Homologada no final de 2017 para o para a Educação
Infantil e o Ensino Fundamental e, no final de 2018, para o Ensino Médio, a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em fase de implementação nas escolas de
todo o país, ainda gera muitas dúvidas nos educadores. Criado para nortear os
currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também
as propostas pedagógicas, o documento estabelece conhecimentos, competências e
habilidades que todos os estudantes devem desenvolver ao longo da escolaridade
básica.
Desde a homologação de tal documento, a supervisora
pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil (empresa do Grupo Positivo),
Sirley Terezinha Golemba Costa, vem viajando pelo país para ajudar professores
e escolas na implementação da BNCC. Este ano, ela já tirou dúvidas de mais de
1.700 professores nos cursos que ministra com o Aprende Brasil. A previsão é de
atingir mais 1.400 educadores nos próximos meses em diferentes regiões do país.
À medida que se aproxima a data de obrigatoriedade da sua implantação em sala
de aula, cresce a preocupação tanto com aspectos legais quanto práticos que a
nova proposta curricular acarreta.
Para ampliar o alcance de suas instruções a escolas
e professores, a pedagoga elencou as sete principais questões que tem
enfrentado em suas viagens e como vem orientando os profissionais da educação
nestes casos. Confira.
1 - É possível, sem ampliação da carga horária,
atender a todas as dimensões e princípios básicos estabelecidos pela BNCC?
O primeiro ponto a ser destacado é que a BNCC
converte, em termos de orientações curriculares, princípios mais amplos fixados
pela Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) e pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN). Nesse sentido, a BNCC não traz grandes novidades
em seus princípios e fundamentos, pois o entendimento de que todos os alunos,
independentemente de sua condição, têm um conjunto de direitos de aprendizagem
que devem adquirir ao longo de sua vida escolar já deve estar bem consolidado
entre os educadores.
É importante ressaltar que a BNCC não formula uma
proposta curricular única para todo o país; ela a fornece e normatiza a base
comum que deverá estar assegurada nas propostas de cada sistema de ensino,
estadual, municipal ou privado. A grande novidade é que esses direitos não se
restringem apenas ao âmbito cognitivo e, mais ainda, ao domínio de um conjunto
de conteúdos classicamente apresentados na escola. O foco central é o
desenvolvimento integral do aluno, e, no lugar de um vasto repertório de
informações, o que deve conduzir o trabalho em sala de aula é o desenvolvimento
de habilidades de pensamento (habilidades operatórias) em cada um dos
componentes curriculares. Por exemplo, os alunos não deixarão de aprender
substantivo, multiplicação e insetos, mas deverão aprender tais conteúdos por
meio de situações reais, indo além da informação: Qual o efeito de sentido que
se tem quando se emprega determinado substantivo em um texto? Por que a
multiplicação é a operação que me permite solucionar um problema prático que
enfrento? Por que o desaparecimento de uma só espécie de insetos pode colocar
em risco todo um ecossistema?
Ao deslocar o foco do conteúdo para as habilidades
e competências, abre-se espaço para o trabalho com novas metodologias, em que o
tempo, antes destinado à transmissão de informação, passa a ser usado para
propor atividades por meio das quais os alunos vão aprender e se desenvolver.
A mudança indicada pela BNCC vai impactar,
portanto, a organização do tempo didático e dos espaços escolares, pois os
temas estão apresentados de forma mais integrada. Isso ocasionou deslocamentos
de temas entre as séries e a necessidade de ampliação das estratégias nos
espaços escolares. Os professores e mesmo os gestores podem precisar de ajuda
para fazer essa transição.
Quanto à carga horária, não há necessidade de
ampliação no Ensino Fundamental. A ampliação prevista é para o Ensino Médio,
que passa de 2.400 horas a 3.000 horas até o ano de 2022.
2 - Como integrar o tempo e os espaços na
educação infantil para que haja integração – e não fragmentação – no processo
de ensino e aprendizagem na sala de aula?
A BNCC procura trazer para a realidade da Educação
Infantil de todo o país algo que há muito tempo já está claro para muitos
educadores: essa etapa tem enorme importância na formação da criança e não pode
se restringir apenas ao acolhimento e ao cuidado. Como em qualquer outra fase
escolar, ela também precisa ser embasada em intencionalidades, em objetivos
pedagógicos. O que a BNCC prescreve é que esses objetivos estejam organizados e
articulados em torno de campos de experiência: Eu, o outro e o nós; Corpo,
gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e
imaginação; e Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações. É
importante destacar que esses objetivos pedagógicos não devem ser entendidos
como simples preparação (ou antecipação) dos processos de alfabetização e de
realizações de operações matemáticas. Valorizam-se, e muito, as experiências e
vivências diversas devidamente preparadas para as crianças, que levam em
consideração o que os pequenos já sabem, e fazendo especialmente do brincar uma
atividade de enorme importância, porque é por meio dele que as crianças
interagem, lidam com seu corpo, fazem descobertas sobre si e os outros,
apropriam-se de práticas culturais diversas, começam a construir sentido na
percepção do mundo. Todo esse repertório as ajudará na aprendizagem – no
momento adequado –, na leitura e na apropriação dos códigos de escrita. A BNCC
não estabelece que os alunos devem concluir a Educação Infantil alfabetizados.
3 - Qual é o papel da família na transição
para essa nova concepção curricular?
Esse é um ponto realmente muito importante. Sabemos
hoje quão decisivo é o envolvimento da família para o desempenho do aluno e
mesmo para o fortalecimento dos vínculos familiares. Nesse momento inicial, é
muito importante que a escola informe a família das mudanças que estão em
curso, explicando os ganhos que as mudanças que estão sendo implementadas
representam na formação dos seus filhos, mesmo que os pais não reconheçam os
temas de estudo e as estratégias utilizadas, em comparação ao ensino “da sua
época”. Explicar, especialmente, que os componentes curriculares continuam os
mesmos, mas agora eles são articulados pelas áreas de conhecimento. Mostrar o
que muda no estudo e no modo de estudar. Por exemplo: questionários e listas em
que não há aplicação do conhecimento são dispensáveis; a tarefa é fundamental
na dinâmica escolar e pode ser feita até mesmo antes das aulas, como é o caso
da aula invertida. Enfim, mais do que nunca a escola terá o desafio de aumentar
o compromisso da família com a aprendizagem de seus filhos.
4- Qual caminho deverá ser seguido pelos municípios
para elaboração do Currículo Local ou Parte Diversificada?
Praticamente todos os estados concluíram ou estão
concluindo a elaboração dos documentos que contêm as suas diretrizes
curriculares – tanto as gerais como para cada segmento (EI, Anos Iniciais e
Anos Finais) – e componente curricular. Dessa maneira, as diretrizes gerais da
BNCC já estão sendo adaptadas às realidades locais ou regionais, o que é um
ponto importante a ser destacado. Não é verdade que a BNCC “engessa” as
propostas curriculares. Tomando o documento de seu estado como referência, cada
município poderá estabelecer sua proposta local, fazendo novos ajustes de modo
que a sua realidade seja espelhada na proposta. Particularmente nos Anos
Iniciais, quando os alunos dedicam tempo de estudo ao conhecimento de sua
comunidade, bairro e cidade, é muito importante que a proposta contemple os
elementos culturais e sociais mais relevantes vividos pelas crianças. Tanto
melhor se o que for estabelecido nascer de discussões e de consensos
construídos entre os professores e gestores.
5 – Como organizar um plano de aula que
efetivamente tenha como foco o desenvolvimento de habilidades e competências?
É muito importante que os professores e os gestores
tenham clareza do que representa a mudança de currículos centrados nas
disciplinas para currículos centrados nos alunos e, igualmente relevante, a
mudança de currículos centrados em conteúdos para habilidades de pensamento.
Para se fazer essa migração, será preciso estabelecer pressupostos partilhados
por todos os educadores da escola ou sistema de ensino quanto ao que é aprender
e como se aprende. Se considerarmos que apenas reproduzir um conteúdo
transmitido pelo professor é aprendizagem, nossa concepção de aula e de bom
desempenho não será a mesma de que se considerarmos que os alunos frequentam a
escola para aprender a aprender, para adquirir cada vez mais independência para
aprender continuamente, por toda a vida, ou seja, a aprendizagem aqui é
concebida como um longo percurso em busca da autonomia intelectual. O que isso
quer dizer? Que o aluno desenvolverá a capacidade de, diante de uma nova
situação, saber como buscar a resposta, a solução, a informação de que
necessita. Isso exige que os alunos desenvolvam diversas habilidades de
pensamento. Elas começam por operações simples, como reconhecer um dado da
realidade: o que são quarteirões, cadeias alimentares ou figuras congruentes,
mas avançam com operações que envolvem compreensão, interpretação, análise,
síntese, crítica, entre muitas outras. Falamos muito, atualmente, sobre a
importância de ser criativo. Ninguém será criativo se passar os anos escolares
apenas reproduzindo o que ouviu do professor em sala de aula. Por isso, esse
espaço precisa ser entendido como espaço de compartilhamento de dúvidas, de
formulação e testagem de hipóteses, ou seja, um espaço de produção.
6 - Como organizar o currículo tendo como elemento
fundamental a Base Nacional Comum Curricular, adequando as alterações, já que a
referência desde 1997 era o uso dos Parâmetros Curriculares?
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, como o nome
já diz, eram parâmetros e, do ponto de vista legal, não tinham caráter
impositivo. Com a BNCC ocorre algo bem diferente. O seu estatuto legal a torna
obrigatória. Mas ela é apenas uma base, porque cada sistema vai elaborar sua
proposta curricular. Nesse sentido, experiências bem-sucedidas decorrentes dos
PCN podem perfeitamente estar contempladas na nova proposta. Os temas
transversais, por exemplo, podem ser mantidos na nova proposta. Será preciso,
no entanto, associar esses estudos aos descritores que a BNCC apresenta. É
preciso ressaltar, porém, que não é possível preservar a antiga proposta
elaborada com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para a nova
realidade legal. Diversos aspectos desses documentos são distintos. Todos os
sistemas, assim, terão de elaborar novas propostas, que, por sua vez, devem
decorrer da revisão do Projeto Político Pedagógico (PPP).
7 – A BNCC define o Ensino Religioso como “de
oferta obrigatória e matrícula facultativa”. O que isso quer dizer?
Quando falamos em Ensino Religioso, a primeira
ideia que vem à mente são os cursos de iniciação religiosa, com claro vínculo a
uma opção religiosa, seja ela qual for. Não é essa a proposta da BNCC. Por
Ensino Religioso, compreende-se um âmbito da formação integral, que trata de
questões universais, como o respeito pelo outro, a solidariedade, a importância
da liberdade de fé e de crença. Ainda assim, a família pode entender que não é
na escola que seu filho deve ter essa formação. Por isso, as escolas devem
oferecer o Ensino Religioso, mas não poderão obrigar os alunos a frequentar
essas aulas. Esse é um bom exemplo de como a conversa e o envolvimento da
comunidade escolar podem ser importantes para o êxito da nova proposta
curricular.
Sistema de Ensino
Aprende Brasil