Ao colocar as pessoas em isolamento social, a
pandemia do coronavírus gerou uma crise múltipla: parou parte do sistema
produtivo, fábricas e lojas fecharam, estabelecimentos de serviços pessoais
deixaram de atender, o desemprego aumentou, e milhões de profissionais
autônomos perderam sua renda. O estrago econômico nacional foi grande, a perda
financeira das famílias foi expressiva e os efeitos psicológicos do isolamento
e do empobrecimento econômico está aí, visível para todos. Esta crise, porque
ela ainda não acabou, acendeu um debate novo sobre a previsão de crises
futuras.
A pergunta principal é: há alguma crise em formação
que não estamos vendo e que pode explodir em algum momento do futuro? A
pergunta pode parecer um pouco ingênua, pois crises fazem parte da vida
econômica, social e política, logo, outras crises virão certamente. Mas, a
questão não é essa, e sim tentar ler a realidade mundial e, por meio de
informações e estudos, captar sinais que ajudem a prever determinada crise de
uma ou outra natureza. Para entrar no debate, penso em três crises possíveis.
O mundo vem criando ondas globais que podem
terminar em crises de efeitos devastadores. Essas ondas, por mais que sejam
graves, não são facilmente visíveis aos olhos da multidão. Buckminster Fuller
(1895-1983), o gênio inventor, futurista, arquiteto e escritor, estabeleceu
certa diferença entre o cérebro e a mente humana. Segundo ele, o cérebro vê os
objetos tangíveis, mas aquilo que não é tangível nem perceptível somente é
visto com os olhos da mente. Ele alerta: “você não pode desviar-se de coisas
que não vê movendo em sua direção”.
A primeira, por óbvio, é a crise econômica pós-coronavírus.
Que o produto mundial vai cair é algo que todos sabemos. Se o produto cai e a
população aumenta, o produto por habitante – que é a versão real da renda per
capita – declina, em uns países mais e em outros, menos. Nem a taxa de redução
da renda por habitante será igual em todos os lugares nem o empobrecimento terá
o mesmo significado. Uma coisa é a queda de 20% na renda per capita da
Dinamarca, que hoje está em 61 mil dólares/ano, outra coisa é essa mesma queda
no Brasil, cuja renda anual por habitante não chegou aos 11 mil dólares.
De qualquer forma, a queda do produto mundial já
está levando milhões de empresas à falência e à redução do tamanho, os salários
médios irão cair, o desemprego aumentará e o padrão médio de vida será
reduzido. Então, a queda do produto e da renda será uma crise enorme que o
mundo sofrerá, iniciando a partir de agora. Se será apenas uma recessão não tão
grave ou uma depressão profunda, é o que veremos. Essa é a primeira crise dos
próximos anos, que demandará a atenção e a inteligência da humanidade para
superá-la.
A segunda crise, e essa é mais estrutural, é o
aumento do número de pessoas desocupadas. É a crise do desemprego, que pode
criar aquilo que o escritor Yuval Harari (1976-) chamou de uma “enorme classe
sem utilidade”. Além do desemprego causado pelos efeitos da pandemia do
coronavírus, o mundo caminha para outro tipo de desemprego com o qual ainda não
sabe como lidar. Trata-se do seguinte: nas revoluções tecnológicas do passado,
as máquinas competiam com o ser humano em habilidades físicas, mas agora, na
quarta revolução tecnológica, as máquinas e os robôs vão competir com o ser
humano em habilidades cognitivas, e milhões de pessoas perderão seu emprego.
A terceira crise, se houver, fará parte das grandes
catástrofes financeiras. Será a crise dos derivativos. Em 2008-2009 o mundo viu
explodir uma grave crise financeira, cujos efeitos foram devastadores. Essa
crise não explodiu do nada em 2008. Suas causas foram plantadas e desenvolvidas
durante pelo menos os 20 anos anteriores. Porém, praticamente ninguém não a
previu. Uns poucos especialistas tentaram alertar sobre a formação da onda que
estava vindo em nossa direção. Mas não foram ouvidos.
Atualmente, há uma onda em formação que pode
terminar em uma crise financeira de grandes proporções. Trata-se das operações
de derivativos (contratos futuros mercantis e financeiros, derivativos de
commodities, ações, títulos de crédito, juros, câmbio, moedas etc.). Segundo
algumas estimativas, o total de operações com derivativos chega a ser igual ao
valor do produto bruto mundial, que é de US$ 135 trilhões, multiplicado por
seis.
Derivativos são instrumentos financeiros de
proteção e especulação que ajudam a incentivar a economia mundial e dar
liquidez a ativos representados por bens, direitos ou obrigações. Não são
operações maléficas nem ilegais. O problema dos derivativos é que são soluções
novas, cujas regras ainda não foram testadas suficientemente. Isso pode
representar a maior bolha financeira da história.
Se essas crises vão ocorrer ou não, é difícil
saber. Mas há sinais que merecem ser observados e estudados, pois eles podem
representar elos de uma rede que vai estourar lá frente, com todos seus efeitos
danosos.
José Pio Martins -
economista, é reitor da Universidade Positivo.
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