A Verdadeira Arte: A Pureza da
Infância
Talvez, a maior dificuldade deste texto seja a de conseguir sair do lugar comum em que se transformou a discussão da performance artística no MAM, em que uma criança estimulada por sua mãe, presencia e toca um personagem nu.
Não se trata de discutir o que é Arte, mesmo porque muitos dos que tentaram não têm formação e capacitação para tal façanha.
Não se trata de atribuir o ocorrido à pedofilia ou a atos libidinosos; mesmo porque, se nos ativermos aos significados etimológico e legal desses termos, perceberemos o quão longe passa tal abordagem e o quanto incorretas são essas colocações.
Não se trata de debater posições ideológicas, em que se antagonizam a liberdade de expressão que, com exceção de exageros e de extremismos, deve ser defendida, sempre e por todos, com a censura, que deveria ser combalida, sempre e por todos.
Não se trata de discutir correntes políticas, discorrendo e navegando entre a “esquerda liberal” e a “direita fascista”, ou de se trazer o assunto para a fundamentação de convicções político-partidárias.
Não se trata de discutir a censura e a sua relação histórica com os governos e políticas de Estado transcorridos em nossa República.
Não se trata de discutir semelhanças e diferenças entre as diversas correntes e movimentos de Arte da humanidade, questionando os nus do Renascimento em contraposição ou conjunção aos nus contemporâneos.
Não se trata de dividir o mundo, as ideias e as pessoas em duas únicas correntes,
a do bem e a do mal.
Não se trata da simples discussão legalista de que a Constituição Federal e o ECA, em amplitude e especificamente, protegem as crianças e os adolescentes e impõem normas e regras que devam ser seguidas, à risca, com a punição de seus infratores.
Enfim, não se trata da discussão simplista de que esse assunto finalize e determine ações ou condutas únicas ou designadas por grupos, órgãos ou sociedades.
Trata-se de algo muito mais profundo. De trazer, de maneira verdadeira e, quiçá,
dolorosa, a discussão de que estamos, cada dia mais, diante de situações que
expõem e fragilizam as crianças e os adolescentes. Ou pior, de reconhecer
que estamos vivenciando conjunturas que passaram a ser consideradas como
normais e corriqueiras e que podem destruir a infância.
Trata-se, enquanto cidadãos, educadores, família e formadores de opinião, que façamos valer a o verdadeiro valor da palavra Dignidade, escrita e cantada em nossa Constituição Federal, mas que, no dia a dia de nosso país, não tem sido lembrada e respeitada, nem sequer - ou muito menos - por nossos líderes e políticos.
Trata-se, enquanto Sociedade de Pediatras, que não só nos preocupemos, mas também, realizemos ações e apresentemos posições em verdadeira defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Trata-se de questionar e se contrapor à existência de direitos absolutos. Entender que a Arte não cede à Lei; mas, que seus artistas, idealizadores, balizadores e realizadores podem, sim, ser questionados por indivíduos que se entendam ofendidos em suas crenças e convicções. Tudo no devido Estado de Direito, sem agressões aos arguidos, com a possibilidade de amplo contraditório. Mas, que também, não existam opressões aos que se sentiram ofendidos e que os questionarem.
Trata-se de se construir algo real a partir dessa discussão; de refletir que, nos dias atuais, a qualquer hora, e por todos os meios de comunicação, se mostram temas, músicas e apresentações com forte conteúdo erótico e sensual, que expõem as crianças e os adolescentes a situações que, não sendo adequadamente entendidas e compreendias, conduzem a uma inadequada percepção da realidade.
Trata- se de reconhecer que, de há muito, existem situações cantadas e
figuradas que passam a ser entendidas como normais. De entender que devido
à pequena experiência e as poucas situações vividas, devido à tenra idade,
e em uma fase de formação, podem ocorrer desvios ou inadequações de análise, impondo-se um risco às crianças e aos adolescentes.
Trata-se, como membros da sociedade civil e de sociedade de especialistas,
em defesa das crianças e dos adolescentes, de não nos calarmos, propondo
ações efetivas para a proteção da infância.
Trata-se de estar alerta com os riscos inerentes à exposição infinita de conteúdo da Internet. Se antes, as crianças e os adolescentes, quando no interior de seus quartos, estavam “fechados” àquele mundo restrito, hoje se fecham as portas, mas não as infinitas janelas que, pelo mundo virtual, podem conduzir a danos e sequelas no mundo real.
Trata-se de destacar o papel dos pais e responsáveis na formação do caráter
e da personalidade de seus filhos. O “faça como eu mando, não faça como
eu faço” deve ser combalido.
Trata-se de os adultos e compreenderem que situações corriqueiras e naturais para eles, como o nu, a arte, o corpo humano e o toque, podem não ser devidamente entendidas pelas crianças e pelos adolescentes, expondo-os a riscos.
Trata-se de lembramos das clássicas histórias infantis nas quais, em muitas delas, se ensinava às crianças o risco de se expor a situações e pessoas desconhecidas. De que, propostas de ganhos e de pronta felicidade podem ser armadilhas com riscos à integridade física e psicológica.
No fim - e mais importante -, trata-se de não nos calarmos; de reunir forças e de construir, conjuntamente, a outras entidades, órgãos e cidadãos sérios, um país em que o lema seja “Dignidade”, além de “Ordem e Progresso”.
São Paulo, 10 de outubro de 2017
Sociedade de Pediatria de São Paulo
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