As maiores atrocidades ocorridas na história da humanidade
ocorreram fomentadas pelo discurso do ódio. Em um passado recente, na segunda
guerra mundial, o regime nazista alemão promoveu o extermínio de 6 milhões de
judeus e outros grupos considerados inferiores ou que foram perseguidos por
motivos políticos, ideológicos ou comportamentais. Esse massacre está
fartamente documentado e surpreende o seu recrudescimento no mundo atual.
A emergência de grupos supremacistas brancos, xenófobos,
racistas e neonazistas que utilizam o discurso e a apologia do ódio aos
diferentes, quer sejam negros, hispânicos, homossexuais, imigrantes entre
outros mostra que essa ideologia de extrema direita tem encontrado espaço para
se manifestar e está se tornando cada vez mais agressiva. É ilustrativo o
recente acontecimento em Charlottesville, no Estado da Virginia, onde um
enfrentamento por fanatismo, racismo e uso da violência deixou mortos e
feridos. O fato sinaliza para o mundo o perigo representado pelo discurso do
ódio e a necessidade de as democracias enfrentarem com firmeza esse tipo de
manifestação. É uma semente que não pode germinar.
Os Estados Unidos não são um caso isolado. Podemos
encontrar, hoje, o surgimento de grupos de extrema direita na Europa e outras
partes do mundo.
No Brasil, esses grupos estão saindo do limbo a que foram
relegados durante um tempo e já se sentem à vontade para manifestar-se nas
redes sociais e nas ruas defendendo ostensivamente posições racistas,
homofóbicas e xenófobas.
Na busca de culpados pelo desemprego, esses grupos
apontam para o outro, o recém-chegado imigrante que foge da miséria, da fome,
da guerra ou da perseguição política. Em diversas partes do pais tem ocorrido
situações em que imigrantes são agredidos e hostilizados. Esse discurso
simplista encontra seguidores em todos os cantos. São pessoas que ignoram que
estão sendo levadas a apoiar propostas que contrariam décadas de esforços na construção
dos direitos humanos no mundo. É o discurso da violência, do culto a
intolerância, da demonização do imigrante e do diferente.
O acontecimento em Charlottesville não pode ser visto como um
fato isolado, mas analisado dentro de um contexto, que é semelhante no mundo
todo, de intensificação da violência pela intolerância contra o outro sob
alegações diversas e com violações de direitos humanos.
No Brasil o discurso do ódio incentiva a agressão às mulheres,
aos nordestinos, aos mendigos, aos grupos LGBT, aos negros, aos deficientes e
aos imigrantes. Depois de muito tempo esses grupos de ódio têm agora até um
candidato à Presidência da República que compactua com sua ideologia,
utilizando a democracia para manifestar sua repulsa à diferença, agride as minorias,
incentiva a violência contra os estrangeiros e se arroga o direito de
manifestar essa ideologia abertamente nas redes sociais.
Os governos, nos mais diversos níveis de articulação –
municipal, estadual ou federal – devem incentivar ações voltadas para o
estabelecimento de políticas públicas que privilegiem o diálogo, a convivência,
fortalecimento de valores e princípios identificados com a tolerância, a busca
da equidade, da liberdade e o respeito à dignidade humana.
O saldo positivo da emergência desses grupos de ódio é que agora
podemos identifica-los à luz do dia, e enfrenta-los diretamente com argumentos
e fatos para evitar que vicejem e maculem as conquistas que até agora
alcançamos como sociedade democrática, baseada em instituições sólidas que se
consolidaram apesar dos percalços que a nossa estrutura política-administrativa
tem passado, originados da incompetência, má gestão e corrupção.
Os grupos de ódio emergem devido a situação de anomia que vive o
país, com altas taxas de desemprego, levando milhões de pessoas ao desespero e
sem vislumbrar melhorias num futuro imediato. Nessa população, os incautos e
desinformados são presa fácil do discurso simplista dos que pregam a
intolerância, assimilando com facilidade suas palavras de ordem e engrossando
as fileiras dessa corrente política-ideológica que tenta se impor cultuando a
violência.
Nesse contexto, cabe aos democratas não caírem em provocações
que resultem em violência. O instrumento daqueles que defendem a paz e a
democracia é a argumentação. Vale a pena citar, mais uma vez, como Obama o fez
recentemente, a frase de Nelson Mandela que indica o remédio contra o ódio:
"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, seu passado ou
sua religião... As pessoas precisam aprender a odiar, e se elas podem aprender
a odiar, elas podem ser ensinadas a amar... Porque o amor chega mais
naturalmente no coração humano do que seu oposto".
Reinaldo Dias - Sociólogo. É professor
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em
Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp.
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