Como relatei noutro artigo, meu primeiro local de trabalho,
aos 18 anos, foi o então modelar presídio Central de Porto Alegre, inaugurado
havia pouco tempo. De lá para cá, por mais de meio século, acompanhei, no
noticiário, sua degradação. Um conjunto de fatores a impulsionou: desenfreado
aumento da criminalidade, superpopulação carcerária, decomposição física das
instalações e escassez de recursos humanos e materiais.
No final dos anos 90, conhecido militante de direitos humanos
com foco nos direitos dos presos convidou-me para acompanhá-lo numa visita ao
Central. Já então, antevendo o agravamento da insegurança que estava por vir,
eu exigia, publicamente, maior rigor nas penas. E ele, pelo viés oposto,
combatia o uso excessivo das sentenças de prisão. Para convencer-me a aceitar
sua sugestão, meu interlocutor usou o seguinte argumento: "Puggina, não há
como intuir o que seja uma semana naquele lugar. Só indo lá para
compreender".
Declinei do convite porque, segundo lhe disse, para imaginar
o inferno bastavam-me as imagens periodicamente disponibilizadas pela imprensa
nacional. Na sequência, vali-me da sua argumentação para dar mais vigor a meu
ponto de vista. Disse-lhe: "Se aqueles que conhecem o inferno por dentro
não se importam de assumir os riscos envolvidos nas atividades criminosas que
os levam para lá, que motivo tenho eu, que já tive carros roubados e fui
ameaçado por revólver, para me seduzir com qualquer compassivo projeto de
esvaziamento das prisões?".
Ainda que, sob todos os aspectos, nas duas décadas
posteriores a esse diálogo, o inferno prisional tenha agravado suas aflições,
mantenho a mesma opinião. Os zeladores dos direitos dos presos, por sua vez,
seguem clamando por desencarceramento. E a esquerda continua manipulando fatos
e dados para prestidigitar o óbvio: bandido preso não está na rua estuprando,
matando, roubando, traficando.
Recente editorial de O Estado de São Paulo revela que os
governos petistas, ao longo de 14 anos, dispuseram de R$ 5 bilhões no orçamento
da União como dotação para o Fundo Penitenciário. E, desse montante, os
sensitivos protetores de bandidos não aplicaram senão 14%! Feitas as devidas
exceções, não foi diferente a atitude dos nossos congressistas, desinteressados
de cobrar a aplicação de tais verbas.
Como se sabe, na maior parte, são esmerados zeladores das próprias
moedas e da liberação de suas emendas parlamentares. E apenas delas.
Em compensação - para tudo há uma compensação -, enquanto
mandamos nossos condenados ao inferno do sistema carcerário, nossa lei nº 7210,
que trata das execuções penais, é coisa de deixar constrangidos suíços e
suecos. A lei atribui aos apenados
brasileiros estupendas "garantias legais": atenção à saúde, assistência
material, jurídica, educacional, social e religiosa, extensíveis aos egressos.
E suas penas devem ser cumpridas em estabelecimentos dotados de instalações
para trabalho, lazer, esportes, estudo e até mesmo estágio para apenados que
sejam estudantes universitários. E por aí vai. Uma lei para o paraíso,
concebida no mundo da lua. Uma realidade para o inferno, gerada na desídia,
corrupção e vício. Ah, se a Odebrecht construísse presídios!
"Nossa guerra não é contra a sociedade!", proclamou
outro dia um encapuzado, em manifesto do PCC à nação, postado no YouTube.
Pergunto: como não, bro? De que peculiar de conflito fazem parte os milhões que
perdem suas vidas e seus bens para o crime organizado e desorganizado?
Não nego os direitos dos presos, mas não hesito em afirmar
que quando se fala em direitos há ordenamentos impostos pela moral e pelo senso
comum. E o bem da sociedade que vive segundo a lei precede o bem daqueles que
optam por viver fora dela.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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