que as fake news
sempre existiram. Porém, com a globalização e a popularização das mídias
sociais, observamos o avanço dessa prática para fins de manipulação política, a
ponto de influenciar o resultado de eleições, como ficou comprovado no
plebiscito do Brexit, na Inglaterra, e na última eleição presidencial dos
Estados Unidos.
Considero que existam dois tipos de fake news. Há
aquelas absurdamente irreais, que geram desconfiança na maioria dos leitores.
Há outras bastante críveis, sendo essa suposta credibilidade o combustível para
o sucesso de sua disseminação. Essas são as mais preocupantes, ao meu ver: ao
agradar determinados grupos, que se identificam com aquilo que está sendo dito,
a mentira é inflada de tal forma a criar uma bolha de desinformação em massa. É
como se as pessoas quisessem muito acreditar em algo e a notícia viesse a
confirmar uma crença.
Na Lei das Fake News, as regras sobre a moderação
de conteúdo são as mais polêmicas. Ainda em discussão, a proposta determina que
as empresas responsáveis por redes sociais e serviços de mensagem interrompam a
circulação de conteúdos classificados como total ou parcialmente enganosos. De
certa forma, empresas como Facebook e Twitter já vêm sinalizando os usuários
quando um conteúdo é duvidoso, seja revelando a verdade por trás da fake news
ou orientando o usuário a pesquisar em fontes seguras. No caso do Facebook, por
exemplo, foi notório que haviam milhões de perfis falsos que influenciaram em
eleições e outros temas importantes, então era preciso algum tipo de medida
protetiva. Tendo em vista que as mídias sociais funcionam como veículos de
marketing, elas devem se responsabilizar inclusive por determinados tipos de
propagandas que sejam lesivas ou abusivas aos consumidores.
Além de caluniar pessoas, distorcer fatos, degradar
a qualidade de relações reforçando ideias pré-concebidas que em maior ou menor
grau as pessoas têm em relação a determinados assuntos polêmicos, as fake news
podem ser encaradas até como uma forma de violência. O Código Penal já possui
instrumentos para coibir o crime de calúnia e difamação, mas a discussão e a
legislação sobre o tema vêm em boa hora. No mundo virtual, a apuração de
autoria é bem mais complexa, principalmente nas redes sociais, mas não é
impossível de ser feita. Também é importante lembrar que não basta criar a lei,
é preciso investir nas delegacias especializadas para que ela produza os
efeitos almejados. Precisamos encarar o tema com seriedade e respeito, para que
possamos construir uma sociedade baseada nos princípios da verdade, da
informação e da liberdade de expressão.
Dane
Avanzi - advogado, empresário de telecomunicações e diretor do Grupo Avanzi.
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